Cinema na Educação
Nerve: Um jogo sem regras
João Luís de Almeida Machado
A arte imita a vida ou a vida imita a arte? Há casos e casos, tanto é que a ordem dos fatores, nesta frase pode ser percebida nos dois sentidos. Quem, por exemplo, não se lembra do filme “A corrente do bem”, que gerou movimento semelhante nos Estados Unidos ao desencadeado por um dos personagens centrais da produção depois de seu lançamento. Filmes baseados em histórias e pessoas reais são ainda mais comuns mundo afora, sendo correntes em todas as escolas e nacionalidades cinematográficas.
“Nerve: Um jogo sem regras” pode ser tanto um filme que se baseou numa situação real quanto uma produção que, por conta de suas características, influencia o surgimento de práticas semelhantes. Pelo histórico, cronologicamente, nasceu depois do fenômeno mundial “baleia azul” e, a princípio, não há menções a este problemático e nocivo game online como sendo inspirador da produção conduzida pelos diretores Ariel Schulman e Henry Joost.
Basicamente, no entanto, as prerrogativas são muito semelhantes. O surgimento de desafios ativados por meio de um jogo disponível na internet com depósitos em conta corrente para quem os efetivar, com os jogadores buscando cada vez maior popularidade, com a régua sendo colocada sempre um nível acima, aumentando, portanto, o nível de dificuldade daquilo que é proposto, contando com pessoas dispostas a assistir (e pagar) para ver os participantes, na vida real, colocando em risco sua reputação ou própria existência, se assemelha a lógica da Baleia Azul, exceto pelo fato de que neste game da vida real, não há, ao que se saiba, depósitos em dinheiro na conta dos participantes ou cobrança para que as pessoas assistam à tudo ao vivo via streaming.
O que parece apenas ficção, no entanto, já faz parte do mundo real quando andamos pelas ruas e vemos as pessoas imersas em suas telas, onde quer que estejam, a dedilhar mensagens, assistir vídeos, jogar e tantas outras atividades online que hoje tomam grande parte do tempo de suas vidas. Tempo este que é maior na medida em que diminui a faixa etária dos usuários, ou seja, quanto mais novo, quanto mais próximo da adolescência, para cima ou para baixo, maior a propensão de que a hipnose da internet entre em ação e faça com que o usuário se desconecte do mundo ao seu redor.
O jogo “Baleia Azul” é, evidentemente, um grande risco. A propensão de uso pelos adolescentes, por crianças ou mesmo por jovens, leva a situações inimagináveis, do simples atravessar a rua sem olhar para os lados e correr o sério risco de atropelamento, até mesmo a práticas como aquelas percebidas num jogo desta natureza, como meninos e meninas que se sufocam com sacos plásticos a lhes impedir a respiração e, com isso, colocam em risco suas vidas sem que seus responsáveis nem ao menos sem deem conta de que isso está acontecendo.
Em “Nerve” o foco é nos adolescentes, mas esta é uma realidade afeita a faixas etárias cada vez menores, atingindo crianças de 12 ou 13 anos, que legalmente nem mesmo poderiam ter acesso a redes sociais teoricamente convencionais, como Twitter ou Facebook. O pior, no caso real dos desafios propostos no “jogo” da baleia azul é que, a ativação das atividades e o acesso ocorre, em boa parte dos casos, de madrugada ou em horários em que os pais não estão próximos, ou seja, há real consciência pelos responsáveis por esta iniciativa ilegal que seus atos são, além de ilícitos, muito perigosos.
Assistir “Nerve: um jogo sem regras” nos permite ter uma ideia dos riscos inerentes para todos aqueles que se dispõem a participar de atividades online sem saber ao certo quem está do outro lado, na extremidade da rede, a manipular sentimentos, desejos, imaturidade, frustrações, medos ou qualquer coisa que mobilize crianças, adolescentes, jovens ou, mesmo, adultos a participar de tais “games”. Ainda assim, por mais que o filme, bem produzido, com elenco que tem muita semelhança com os alunos conectados de hoje em dia, com desafios que são perigosos ou, no mínimo, embaraçosos, colocando em risco a vida ou acabando com a privacidade dos jogadores, deve-se pensar que se trata de ficção, ou seja, temos que atentar para o fato de que, na vida real, as dores e perdas são, igualmente reais e podem ser mais desastrosas ou trágicas.
O Filme
Uma adolescente tímida, um jogo de desafios ousados, uma provocação feita pela melhor amiga e, pronto, inicia-se uma partida sem previsão de final feliz de “Nerve”, game online que coloca de um lado participantes em busca de realizar ações ousadas, nas quais se expõe ou realizam atos de grande risco, tudo em busca de dólares em suas contas bancárias e de popularidade entre o público que paga para ver tudo que ali acontece, ao vivo, sem se importar se alguém pode se machucar ou mesmo morrer...
Vee é uma jovem estudante de ensino médio apaixonada por fotografia que, diante de toda a insegurança típica de adolescentes nessa faixa etária, vive um platônico amor pelo astro do time de futebol do colégio em que estuda. Para piorar, sua melhor amiga, líder de torcidas e muito desinibida, resolve expor a paixão secreta de Vee e a coloca numa situação constrangedora e desconfortável perante seus amigos.
A jovem decide, então, mostrar que também é ousada, capaz de enfrentar desafios, vencer e, por conta disso, se inscreve no game “Nerve” como “participante”, ou seja, não sendo apenas uma espectadora, a observar o que outros fazem e os faz admirados, mas realizando o que ninguém crê ser ela capaz de fazer.
O primeiro desafio? Dar um beijo num desconhecido qualquer, numa lanchonete próxima, dentro de um prazo de alguns minutos a contar de sua rápida chegada no local. Tudo precisa ser filmado e transmitido ao vivo para as pessoas que acompanham o jogo e, com isso, se espera que ela vá se tornando mais popular. Será que a menina tímida vai encarar este desafio? E depois disso, que outras provas serão colocadas diante de Vee? Que tal, por exemplo, deitar nos trilhos do trem enquanto passa uma locomotiva e seu vagões? Ou então mostrar suas partes íntimas diante das câmeras e de toda a torcida do time de futebol de sua escola? Já pensou em se pendurar na viga de um prédio em construção? Pois é, “Nerve” é um jogo sem regras e, com isso, Vee e todos os participantes correm riscos reais de se tornarem muito populares, ganhando dólares e mais dólares ou, então, se acidentando, perdendo completamente a privacidade ou, mesmo, morrendo...
Para refletir
1- A porta da sua casa dorme aberta durante a noite? As janelas ficam escancaradas o dia todo? Qualquer pessoa pode entrar em seu domicílio sem lhe pedir licença? Claro que não, será a resposta de todos a perguntas como estas. Isso colocaria em risco a segurança de minha família. Já parou e pensou, por outro lado, que a insegurança digital igualmente ronda sua casa e família pois os acessos estão abertos e não são controlados ou monitorados por você? Pois isso acontece com grande regularidade. Pais e responsáveis por crianças e adolescentes não se preocupam em saber o que significa dar pleno acesso à internet a seus filhos sem lhes orientar ou educar em relação ao uso da grande rede mundial de computadores. Há desde assaltantes em busca de informações sobre a rotina de sua casa até pedófilos ou terroristas na web que navegam a procura de brechas de segurança e falta de atenção dos pais em relação aos sites frequentados por seus filhos. O perigo pode estar num clique de acesso a um jogo, como o mencionado Baleia Azul, ou em contatos via redes sociais através de smartphones ou tablets. O que fazer? Consultar especialistas em segurança, orientar os filhos, monitorar os acessos, desligar a conexão na hora de dormir e usar softwares de segurança na rede são alguns caminhos a se seguir. O mais importante é o diálogo, a informação e diversificar as ações, definindo que o uso da internet deve ser permitido dentro de limites para que crianças e adolescentes possam se divertir de outras formas.
2- Nenhuma “Baleia Azul” entraria em nossas casas se, a priori, o diálogo e a orientação, assim como o acompanhamento por parte de pais ou responsáveis, fosse a tônica nas famílias no que tange a relação como um todo neste âmbito. Isso se aplica, de forma mais específica, é claro, a vida virtual ou digital das crianças e adolescentes. A questão da privacidade, tantas vezes indicada como aquela que deve nortear o espaço virtual dos filhos em sua relação com os pais, tendo em vista a inexperiência, imaturidade e, principalmente o fato de estarem em processo formativo, com toda a responsabilidade concernente a menores de idade cabendo a seus responsáveis, não pode ser o mote principal. É preciso saber diferenciar o respeito à privacidade e o direito a individualidade dos filhos com a proteção, responsabilidade e compromisso paterno e materno com crianças e adolescentes. A responsabilidade é sempre dos pais ou responsáveis, inclusive, o que muitos ignoram, é que o acesso à internet e a telefonia celular é, juridicamente, todo ele, dos maiores de idade responsáveis pela contratação destes serviços. Por isso, toda atenção e alerta é necessário. Investir em educação para o uso é o melhor jeito de prevenir problemas.
Veja o trailer do filme
Ficha Técnica
Filme: NERVE - UM JOGO SEM REGRAS
Título original: Nerve
País/Ano: EUA, 2016
Duração: 97 minutos
Gênero: Suspense
Direção: Ariel Schulman e Henry Joost
Roteiro: Jessica Sharzer
Elenco: Emma Roberts, Dave Franco, Emily Meade, Miles Heizer, Machine Gun Kelly, Kimiko Glenn, Brian Sene Marc, Juliette Lewis.
# Jogo da Baleia Azul: Até que ponto devemos nos preocupar?