Planeta Literatura
As cinco pessoas que você encontra no céu
O que estamos fazendo de nossas vidas?
A Eternidade parece distante quando temos apenas 20 ou 30 anos. Raramente em nossa juventude paramos para pensar que um dia partiremos dessa para outra dimensão. Há momentos em que somos instados a refletir sobre essa circunstância. Isso acontece quando morre um conhecido, especialmente se ele é uma pessoa de pouca idade ou ainda uma criança.
As projeções que fazemos do céu são assemelhadas ao que vemos na televisão, nos filmes. Há muitas nuvens, tranqüilidade praticamente absoluta, anjos vagando para todos os lados com suas asas a dar-lhes autonomia e credibilidade, a bondade é percebida nas auréolas e nas expressões caridosas de todos aqueles que vagueiam por esse espaço privilegiado.
Em nossos sonhos sobre a vida depois de nossa existência sobre a terra é comum que pensemos na possibilidade de encontrar entes queridos, que partiram antes de nós, indo dessa para uma melhor (alguns ou muitos anos antes). Pensamos em nossos avós ou bisavós, nos pais, em irmãos e primos, até mesmo em nossos amores e filhos...
Queremos contar-lhes sobre o que vivemos e também escutar deles sobre tudo aquilo que viram e conheceram a respeito da travessia que fazemos do mundo dos vivos para o dos mortos. A propósito, a palavra morte, no contexto ocidental é constantemente rechaçada, em muitos casos, verdadeiro tabu, assunto a respeito do qual poucas pessoas se dispõem a falar.
Tentamos descobrir a todo o momento como seria esse caminho, queremos saber se as tranqüilizantes imagens que nos são passadas pelos filmes ou pela literatura realmente são condizentes com o que iremos encontrar. Por isso mesmo pensamos em encontrar entes queridos que nos auxiliem a entender melhor esse novo ambiente pelo qual iremos perambular pelo resto de nossas vidas. Existe também, nessa expectativa de encontrar um rosto familiar entre as nuvens da eternidade a constante necessidade que sentimos de segurança.
Quantas vezes você foi a um parque de diversões nos últimos anos? Isso não é divertido?
Você já parou para pensar que nossas vidas são como montanhas-russas ou rodas gigantes,
em constante movimento, sempre com seus altos e baixos, curvas fechadas e mais abertas?
Não perca tempo, viva com intensidade as fortes emoções que a vida lhe concede!
Quem poderia ser melhor para nos recepcionar nesse novo universo senão um de nossos avós? Ou quem sabe nossos pais?
Uma outra explicação para o nosso desejo de encontrar uma pessoa que amamos muito em nossa vida na terra quando chegarmos ao céu pode estar relacionada a um outro profundo e importante sentimento, a saudade. Quantos entre nós não pensamos na falta que nos fazem essas pessoas queridas, que durante suas vidas dedicaram tempo, paciência, palavras, atitudes e carinhos em relação a nós? Esse aconchego pode ter sido proporcionado das mais diferentes formas, através de um conselho amigo, de um prato de comida saboroso (preparado especialmente em função da sua presença), de um gostoso afago ou abraço, de um beijo ardente ou mesmo da simples presença...
Sempre que pensei a respeito da eternidade, imaginei que iria encontrar meus avós e todos aqueles membros da minha família que partiram (ou que irão deixar essa vida) antes de mim. Penso que se tiver que ir na frente também estarei esperando por eles...
Além deles, também os grandes amigos devem estar na porta de entrada do céu, com faixas abertas, recepcionando calorosamente alguém que fez parte marcante de suas existências. Músicas seriam tocadas ao fundo (somente aquelas que realmente significaram muito para a pessoa que estiver chegando), o ambiente seria uma projeção daquilo que sempre desejamos para nossas vidas, cheio de alegria e satisfação, sem intrigas ou conflitos.
O que nos espera quando cruzarmos a fronteira entre as diferentes dimensões?
O que encontraremos na eternidade? Quem irá nos esperar quando lá chegarmos?
(acima, cena do filme “Amor além da vida”).
Em “As cinco pessoas que você encontra no céu”, Mitch Albom, autor do livro “A última grande lição” (em que nos colocou em contato com a memorável figura de seu eterno professor Morrie Schwartz; livro a respeito do qual já produzimos um artigo, disponível no link http://www.planetaeducacao.com.br/new/colunas2.asp?id=193), nos dá a sua versão de como seria essa passagem.
É interessante notar, por exemplo, que a história de Eddie, personagem central da trama que se desenvolve ao longo das páginas desse notável livro, nos é contada como uma fábula, que poderia ser apresentada como a vida de qualquer pessoa. Eu ou você, tendo o cotidiano que temos, vivendo na agitação do trabalho, cumprindo diariamente com uma enorme carga de compromissos, tendo que nos dedicar também a outros afazeres e as nossas famílias, poderíamos ser os personagens principais da história contada por Mitch Albom.
Inclusive, chego a acreditar que Mitch se percebeu como possível intérprete dessa narrativa. Tanto ele quanto sua esposa Janine, que nos foi apresentada no livro “A última grande lição” e que, com certeza, ajudou muito ao escritor na elaboração dessa sua nova história.
E quem é esse tal de Eddie, centro da fábula que nos é apresentada no novo livro de Mitch Albom? Eddie é um velho mecânico especializado na manutenção de brinquedos de um parque de diversões. Ele tem mais de 80 anos e, ainda não sabe, mas está prestes a morrer. Na verdade ele tem apenas mais uma hora de vida quando a narrativa se inicia.
Isso nos faz pensar a respeito de quanto tempo ainda temos pela frente. Será que viveremos até os cem anos, ou será que estamos destinados a apenas mais alguns dias, talvez horas? Como estamos vivendo cada novo dia que temos pela frente? Da melhor forma possível ou como um fardo a mais, que teremos que carregar como um burro de carga puxando uma carroça sem que a esse animal sejam dadas alternativas ou possibilidades?
O maior de todos os sonhos que temos é o do reencontro com a pessoa amada, com os pais,
irmãos, avós e grandes amigos. A eternidade é como um grande quadro de Monet,
cheia de cores que começamos a pincelar desde o momento em que nascemos
até a etapa em deixamos nossos corpos para trás e caminhamos para a luz...
(acima, cena do filme “Amor além da vida”)
Conheço muitas pessoas que se sentem como verdadeiros animais de carga em relação a suas vidas. Tudo lhes parece encargo, nada lhes lega prazer. Recepcionar os amigos em casa para um delicioso almoço no final de semana é encarado como mais trabalho, despesas ou amolação por ter que ficar horas e horas escutando “papo furado”.
Há outras pessoas que, por outro lado, já perceberam que momentos como aqueles em que nos encontramos com amigos ou parentes próximos servem para recarregar as energias. Quando vamos para a cozinha, preparamos os alimentos, tomamos um bom vinho, conversamos sobre amenidades ou mesmo sobre nossas dificuldades com pessoas que prezamos, estamos alimentando nossas almas, dando ao espírito o fôlego que ele necessita para saber que amanhã pode ser um dia muito melhor...
Quantas vezes você realmente parou para dar atenção a seus filhos ou aos sobrinhos? Tem gente que acha que criança não tem nada de interessante ou importante para nos dizer. Dá para acreditar numa coisa dessas? Os poetas e músicos nos lembram a todo instante que as maiores preciosidades existentes no planeta surgem justamente da espontaneidade, da candura e da generosidade dos pequenos. Os psicólogos e educadores, por sua vez, nos lembram que é nessa fase da vida que consolidamos nossas personalidades, nossa disposição em relação a vida, o nosso futuro. Se não formos capazes de dar-lhes a devida atenção, o que poderemos esperar deles no amanhã?
Há um pouco de Eddie em cada um de nós justamente por causa disso, ou seja, pelo fato de termos um cotidiano e uma relação que estabelecemos com ele. Muitas vezes resolvemos adotar um percurso em que prevalecem os espinhos, as chagas, as dores. Não conseguimos nos desvencilhar de uma visão pessimista do mundo, mesmo sabendo que de alguma forma contribuímos para que a vida de outras pessoas seja melhor. Vejam bem, sempre estamos ajudando de alguma forma, mas muitas vezes não nos damos conta disso.
Como será a cidade dos anjos? Ou será que eles já nos guardam enquanto estamos aqui, na Terra?
Já pensaram que estamos cercados de anjos e que eles podem ser mais facilmente identificados como
nossos amigos, pais, avós, filhos, irmãos,... (acima, cartaz promocional do filme “Cidade dos Anjos”).
Se trabalho como limpador de rua ou como presidente da república, em ambos os casos estou contribuindo com outras pessoas. Ruas limpas, jardins bem cuidados, ambientes arrumados são tão importantes para o dia a dia das pessoas quanto novas leis, mais empregos ou ainda investimentos em educação e saúde. É claro que o alcance das medidas é diferenciado, as alterações propostas pelo presidente atingem todos os cidadãos de um país, os serviços prestados pelos garis, por jardineiros ou ainda por faxineiros está restrito aos espaços onde essas pessoas trabalham. O importante é perceber que eles também são imprescindíveis e reconhecer isso para que essas pessoas se sintam valorizadas e prestigiadas.
Nosso céu ou nosso inferno começa por aqui e não apenas depois que morremos. Somos nós que, de certa forma, decidimos se nossas vidas serão bem vividas ou não. Temos autonomia para escolher nossos amigos, companheiros, emprego, se vamos ou não estudar. É claro que determinadas contingências contextuais podem e irão interferir, assim como sabemos que há certos aspectos de nossas vidas que são definidos a partir de heranças genéticas e familiares (de convívio). O que podemos perceber na obra de Mitch Albom é que temos que exercer essa autonomia, perceber o que estamos fazendo de nossas vidas, alterar os rumos quando necessário, manter aquilo que consideramos adequado.
Viver representa uma oportunidade única. Não há bilhete de volta. Não há segundo tempo previsto para nenhum de nós, meros mortais. Se não fizermos bom uso dessa chance que estamos tendo, não teremos outro livro para escrever sobre nossas vidas. “As cinco pessoas que você encontra no céu” nos coloca em contato com nós mesmos, nossas pequenas vaidades, os erros comuns do cotidiano, as ausências que deveríamos evitar, as distâncias que nos causam saudade e que mesmo assim nos negamos a reconhecer (seja por orgulho ou por qualquer outro motivo).
Morrie Schwartz, o professor de “A Última Grande Lição” deve estar se sentindo muito orgulhoso de seu pupilo. Suas últimas aulas deram um resultado formidável. Com certeza Morrie estará esperando por Mitch para lhe dar os parabéns e lhe dizer que ele ajudou muitas pessoas com suas palavras e reflexões...