Planeta Educação

De Olho na História

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

A escravidão do relógio chega à alimentação
A McDonaldização dos hábitos alimentares

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Henri Ford podia ter uma noção muito clara do que significava a introdução de seu sistema de linha de montagem para as fábricas que comandava, inclusive podia prever que seus métodos iriam ser copiados por inúmeras outras indústrias ao longo dos anos subseqüentes. Empresas que atuavam no mesmo setor ou ainda que lidavam com a produção de mercadorias que exigiam matéria-prima pesada, muitas máquinas e a contratação de um grande número de funcionários se adaptaram as novas fórmulas do Fordismo e exponenciaram sua capacidade produtiva, ampliando seus mercados consumidores e também os lucros obtidos.

Para melhorar ainda mais o rendimento das indústrias, um outro pesquisador especializado chamado Frederick Winslow Taylor passou a estudar a dinâmica do movimento industrial a partir de seu elemento-chave, o trabalhador. De forma extremamente detalhada, Taylor examinava as funções desempenhadas por cada um dos vários operários que compunham uma determinada linha de produção. Verificava os movimentos executados a fim de perceber de que forma pequenas modificações na execução de seus trabalhos cotidianos podiam ocasionar ganhos que, na maior parte dos casos, representavam poucos segundos. O tempo acumulado de cada um dos trabalhadores resultava num ganho suplementar que muitas vezes podia representar 5, 10 ou até mesmo 20% de aumento de produtividade sem custo adicional para o patrão. E o melhor para as empresas em que Taylor desenvolvia seus estudos era que tudo era obtido sem que nenhuma hora extra fosse despendida, ou seja, crescem os lucros e não há dispêndio de mais capital!

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A publicidade do filme “Super Size Me” nos coloca diante do dilema, devemos ou não
continuar consumindo os produtos das redes de fast-food?

O que nem Taylor, tampouco Ford poderiam imaginar é que seus procedimentos seriam apropriados pelas empresas que prestam serviços e atendimento direto ao consumidor final, como no caso das cadeias de lanchonetes e restaurantes que operam no sistema de fast-food. A própria terminologia “Fast-Food” é indicativa do sentido de rapidez e produtividade introduzidos e referendados pelos procedimentos do Fordismo e do Taylorismo.

Quando se referem aos métodos que utilizam, essas redes de serviços de alimentação apregoam as vantagens decorrentes da agilidade e da presteza relacionadas ao produto final que oferecem a seus consumidores.

Se alimentar fora de casa, hábito incorporado muito recentemente, a partir do advento da Revolução Industrial e do surgimento dos restaurantes, sempre demandou um tempo relativamente longo por parte das pessoas que estavam envolvidas no processo produtivo.

Quando pensamos nos restaurantes que oferecem serviço “à la carte”, temos que imaginar que os procedimentos utilizados nesses estabelecimentos incluem a seleção dos pratos pelos clientes, o encaminhamento do pedido através do maitre ou do garçom para a cozinha (isso quando não passa pela gerência que coordena as movimentações do restaurante), a seleção dos ingredientes pelo chef (cozinheiro), o preparo da iguaria e, posteriormente o servir empreendido pelos garçons.

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Os hambúrgueres não são a única especialidade dos restaurantes fast-food. Cadeias de restaurantes
especializados nos mais diversificados produtos, como pizzas, sushis e sashimis, tacos ou até mesmo
iguarias da cozinha caipira e baiana já fazem parte do nosso cotidiano.

Os restaurantes que padronizaram o sistema de “fast-food” reduziram consideravelmente os procedimentos, economizaram no atendimento ao tirar de cena os garçons e estabelecerem que os pedidos devem ser feitos diretamente no caixa; diminuíram o tempo de produção e conseqüentemente de espera em relação ao pedido ao adotarem a sistemática de produzir tudo previamente ou de deixar o trabalho totalmente segmentado para que o prato requisitado possa ser feito em questão de minutos e, constituíram uma dinâmica de trabalho tão direcionada a rapidez que dificilmente alguma pessoa se senta num estabelecimento dessa natureza e fica mais tempo do que aquele necessário para o consumo de seus pedidos.

O estabelecimento dessa rapidez nos serviços também proporcionou o surgimento de produtos que pelo fato de serem produzidos em série, utilizando os mesmos procedimentos e matérias-primas, também são caracterizados como padronizados. Abriu-se mão da sofisticação, dos sabores diferenciados, da experimentação em função da praticidade, da velocidade e, por que não dizer, da produtividade não apenas dentro das próprias lojas, mas também em favor das sociedades e comunidades onde as mesmas estão estabelecidas.

Na prática significa dizer que restaurantes como o McDonald’s (considerado pelos especialistas como a matriz dos procedimentos no setor de alimentação) colaboram com a agilização do sistema capitalista ao proporcionarem um horário de “refeições” que se resume a alguns minutos.

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O “slow food” propõe a retomada das refeições onde a degustação, o prazer e a felicidade
de uma boa refeição, acompanha de companhias agradáveis e sem qualquer pressa sejam retomados.
Trata-se de uma ofensiva contra a pressa e a agilidade dos restaurantes que utilizam o sistema de fast-food.

A sistemática desses estabelecimentos contraria hábitos e práticas estabelecidas há muito tempo, especialmente em sociedades com bases patriarcais, onde as relações familiares têm fundações sólidas, caso de países latino-americanos, como o Brasil. Nessas sociedades, a refeição em família e o espaço de encontro com os amigos é a copa e a cozinha, onde muitas vezes ocorrem encontros em que a conversa, animada por petiscos, bebidas, pratos típicos e sobremesas especiais podem se prolongar por horas...

Essa prática domiciliar ganhou as ruas e estabeleceu na história pontos de encontros em que amigos e familiares se reúnem e repetem os rituais domésticos em restaurantes e bares. O advento dos “fast-food” contraria completamente essa prática e estabelece novas realidades, onde as pessoas se encontram e se alimentam com rapidez, sem grandes possibilidades de prolongar a conversa.

Outra característica marcante desses estabelecimentos é a propaganda maciça através dos principais meios de comunicação de massa. Campanhas publicitárias divulgam os produtos, criam promoções, lançam novas mercadorias com pequenas modificações em relação aos serviços e alimentos oferecidos originalmente (sem jamais afetar ou alterar a linha padrão) e conquistam novos consumidores com grande regularidade. Associações com outras empresas, especialmente com aquelas relacionadas ao ramo do entretenimento, oferecendo brindes ou serviços “casados” (compre um determinado produto e ganhe ingressos, bonés, bonecos,...) também são práticas comuns.

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O diretor Morgan Spurlock, em foto de divulgação de seu filme “Super Size Me” que questiona
o funcionamento, os produtos, o marketing e a própria existência dos restaurantes fast-food.

Iniciativas como essas conquistam os novos consumidores, especialmente as crianças e os adolescentes. Criam um público consumidor cativo e estabelecem o domínio dos sabores pasteurizados como aqueles que irão predominar no futuro...

As resistências existem e se consolidam a cada novo dia. Movimentos em favor das refeições prolongadas, onde prevalece a possibilidade da conversa e da valorização do sabor dos alimentos, fazem parte desse esforço. Grupos como o Slow Food (www.slowfood.com) tem como alvo justamente as práticas que redes de “fast-food” advogam.

O filme “Super Size Me” (www.supersizeme.com), por sua vez, questiona o valor nutricional e as conseqüências do consumo freqüente de alimentos produzidos por restaurantes como o McDonald’s. Além disso, expõem os métodos e a própria estratégia de marketing, mostrando que o trabalho de propaganda é tão efetivo que os consumidores tem ido aos restaurantes e comprado os produtos sem nem ao menos pensar a respeito daquilo que estão fazendo (de forma inconsciente)...

A tônica da existência dos restaurantes fast-food passa a ser, portanto a do amor e ódio. Há vantagens e desvantagens, disso todos sabem, assim como, a consciência de que há espaço para todos e que, a priori, o futuro parece nos reservar o direito de optar...

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