De Olho na História
O 7 de setembro e a farsa da Independência do Brasil
João Luís de Almeida Machado
Figura 1: Independência ou Morte (1888), Oil on Canvas de Pedro Américo, acervo do Museu Paulista da USP, em exposição no Museu do Ipiranga.
O célebre quadro de Pedro Américo, no Museu do Ipiranga, a retratar o grito de Dom Pedro, numa cidade de São Paulo que não mais conseguimos imaginar, tendo em vista o gigantismo da metrópole paulista nos dias de hoje, celebra a farsa da Independência e cria heróis que foram plantados no imaginário popular que não condizem com tudo aquilo que aconteceu ou que se esperava.
O 7 de setembro, data nacional brasileira, consagra a emancipação política que nos foi possível, relacionada a interesses específicos, no caso, dos próprios portugueses, cientes de que se não celebrassem por suas próprias ações a tal independência do Brasil, poderiam ser totalmente ceifados do poder pela ação de outros interessados; no caso, de brasileiros, fossem aqueles da elite então existente, associada aos portugueses em causa própria, ou mesmo por ações populares inicialmente regionais, já que a noção de país não existia, até que redundassem no compartilhamento de forças ou, mais provável, na divisão do reino português em inúmeras republiquetas, tal qual ocorrido em terras dominadas pela Espanha.
O quadro de Pedro Américo foi produzido em 1888, às vésperas da proclamação da República, no ano em que a chaga da escravidão foi “abolida” no Brasil e, é claro, relaciona-se à ideia e a necessidade de que o país precisava de uma história que consagrasse sua grandeza e que remontasse a uma linhagem de heróis, ainda que torpes ou de caráter, no mínimo, dúbio ou duvidoso.
Conforme atestam cronistas de época, posteriormente repisados por historiadores, o Brasil nasceu de náufragos, degredados, órfãos, pessoas sem origem, capturados pelas ruas de Lisboa e de outras cidades portuguesas. Os heróis que desbravaram os sertões e as matas, de norte a sul do país, eram rudes, bárbaros habitantes de um mundo cru, sem aparas, onde a natureza pródiga tudo oferecia, da mão de obra ao alimento, sem custo aparente, apenas a sanidade e a saúde de quem para cá corria, em busca de riqueza rápida, já pensando na viagem de volta para a Europa.
Desbravadores de um universo pueril, em que os habitantes originais nem ao menos tiveram a real chance de interagir em pé de igualdade sendo, desde o princípio, julgados inferiores e a ferro e fogo amansados ou massacrados, tendo ainda a cruz a lhes ser impingida para salvar as almas.
Bandeirantes, vaqueiros, plantadores de cana, mascates, marinheiros, soldados, mercenários e padres adentraram o território e aqui fizeram surgir picadas, estradas, áreas de plantio, estalagens, pontos de comércio mambembe a lhes garantir não apenas o cumprimento das rotas das riquezas que aqui existiam, mas o surgimento deste país sem igual, na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza...
Submetidos ao jugo colonial europeu, a uma nação mercantilista que parecia inicialmente promissora em relação as metas e objetivos, ações e projetos que a fizeram pioneira nas navegações, o Brasil viu sua história sendo escrita de modo irregular, sempre com sofrimento e amargura, com ciclos de fome numa terra em que tudo era possível plantar e colher, mas que foi destinada a monocultura exportadora, baseada na produção do ouro branco, do algodão, do tabaco e de outras culturas agrícolas tropicais e que, por isso, tudo o mais tinha que importar a peso de ouro de sua metrópole.
Quando a Família real aportou por aqui, fugindo de Napoleão e dos franceses, escoltada por seus aliados ingleses desde que, em contrapartida, abrisse os portos e oferecesse outras condições comerciais vantajosas ao importante parceiro, o Rio de Janeiro não contava nem ao menos casas em quantidade suficiente para abrigar os membros da corte exilados de sua própria nação portuguesa. Menos ainda poderia oferecer casas minimamente equipadas ou vistosas como aquelas frequentadas pela nobreza lusa.
Dom João e sua família, também foram alvo da história que oficializou os atos heroicos em prol da nação brasileira. Promoveu abertura econômica, criou instituições que existem até hoje como museus, universidades e, até mesmo, o Banco do Brasil (que foi por ele pilhado escandalosamente quando retornou a sua terra natal) mas manteve o porrete sob nossas cabeças, ainda que em determinado período de seu reinado por aqui tenha elevado o Brasil a Reino Unido a Portugal e Algarves (o que tentou desfazer depois de retornar a Lisboa).
Apoiado em todas estas farsas a história do Brasil foi sendo escrita por escribas oficiais que tentaram criar uma narrativa mítica que celebrasse a nação que se levantou contra os dominadores estrangeiros ainda que pela ação política de herdeiros destes usurpadores.
Após séculos de saque, como bem descreveu Eduardo Galeano em sua célebre obra “As veias abertas da América Latina”, se referindo não apenas ao Brasil, mas a todos os países desta região dominada por Portugal e Espanha, a ironia maior foi ver o Brasil se “libertar” pelas mãos de aristocratas e nobres europeus, que por aqui mantiveram seu poder ao longo de quase 70 anos mais, assumindo dívidas altíssimas para ratificar esta libertação perante a Inglaterra, mantendo bases produtivas arcaicas pautadas na monocultora exportadora que utilizava mão de obra escrava, silenciando dissidentes e opositores...
E, mais irônico, e até hipócrita, é a celebração desta farsa, tornada data nacional mais importante, ainda que certamente representativa de uma ruptura político-jurídica e institucional com a metrópole portuguesa, em pleno século XXI. Mais justo e correto historicamente seria celebrarmos conjuras como a mineira, a baiana ou a Confederação do Equador, mesmo que ingênuas em suas proposições, atos legítimos de brasileiros que, em âmbito regional, quiseram dar vida e vazão a um país realmente livre das amarras daqueles que por tantos e tantos anos exploraram o país, seu povo, suas terras, suas riquezas...
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