Cinema na Educação
Policarpo Quaresma – Herói do Brasil
Que saudades dos sonhos e da ironia de Lima Barreto
Em determinado trecho do filme “Policarpo Quaresma, Herói do Brasil”, adaptado para as telas a partir do romance “O Triste Fim de Policarpo Quaresma” de Lima Barreto, o personagem principal, encarnado por Paulo José (em atuação marcante) pergunta ao médico que comanda o hospício onde está internado, quais os motivos que motivaram a sua “hospitalização” forçada. Ao responder, o médico diz que ele não estava agindo de forma normal, o que forçou as pessoas a seu redor a levá-lo para o sanatório.
Nova pergunta de Policarpo querendo saber o que o médico entende por normalidade. A resposta, de bate pronto, diz que não é normal aquele que não age de acordo com as normas. “E quem estabelece as normas?”, retruca o estudioso protagonista do filme. As pessoas normais, responde o médico. “E o que as faz normais?”, pergunta mais uma vez Policarpo. O doutor responde então que o que as faz normais é o comportamento dentro de uma média esperada de reações, práticas e ações no cotidiano. Policarpo então ergue a voz e reitera sua lógica afirmando que ao invés de prevalecer à inteligência e a criatividade, a sociedade se conformou em afirmar atitudes que fixam padrões, médias e encerra seu pensamento vociferando contra a mediocridade, o império do cotidiano e da repetição e afirmando sua disposição em buscar renovar através da sabedoria, da pesquisa e da ciência.
Esse é apenas um trecho do filme dirigido por Paulo Thiago que já nos mostra, de forma contundente, um pouco do gênio de Lima Barreto, conspirando através de suas narrativas contra a mesmice e a falta de inteligência ou ainda, falando a favor da educação, da cultura, da busca de informação e conhecimento e das possibilidades que adviriam dessas práticas para a elevação do Brasil à condição de potência mundial.
Não é o único ponto defendido por Policarpo, brasileiro devotado as causas nacionais de forma ufanista, professor de sonhos e aprendiz eterno. Esse personagem consegue advogar em favor de temas tão atuais quanto à reforma agrária, a moralização da política nacional, a valorização da cultura indígena, o direito de manifestação e, principalmente, a honestidade de princípios, a coerência entre prática e ação...
Seu modo de agir causa indignação, espanto e, tantas vezes, entusiasmo e simpatia. Há aqueles que sentem ojeriza por seus projetos (que tanto olham para o bem estar coletivo), assim como existem muitos outros que o respeitam e olham pela sua segurança e saúde, acreditando que os sonhos de Policarpo devem existir, que funcionam como um sopro de esperança numa terra pródiga, porém corrompida...
Faltam-nos novos Lima Barretos que ajudem a incendiar as discussões, alimentando uma paixão que anda para lá de morna em relação ao Brasil e suas possibilidades. Faltam-nos muitos patriotas como Policarpo Quaresma, íntegros e dedicados a causas que parecem sempre distantes, inatingíveis e que assim permanecerão enquanto nos mantivermos de braços cruzados...
O Filme
Sua exibição deveria ser obrigatória em todas as escolas do país. Na verdade, a leitura de Lima Barreto, assim como Machado de Assis, Graciliano Ramos, Fernando Sabino (Quem sabe poderemos ainda nos reunir num “encontro marcado” celestial?) ou Érico Veríssimo (entre outros).
Em certo trecho do filme, em conversa com seu protegido e amigo, o poeta e cantador Ricardo (Ilya São Paulo), Policarpo diz que o futuro do país está garantido ao menos enquanto os artistas, literatos, músicos e poetas continuarem apregoando aos quatro cantos as belezas de nossa pátria. Estava certo o personagem, estava coberto de razão o autor dessa ode ao nacionalismo.
Mas, voltemos ao filme, como toda adaptação, o filme sofre com as reduções e simplificações, que tiram a possibilidade de conhecermos o todo da obra de Lima Barreto, entretanto, serve como uma boa introdução ao livro. Conhecemos, logo a princípio, as esquisitices do personagem central, defendendo em plena câmara dos deputados, na capital federal (o Rio de Janeiro) no final do século XIX, que o idioma nacional deveria ser o Tupi-Guarani, o que faz com que se torne alvo de inúmeras ironias e troças.
Policarpo é um homem culto, muito ativo, participante dos eventos de seu tempo, sintonizado com as informações e com as teorias criadas pela ciência, incentivado pelo espírito progressista que percebe no republicanismo e também no positivismo.
Homem de grandes paixões que desperta amores e ódios em igual proporção, apesar de sua índole simpática e tantas vezes ingênua, Policarpo se vê sempre como o centro de tormentas, seja como o alvo de romances impossíveis ou, principalmente, como protagonista de acontecimentos históricos que envolvem personalidades marcantes da vida política e cultural brasileira dos primeiros anos da República, principalmente o marechal de ferro e 2º presidente republicano, Floriano Peixoto (Othon Bastos).
Em sua vida pessoal, Policarpo é amado por sua afilhada Olga (Giulia Gam) e sente o mesmo em relação a ela, mas o impedimento da relação “familiar” estabelecida com o apadrinhamento e a diferença de idade entre os dois, parecem empecilhos difíceis de superar.
Funcionário público, agricultor, militar, patriota, prisioneiro político. Todas essas vidas fazem parte da experiência de Policarpo. Venha descobrir e compartilhar dessa existência única e tentar entender um pouquinho melhor nossa brasilidade...
Aos Professores
1- Primeiramente não poderia deixar de recomendar a leitura da obra “Triste Fim de Policarpo Quaresma”. A propósito, façam isso antes de assistir o filme do diretor Paulo Thiago. Depois da leitura e da apresentação do filme, organizem um debate contando com a participação dos alunos e dos professores para que possam ser identificados os pontos fortes das duas versões, as idéias mais enfatizadas em um e outro veículo, os pontos que foram deixados de lado no filme, a preocupação em reproduzir uma outra época, o pensamento vigente naquele período,...
2- Há vários temas abordados no filme que falam muito sobre o Brasil de hoje. Peça aos alunos que identifiquem esses temas, as soluções propostas por Policarpo Quaresma e os caminhos seguidos pela política nacional do período. Aprofundem a discussão pedindo pesquisas a respeito dessas temáticas na atualidade de nosso país:- Já foram resolvidas? Perduram? Qual a situação real dessas problemáticas em nosso país nesse momento? Criem painéis, gráficos, denúncias; busquem dados em jornais, revistas e internet; entrevistem especialistas...
3- Uma outra obra emblemática de Lima Barreto é a narrativa “Os Bruzundangas”. Trata-se também de uma crítica a diversas situações vividas pelo Brasil do período em que viveu o escritor. Recomende a leitura e peça aos alunos para produzir uma fusão de elementos do filme “Policarpo Quaresma – Herói do Brasil”, de idéias contidas nos livros de Lima Barreto e da realidade de nosso país retratada em filmes que denunciam a triste condição sócio-econômica da vida de uma grande parte da população brasileira para produzir histórias em quadrinhos, storyboards, mangás (quadrinhos japoneses) ou ainda graphic novels.
4- Policarpo Quaresma é apenas fruto da imaginação de um escritor ou há outras pessoas que, como este personagem, lutam por seus sonhos mesmo que tenham que nadar contra a maré? Ser visionário significa comprar brigas e gerar inimizades, mesmo que isso não seja o propósito dessas pessoas. Busque exemplos de personagens históricos que, como Policarpo, arcaram com altos custos pela defesa de seus ideais e interesses. Promova a produção de um jogo em que esses personagens sejam transformados em peões (peças) que enfrentam adversidades e inúmeros problemas para atingir o objetivo final e correm o risco de perder o rumo ao longo do caminho. Como seria esse jogo? Quais seriam os personagens retratados? Que objetivos seriam atingidos? Como seriam as regras? Quais seriam os obstáculos?
Obs.: – “Os Bruzundangas” está disponível na internet pela Biblioteca Virtual da Universidade de São Paulo, no link: www.bibvirt.futuro.usp.br/textos/autores/limabarreto/bruzundangas/bruzundangas.html
Ficha Técnica
Policarpo Quaresma – Herói do Brasil
País/Ano de produção: Brasil, 1988
Duração/Gênero: 120 min., Comédia
Direção de Paulo Thiago
Roteiro de Alcione Araújo, baseado na obra de Lima Barreto
Elenco: Paulo José, Giulia Gam, José Lewgoy, Chico Dias, Bete Coelho,
Ilya São Paulo,
Luciana Braga, Marcélia Cartaxo, Antônio Calloni,
Othon Bastos, Tonico Pereira.
Links
- http://www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/policarpo-quaresma/policarpo-quaresma.asp
- http://cineclick.virgula.terra.com.br/cinemateca/ficha_filme.php?id_cine=8737
- http://www.ensino.net/novaescola/114_ago98/html/repcapa2.htm
- http://www.terra.com.br/cinema/comedia/policarpo.htm