Cinema na Educação
Cidade de Deus
Inesquecível
Não há palavras que possam sintetizar o que senti ao assistir o filme "Cidade de Deus", de Fernando Meirelles e Kátia Lund. Pode-se dizer que há um misto de indignação e medo, de orgulho e satisfação, de desgosto e reflexão...
Há um pouco de tudo. O filme nos engole, parece que estamos no meio de um furacão, saímos um tanto quanto devastados pela energia e pela vibração do movimento frenético que marca "Cidade de Deus" do início ao fim.
Nos sentimos indignados (como disse no princípio dessas linhas) por sabermos que há vários bairros espalhados na imensidão das grandes e médias cidades brasileiras que também poderiam ser chamados de "Cidade de Deus". Assemelham-se em virtude da violência, das ruas de terra batida, do esgoto correndo a céu aberto, da falta de oportunidades de trabalho e estudo ou do descaso das autoridades em relação a essa população.
Sentimos medo por não sabermos em quem podemos confiar. Desconfiamos dos policiais assim como dos bandidos. Achamos que as leis não resolvem e que a justiça é lenta (duvidamos inclusive da máxima popular de que a justiça tarda, mas não falha. Acreditamos, no máximo, numa reparação divina...). Sabemos que pessoas inocentes podem pagar pelos erros dos marginais (e, nesse aspecto vale destacar o livro de Caco Barcellos, "Rota 66", como uma leitura que reitera essa tese). Temos receio de dizer não aos traficantes que controlam os bairros em que moramos por que a conseqüência imediata dessa desobediência pode ser nossa morte ou a de nossos familiares.
Por outro lado, há um orgulho imenso de saber que o cinema nacional é capaz de produzir obras geniais e inesquecíveis como "Cidade de Deus". Não importa o que pensam os conservadores votantes do Oscar, que não permitiram que o filme concorresse ao prêmio de melhor filme estrangeiro. Talvez essa atitude seja até uma comprovação das muitas qualidades do filme, que em nada se enquadra na mesmice que vem sendo a marca registrada de Hollywood e de suas continuações. Fotografia, cadência, música, atuação dos atores (a maioria dos quais, amadores recrutados na própria Cidade de Deus), roteiro, figurinos, e todos os demais quesitos de composição do filme compõem de forma harmoniosa, um resultado de altíssima qualidade.
Há também a satisfação de saber que o cinema brasileiro é maduro o suficiente para discutir e colocar em pauta questões de caráter social e, dessa forma, fomentar um debate mais amplo e sério dessas questões entre todos os brasileiros (abarcando desde a sociedade civil, passando pelas ONGs, movimentando órgãos governamentais, abrindo os olhos de nossos estudantes,...).
Abre-se espaço para uma reflexão profunda. Abre-se espaço para a ação das autoridades e da comunidade. O filme pulsa e parece nos dizer que temos que tomar um posicionamento. Temos que sair de nossa letargia, de nosso imobilismo e, motivados por uma profunda e desgostosa sensação de insatisfação, promover mudanças. Como fazer isso? Infelizmente seria pedir demais que, além de tudo o que nos concede, "Cidade de Deus" também tivesse as respostas para os problemas de nosso país. Essas respostas cabem a nós...
O Filme
"Cidade de Deus" nos conta várias histórias, entre as quais, destaque especial para as trajetórias de Dadinho (Douglas Silva) e Buscapé (Luís Otávio quando menino e Alexandre Rodrigues quando jovem). São dois, entre os vários meninos, dessa verdadeira cidade erguida na periferia do Rio de Janeiro onde se concentram pessoas humildes, de poucas possibilidades, de parca instrução e de muita disposição para a labuta diária.
Entre as pessoas que vivem na Cidade de Deus, como parte um tanto quanto indesejada da comunidade, circulam ladrões dos mais variados níveis. Daqueles que roubam caminhões de gás e assaltam motéis até os traficantes que chegam a controlar a comunidade e estabelecer as regras e os limites toleráveis de convivência no local.
A polícia, nesse mundo perdido, perambula e procura mostrar serviço quando ações mais violentas chegam as manchetes dos grandes jornais do estado. No mais, acomodou-se em rondas que pouco ou nada garantem para os moradores do bairro. Muitas vezes, os policiais acabam mesmo incitando mais violência (inclusive contra inocentes trabalhadores e donas de casa) ou tolerando, em troca de polpudas contribuições, a ação dos bandidos.
Buscapé é o representante do povo honesto, que acorda cedo para vender seu peixe, pegar no pesado, ganhar o pão de cada dia e garantir o leite das crianças. Vive no meio corrompido do bairro e não se deixa levar pela facilidade do dinheiro fácil obtido através do roubo ou da venda de maconha e cocaína. Sonha em ser fotógrafo e trabalhar num grande jornal.
Dadinho é o diabo desde cedo. Vive de acordo com a lei da selva. Tem sempre que falar mais alto. Carrega um "trabuco" que lhe dá respeitabilidade e o faz temido. Não se faz de rogado em usar o revólver para acabar com seus inimigos. De assaltante se torna traficante. Deixa de ser Dadinho e se torna Zé Pequeno (Leandro Firmino da Hora). Vira o dono do bairro e, ao lado de Benê (Phellipe Haagensen), tenta a todo custo conquistar o último quinhão da "Cidade de Deus", domínio do rival Sandro Cenoura (Matheus Nachtergaele, em outra interpretação notável).
"Cidade de Deus" nos coloca no meio de um duelo a céu aberto, como num verdadeiro faroeste caboclo, num autêntico "Matar ou Morrer". Inesquecível! Formidável! Assustador!
Aos Professores
1- Há alguns títulos de paradidáticos publicados pelas principais editoras voltadas para o mercado educacional (como a Ática, a Moderna, a Atual e a Scipione), que discutem a questão da violência no Brasil. Promover a leitura desses livros e criar debates em que se estabeleçam relações entre o conteúdo dos mesmos e o filme "Cidade de Deus" pode fazer com que o estudo e compreensão do fenômeno sejam aprofundados e tenham um caráter mais acadêmico.
2- Seria extremamente válida uma pesquisa de campo em que os estudantes fizessem entrevistas com advogados, delegados, juízes e policiais para entender o funcionamento do sistema penal, carcerário e jurídico do Brasil. Não apenas para compreender como deveriam funcionar esses sistemas, mas também para averiguar como se desenvolvem no cotidiano (na prática) e, verificar o que esses especialistas acreditam como sendo necessário para a efetivação de uma prática eficiente nesses segmentos.
3- O crime tem, entre outras causas, origens sociais. Isso pode ser constatado a partir de várias pesquisas desenvolvidas por juristas, jornalistas, professores especializados em direito, sociólogos e historiadores (entre outros). De que maneira poderíamos justificar essa tese? Com certeza a partir dos indicadores sociais que constam nos levantamentos de institutos como o IBGE ou o DIEESE. Que tal trabalhar com esses dados para entender um pouco mais a respeito do Brasil?
4- A ironia contida no título do filme "Cidade de Deus" pode dar origem a uma discussão interessante acerca da infra-estrutura dos bairros marginalizados das metrópoles brasileiras, marcados pelas ruas poeirentas e pela água e esgoto deslizando pelas guias e sarjetas incompletas, pela total ausência de áreas de lazer e cultura, pelas casas de alvenaria feitas com paredes finas e 2 ou 3 cômodos, pela inexistência de serviços essenciais como creches ou postos de saúde e por aí afora. Como Deus se sentiria nessas "cidades"? Não é uma heresia dizer que esses bairros são "Cidades de Deus"?
Ficha Técnica
Cidade de Deus
País/Ano de produção:-
Brasil, 2002
Duração/Gênero:- 135
min., Drama
Disponível em VHS e DVD
Direção de Fernando Meirelles
e Kátia Lund
Roteiro de Bráulio Mantovani (baseado
no livro de Paulo Lins)
Elenco:- Matheus Nachtergaele, Alexandre
Rodrigues, Leandro Firmino da Hora,
Phellipe Haagensen, Seu
Jorge, Douglas Silva, Luís Otávio, Roberta Rodrigues,
Alice Braga.
Links
- http://www.cidadededeus.com.br (site oficial)
- http://www.adorocinema.com/filmes/cidade-de-deus/cidade-de-deus.htm