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João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Culturas da Rebeldia
Nós somos jovens, jovens, jovens...

Capa-do-livro-Culturas-da-Rebeldia

Todos nós sabemos que os jovens dos anos 1950 se vestiam de forma diferente daqueles que uma década depois viraram o planeta de cabeça para baixo com o Festival de Woodstock. Também sabemos que os maiores ícones musicais da década de 1960, os Beatles (mais conhecidos mundo afora do que Jesus Cristo, de acordo com as palavras de John Lennon), sucumbiram nas décadas seguintes e foram suplantados nas paradas de sucesso pelos clipes musicais de Michael Jackson ou Madonna (apesar de seu público cativo e fiel que continua incensando canções como “Let it be” ou “Help”).

Não dá para ignorar que em se tratando dos anos 1950, a imagem de rebelde foi associada aos personagens de James Dean em “Juventude Transviada” ou ainda de Marlon Brando em “O Selvagem”. O blusão de couro, a camiseta e a calça jeans passavam a fazer parte do imaginário mundial como símbolos destacados da presença marcante da juventude como elemento ativo, integrado, sintonizado com a política, crítico dos sistemas econômicos, sequioso de uma independência e de um reconhecimento que ainda não possuía.

Os jovens dos anos 1990, por sua vez, incorporaram alguns elementos para demonstrar sua rebeldia e seus questionamentos. Aderiram a novas correntes musicais e propostas alternativas de vida, condizentes com suas realidades e problemas. Foi nessa época que se consolidaram o Rap, o Hip Hop e o conceito de “galeras”.

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James Dean e Janis Joplin, exemplos de diferentes formas de rebeldia assumida pelas juventudes
dos anos 1950 e 1960. Do jovem que rejeita os padrões dos adultos e abandona sua casa
para dançar ao som do rock and roll de Elvis Presley, passamos para o alucinado
mundo do “sexo, drogas e rock and roll” dos hippies e da contracultura.

Elvis Presley, Legião Urbana, os carapintadas que ajudaram a derrubar Fernando Collor de Mello, Rita Lee e os Mutantes, o tropicalismo, a UNE dos anos 1960, os movimentos estudantis dessa mesma década, o advento da MTV, os hippies, o surgimento do movimento Punk e de seus derivativos, a voz rouca de Janis Joplin, Cazuza, a morte pelo consumo de drogas dos roqueiros que agitaram o cenário mundial a partir de Woodstock, o envolvimento de jovens na luta armada contra a ditadura militar, a alienação do fim da ditadura militar, o surgimento do terceiro setor e o envolvimento da juventude em movimentos pela preservação da natureza ou pela ética na política,...

Todos esses acontecimentos e personagens são parte integrante da história recente de nosso planeta, relacionados entre si pelo fato de representarem diferentes momentos, propostas, respostas e atitudes da juventude em relação ao mundo em que viviam. Contextualizados eles podem ser entendidos, vistos aleatoriamente, dificilmente seríamos capazes de compreender o que representavam, por que agiram da forma como hoje temos a possibilidade de estudar, que alternativas possuíam, de onde veio toda a sua rebeldia, que caminhos os jovens do século XXI tem pela frente...

Pensando em temas como esses, o professor universitário e sociólogo Paulo Sérgio do Carmo produziu o livro “Culturas da Rebeldia” (Editora Senac São Paulo). Nesse trabalho há um acompanhamento do histórico da evolução dessa referida juventude a partir dos anos 1950, período em que se detecta a quebra da uniformidade e as primeiras reações a ditadura imposta pelos pais a seus filhos. Ditadura essa que pretendia fazer com que a juventude incorporasse regras, padrões e comportamentos do mundo adulto ao seu cotidiano (e até mesmo, em muitos casos, das próprias crianças).

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O movimento dos Caras Pintadas no Brasil e Che Guevara e seu sonho da revolução socialista
embalaram os movimentos da juventude contra as injustiças e desmandos da política
tradicional em diferentes períodos. Sem perder a ternura (e a irreverência) em nenhum momento...

Os anos dourados (a década de 1950) registram também a percepção dos jovens e das crianças como importantes segmentos do setor de consumo, portanto, a partir desse período inicia-se uma intensa propaganda por parte de indústrias e setores expressivos do comércio para atingir esse segmento considerável do mercado.

A apropriação pela indústria cultural de ícones como Elvis Presley, James Dean ou Marlon Brando e sua pretensa rebeldia mirava exatamente os muitos dólares que poderiam ser gerados por uma massa de jovens decidida a incorporar o espírito irreverente, audacioso e libertário desses ídolos.

Mas não eram apenas esses os expoentes da radicalização do comportamento jovem nos anos 1950. Surgiam também os beatniks, liderados por escritores como Jack Kerouac e Allen Ginsberg, que resolveram colocar o pé na estrada, escrever sobre suas experiências psicodélicas, sobre sua vida marginal, dormindo ao relento, conhecendo realidades totalmente díspares em relação ao mundo burguês ao qual a maioria dos jovens americanos desse período estavam acostumados.

Eles apenas deram o pontapé inicial para práticas ainda mais radicais, que redundariam no Flower Power dos anos 1960 e seu lema “sexo, drogas e rock and roll”, incorporado ao cotidiano de uma juventude totalmente liberada, adepta do naturismo, do consumo de drogas variadas (como a maconha, a heroína ou a cocaína), da vida em comunidades alternativas e do sexo livre, descompromissado.

É nesse período que os universitários passam a lutar por seus direitos e promovem manifestações, desafiando governos, sistemas educacionais, orientações políticas autoritárias e modelos econômicos que em sua opinião estavam falidos ou então que eram injustos. Na França, no Brasil, nos Estados Unidos e em várias partes do mundo, universidades são fechadas, acampamentos provisórios abrigam os universitários em luta por seus ideais, a polícia é chamada as ruas para intervir e tentar manter a ordem,...

Imagem-de-Kurt-Cobain-e-Cazuza
Kurt Cobain (do Nirvana) e Cazuza representaram a intensidade e a vibração dos jovens
em busca de libertação e prazer total. Pagaram com a angústia e o sofrimento da Aids
o desrespeito aos limites da humanidade ao morrerem ainda muito jovens de forma trágica.

No Brasil, a luta armada passa a ser a opção de muitos desses estudantes, acuados pelo governo com a perseguição ostensiva e a marcação cerrada dos órgãos repressores. O seqüestro de embaixadores ou a Guerrilha do Araguaia são acontecimentos que simbolizam esse envolvimento numa época em que as oposições políticas foram silenciadas pela censura, pelas torturas ou pelo exílio.

Nos festivais da canção surgiam Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Rita Lee, Raul Seixas, Geraldo Vandré e tantos outros cantores e compositores que através de suas canções tentavam contestar o regime opressor. Era também a época da rebelde (mas controlada) Jovem Guarda liderada por Roberto Carlos, Wanderléia e Erasmo Carlos.

O papel do jovem era rediscutido diariamente, em várias partes do mundo, não mais pelos adultos e suas instituições (como a escola), mas pela própria juventude, que se tornava cada vez mais protagonista dos acontecimentos que viravam manchetes de jornais, notícias do dia...

Daquela época para cá vimos surgir novos movimentos, alguns ainda incompreendidos, marginalizados, hostilizados pela grande mídia e, por isso mesmo, estigmatizados como violentos. Outros, entretanto, produziram movimentos culturais que se tornaram relevantes e deram status de estrela mesmo a quem não queria tantos holofotes, apesar de seu talento reconhecido, casos de Kurt Cobain (do grupo Nirvana) ou de Sid Vicious (do Sex Pistols).

Cazuza e sua trupe do Barão Vermelho, Renato Russo e o grupo Legião Urbana, Herbert Vianna e os Paralamas do Sucesso no Brasil consolidaram o rock e deram a esse gênero uma roupagem nacional. Falavam do Brasil de forma crítica, demonstravam uma vontade latente de mudar, diziam em nome dessa juventude brasileira aquilo que se buscava com movimentos como as Diretas Já ou, posteriormente, com os Caras pintadas que enxotaram Collor do poder, ou seja, “Brasil mostra a sua cara”...

O professor Paulo Sérgio do Carmo caminha ao longo das páginas de seu livro pelos caminhos alternativos escolhidos pela juventude brasileira e mundial em busca de um espaço para que sua voz, tanto de lamento quanto de confiança e satisfação pudesse ser ouvida (luta que continua ainda hoje, com a utilização de outros expedientes e rotas). Seu livro é recomendado não apenas para as pessoas interessadas num estudo da história e das perspectivas futuras da juventude, mas também de todos aqueles que, em determinado momento de suas vidas, dançaram embalados pelo “Twist and Shout” ou pelo “Dancin’ Days”...

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