Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

25/10/2004 - Aprender a pesquisar é fundamental
Em nossas escolas não se ensina a pesquisar

Homem-olhando-para-vidros-de-pesquisas
Pesquisa demanda tempo, método, responsabilidade e comprometimento.

O estudante vai a escola. O professor define um tema a ser trabalhado em suas aulas. Durante os próximos 50 ou 100 minutos de uma modorrenta aula expositiva apresentam-se aquelas informações consideradas essenciais a respeito do tema. Depois de todo esse tedioso compromisso é passado aos alunos um trabalho de pesquisa. Trata-se de um aprofundamento a respeito do assunto central da aula.

O próximo passo nesse compromisso é dado pelos estudantes que se encaminham para a biblioteca ou acionam os mecanismos de busca da internet. Livros e sites de pesquisa auxiliam os grupos a conseguir as informações desejadas que, a partir desse momento são impressas, lidas e adaptadas para uma nova versão, elaborada pelos alunos.

Depois de tudo isso, os trabalhos são entregues ao professor, que passa ao trabalho de avaliação e se compromete a devolver tudo corrigido depois de alguns dias. As notas são dadas, os registros são feitos, os trabalhos são devolvidos. Todo mundo fica satisfeito, o que devia ter sido feito foi realizado da melhor forma possível... Será? O que deveriam ter feito os alunos para realmente efetivar sua pesquisa? O professor agiu de forma correta ao definir os parâmetros do trabalho estabelecendo apenas o tema e algumas poucas diretrizes? Isso é o que devemos caracterizar como pesquisa?

A resposta é curta e seca, mas de fundamental importância para iniciarmos essa discussão, o que acabamos de descrever, a despeito de representar o que acontece em muitas e muitas escolas de nosso país, nos mais diferentes níveis de ensino (do Fundamental a Universidade), não pode jamais ser caracterizado como pesquisa.

Pesquisando-em-laboratório
Laboratórios, entrevistas, pesquisas de campo, leituras e muitos outros recursos são
essenciais para a efetivação de pesquisas que tenham profundidade e resultados.

De acordo com o estimado dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, o conceito para a palavra pesquisa é o seguinte:

Pesquisa – (substantivo feminino) – 1. Conjunto de atividades que têm por finalidade a descoberta de novos conhecimentos no domínio científico, literário, artístico etc. 2. Investigação ou indagação minuciosa.

Muito mais que uma simples definição retirada de um dicionário, a conceituação acima nos permite observar algumas palavras essenciais para uma plena compreensão do vocábulo e da prática da pesquisa.

Por exemplo, ao estabelecer que a pesquisa é um “conjunto de atividades”, descaracterizamos as práticas corriqueiras das escolas brasileiras como sendo pesquisa. “Um conjunto” nos coloca diante de uma série de ações e práticas, referendadas por uma metodologia estabelecida e reconhecida a nível nacional e internacional, estipulando que para o referendo de um conhecimento pesquisado são necessárias intervenções, análises, pesquisas de campo, muitas leituras de bibliografia especializada, utilização de termos técnicos referenciais para cada ramo da pesquisa, entrevistas, busca de informações em órgãos especializados, informações atualizadas a partir de publicações científicas reconhecidas,...

Mulher-pesquisando-em-livro
A pesquisa em bibliografia especializada e atualizada é fundamental para qualquer
ramo do conhecimento em que se desenvolve um trabalho sério de aperfeiçoamento.

Poucos são os professores, mesmo nas universidades, que se utilizam de um leque tão amplo de instrumentos e práticas para firmar os conceitos e referendar os conhecimentos adquiridos e pesquisados. Muitos educadores do 3º Grau conhecem a metodologia de pesquisa apenas a partir de manuais e referenciais bibliográficos estabelecidos como cânones nessa área. A prática na utilização desses instrumentais só é aperfeiçoada realmente por quem se imiscuiu nos campos de pesquisa e ensino, se aprofundando com o apoio de instituições, mestres e doutores que tenham a pesquisa como foco e parte de suas realidades.

Nos ensinos Fundamental e Médio a realidade é ainda pior. Não se conhecem nem mesmo os alicerces, as construções ainda são feitas na base do “pau a pique”. Os professores continuam ensinando como a muitos anos atrás e seu repertório de técnicas e métodos de pesquisa ainda remonta as cópias de livros ou, mais modernamente, ao “copiar e colar” dos computadores e da internet...

Para superar isso seria necessário que fossem remodelados os cursos de graduação. Isso não significa promover grandes alterações curriculares nas faculdades que formam nossos professores, apenas a efetivação de cursos mais objetivos e realizadores nas áreas de didática, metodologia e pesquisa. Já existem tais cursos nas grades curriculares da grande maioria das faculdades que formam os licenciados para dar aulas, entretanto as aulas são pouco interessantes, não motivam os estudantes a aplicar o que foi aprendido na teoria e, pior ainda, raramente permitem ou estimulam os universitários a participar opiniões, questionar práticas, sugerir projetos,...

Ainda pensando na definição do Dicionário Houaiss, ao continuar sua primeira conceituação de pesquisa vemos a seguinte idéia: “...têm por finalidade a descoberta de novos conhecimentos no domínio científico, literário, artístico, ...”. Repararam na idéia de finalidade associada à produção de “novos conhecimentos”?

Crianças-em-frente-a-computador
A pesquisa pela internet também é ferramenta útil, que deve ser aproveitada,
deve-se apenas referenda-la com uma metodologia adequada. A pesquisa deve
ser ensinada em seus fundamentos metodológicos básicos desde o ensino fundamental.

Que novos conhecimentos podem surgir a partir da simples compilação de dados e informações já produzidas anteriormente por outros profissionais?

Para piorar, muitos estudantes não se dão nem mais ao trabalho de repensar as informações e adaptá-las criando um novo texto a partir dos originais. O advento da tecnologia de ponta e das possibilidades de rapidamente acessar bancos de dados, textos, revistas científicas, entrevistas com especialistas e tantas outras chances que nos são dadas através do uso dos computadores e da internet foram reduzidos a uma prática reducionista e melancólica conhecida como “copiar e colar”...

O plágio é a ação mais regular em nossas pesquisas. Profundidade na busca de novidades através da pesquisa nos mais diversos setores não se aprende desde cedo na escola. Isso só acontece depois do 3º Grau, para quem se aventura a fazer especializações, mestrado, doutorado ou pós-doutorado.

A tal “investigação minuciosa” prevista ainda no Houaiss parece mesmo condenada a existir restritamente em algumas universidades ou centros de pesquisa, ou ainda ficar constando apenas nos dicionários. Ao advogar a busca por minúcias, a procura de detalhes, a constante indagação por informações que podem alterar os rumos da discussão acerca de um determinado tema, percebemos a complexidade, o nível de empenho, a responsabilidade e a concentração que demandam uma pesquisa.

É claro que não queremos que todas essas realizações que determinam o que seria uma verdadeira pesquisa sejam aplicadas desde a mais tenra idade, quando nossas crianças ainda estão na 5ª ou na 6ª série do Ensino Fundamental. Mas as bases devem surgir já nessa fase. Os alunos têm que ir incorporando a seu repertório os conhecimentos necessários para que, nas etapas posteriores, especialmente na universidade, estejam prontos para aplicar tais conhecimentos e ampliar os horizontes da pesquisa científica em nosso país.

Se passamos a vida inteira dizendo que para pesquisar basta compilar dados dos livros ou da internet, nem mesmo os melhores e mais preparados professores da universidade conseguirão reparar os vícios assumidos nas primeiras etapas da formação de nossos estudantes.

Ao atingirem o ensino universitário, os alunos devem ter conhecimento teórico e prático que lhes permitam realizar pesquisas de forma efetiva. A universidade lhes daria então novos subsídios, atualizaria suas práticas, aprofundaria os conceitos e forneceria oportunidades fortuitas para tornar essa postura de pesquisadores uma realidade em suas vidas, como profissionais e como cidadãos...o

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