Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A 3ª Idade e a Educação
Lições da Escola da Vida

Senhor-de-idade-avançada

Integrar o idoso a sociedade, dar a eles novas oportunidades de se sentirem úteis, abrir canais de diálogo que promovam o crescimento para as novas e velhas gerações, compromissos da escola e da sociedade que devem ser firmados e referendados na prática.

Estive conversando com alguns pesquisadores e a partir dessa troca de idéias fui informado que alguns deles pretendem focar suas pesquisas sobre o retorno das pessoas da 3ª Idade as escolas. Achei particularmente muito fortuita essa proposta de estudos, mesmo porque já tive a feliz oportunidade de trabalhar em cursos destinados a alunos dessa faixa etária e posso atestar, a partir daquela vivência, que há muitos pontos positivos nessa reinserção dos experientes membros da comunidade ao ambiente educacional.

Lembro-me com saudades das aulas em que tive a oportunidade de trabalhar com esses alunos tão especiais, por exemplo, nos cursos de sociologia e também no de Ciência e Tecnologia.

O que mais me agradava era a imensa disposição mostrada por todos eles em estar de volta a escola. Pareciam colegiais em seus primeiros dias de aula, logo após o retorno das férias. O mais interessante é que esse ânimo todo não durava poucas semanas, prolongava-se por todo o período de aulas e era demonstrado mesmo nas épocas em que estávamos de “férias escolares”, quando nos encontrávamos nas ruas e eles nos diziam que esperavam ansiosamente o retorno do convívio em sala de aula.

Idoso-em-cadeira-de-rodas

O abandono e a solidão são realidades na vida de muitos idosos. As famílias e amigos muitas vezes desaparecem e deixam seus parentes aposentados sem qualquer suporte, seja financeiro ou, principalmente, emocional.

Dava para notar como essa experiência era importante para todos, pois todos pareciam rejuvenescer simplesmente pelo fato de que estavam freqüentando o curso. Os sinais eram evidentes:- Eles se vestiam melhor, sorriam o tempo todo, participavam das aulas com curiosidade, opinavam e argumentavam com base em suas experiências pessoais (muito mais expressivas em função do tempo vivido do que a minha) e aproveitavam cada minuto daquela interação.

Meus alunos saboreavam cada oportunidade daquele reencontro com a normalidade de uma vida que para muitos deles a aposentadoria e o distanciamento (quando não abandono) por parte da família parecia os ter condenado a um final melancólico, triste, depreciativo.

Muitas pessoas parecem pensar que seus pais e avós, pelo fato de terem se tornado idosos e de estarem aposentados são fardos a se carregar pelo resto das vidas e não pessoas que os alimentaram, lhes deram carinho, proporcionaram educação, resguardaram com princípios ensinados, cuidaram em tempos de enfermidades,...

Tantas vezes nos esquecemos de tudo o que essas pessoas fizeram e, principalmente, representam para nós e os abandonamos a sua própria sorte. Quantos não são os casos de esquecimento completo, quando os filhos não dão qualquer tipo de suporte financeiro e, muito mais importante, emocional; Em outros casos, a família se preocupa apenas em pagar as contas, manter o idoso num asilo ou numa instituição que cuide do mesmo, mas em hipótese alguma visita essa pessoa...

Senhores-em-frente-ao-computador

O contato com as ferramentas da tecnologia como os computadores e a internet são desafios que os alunos da terceira idade não tem medo de enfrentar.

O retorno à escola era uma verdadeira libertação para muitas daquelas pessoas da terceira idade. Meu aluno mais novo tinha aproximadamente 60 anos, a mesma idade de meu pai. Algumas daquelas pessoas já estavam com mais de 80 anos, portanto num patamar equivalente ao de meus avós. Independentemente de suas faixas etárias, todos eles primavam pela vontade de aprender, de dividir conhecimentos, de ensinar.

Algumas daquelas pessoas tinham trabalhado com educação. Havia também militares reformados, engenheiros, pessoas sem formação superior, donas de casa, escriturários, comerciantes e algumas outras profissões. Podia-se ver em suas expressões o quanto aqueles encontros eram importantes para lhes dar alento, para lhes garantir uma sobrevida e mais alguns anos de satisfação.

Antes do surgimento da escola (Faculdade da 3ª Idade), eles ficavam sentados em suas salas, vendo televisão, lendo jornais, tricotando, recebendo a visita de alguns poucos amigos e parentes, passeando esporadicamente...

Depois que voltaram a estudar, organizaram através do clube da “melhor” idade uma série de eventos (como bailes, aniversariantes do mês, palestras, viagens,...). Passaram a ter mais vontade de participar da vida na comunidade, deixaram de se sentir como pesos e passaram a se perceber como elementos socialmente integrados, de valor, capazes de agregar conhecimentos e de ainda serem vistos como produtivos, inteligentes, representativos...

Paulo-Freire

Ao atingirmos a 3ª idade não temos mais a mesma vitalidade, nossas forças parecem ter diminuído, mas a experiência acumulada ao longo da vida nos ensina os melhores caminhos, nos permite continuar aprendendo e, principalmente ensinando. Paulo Freire (na foto acima) foi exemplo marcante dessa força proveniente da maturidade e da sabedoria daqueles que envelheceram com dignidade e souberam se mostrar sempre grandes.

Em algumas de nossas aulas me senti como o aluno, que aprende muito mais do que ensina. Estivemos, por exemplo, durante algum tempo estudando política nas aulas de sociologia. Resolvi então discorrer a respeito do populismo no Brasil e mencionei como exemplos os ex-presidentes Getúlio Vargas e Jânio Quadros.

Munido de bons livros contei-lhes algumas das artimanhas utilizadas por ambos para conseguirem maior popularidade e reconhecimento. Depois de ter lido alguns dos trechos que havia selecionado, qual não foi minha surpresa quando vários contaram da visita de Jânio ao município em que vivíamos, de seu discurso no clube da cidade, de sua visita ao bar para tomar uma “branquinha”...

Eu tinha aprendido nos livros, estudando, assistindo aulas com meus professores da universidade... Eles tinham conhecido Jânio ou Getúlio, tinham inclusive votado neles, sabiam dos acontecimentos da época por terem vivenciado aquelas experiências...

Esses estudantes estavam tão dispostos a tornar aqueles encontros inesquecíveis que até mesmo o que poderia ser encarado como barreira aparentemente intransponível, no caso as novas tecnologias, especificamente o computador e a internet, eram apenas novos desafios, que poderiam ser incorporados ao seu cotidiano, que seriam aprendidos e utilizados muito mais rapidamente do que eles poderiam imaginar quando estavam em suas casas, sem as perspectivas que lhes foram dadas pelo retorno à escola.

Quando fui convidado a dar aulas na faculdade da Terceira Idade não tinha idéia da vitalidade que veria brotar de todos aqueles “jovens”, dotados de uma grande experiência, ansiosos por oportunidades de reconquistar o espaço que já haviam desfrutado na comunidade.

Uma das experiências mais marcantes e encantadoras desse trabalho foi escutar, de diversos participantes, os agradecimentos e o reconhecimento pelo convívio e pela disposição em estar ao seu lado, dividindo conhecimentos, estimulando a aprendizagem, fomentando o crescimento numa época em que poucos deles imaginavam que poderiam estar participando tão ativamente do mundo em que vivem. Na maior parte dos casos é apenas isso que a maioria deles procura...

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