Filosofando
Obesidade e diabetes digital
João Luís de Almeida Machado
“Nossos corpos estão programados para consumir gorduras e açúcares porque estes são raros na natureza… Da mesma forma, somos programados biologicamente para estar atentos às coisas que nos estimulam: qualquer conteúdo grosseiro, violento ou sexual, e fofocas humilhantes, vergonhosas ou ofensivas. Se não tivermos cuidado, vamos acabar contraindo o equivalente psicológico da obesidade. Vamos acabar consumindo um conteúdo nada benéfico para nós mesmos e para a sociedade como um todo”. (Depoimento de Danah Boyd, socióloga, em discurso na Expo Web 2.0 no ano de 2009, extraído do livro “O filtro Invisível”, de Eli Pariser)
Faça um levantamento do seu percurso diário na web: Quais páginas frequenta? O que lê? Que vídeos deslocam sua atenção por alguns minutos? Acompanha notícias focadas em que? Joga na internet? Escuta música? Que aplicativos utiliza no seu smartphone ou tablet? Quanto tempo gasta na leitura de um texto ou na visualização e compreensão e uma imagem ou vídeo?
São algumas perguntas importantes que precisamos responder e que devem fazer parte de um levantamento pessoal, realizado de forma corriqueira, pelo menos uma vez por semestre, para entendermos o que a internet está fazendo conosco.
Certa vez lendo um livro de Nicholas Carr, especialista norte-americano, acadêmico respeitado, dizendo que se percebeu neste movimento rápido da internet, sem que a devida e necessária atenção fosse dada a leitura de textos ou outros recursos disponibilizados e indispensáveis a seus estudos. Pesquisou entre colegas acadêmicos, todos professores com notável reputação em seus círculos de ação, e teve resposta semelhante, ou seja, a de que seus movimentos estavam se tornando rápidos como o de usuários nativos digitais. A armadilha da web também os estava capturando, fazendo com que deixassem para trás toda a formação, foco, leitura atenta, capacidade analítica ou criticidade que lhes caracterizam no exercício de seu trabalho.
Ao fazer o levantamento proposto neste texto, compete ampliar sua visão quanto a sua trajetória e os limites dela tanto quanto a necessidade de melhor realizar a leitura das páginas que visita. Mecanismos de avaliação do tempo dos internautas nas páginas pelas quais circulam indicam que gastam pouco tempo, entre 1 e 3 minutos na leitura de um texto de 2 ou mais páginas. Por vezes isso nem mesmo acontece, ou seja, com a visita demorando apenas alguns segundos sem que se totalize nem ao menos 1 minuto…
Isso me lembra a ida a museus com alunos sem a necessária orientação quanto as obras expostas e a trabalhos que tenham que ser feitos, estudos programados, análises propostas em relação a estas incursões por estes ou outros espaços culturais.
Tudo se torna descartável, rápido, efêmero e sem sentido. Não há vinculação real com a vida da pessoa. Gastam-se preciosos minutos de uma vida em relação a qual todos temos a certeza do fim. É realmente assim que pretendemos gastar nossa existência, ou seja, acessando sites de fofocas, assistindo vídeos violentos, conectados a games que não nos permitem pensar (somente agir de forma rápida e instintiva), acessando páginas onde a sexualidade humana é vulgarizada?
A socióloga Danah Boyd aproxima este comportamento na web do nocivo hábito de consumo de alimentos perigosos para a saúde humana quando ingeridos de forma desmedida, no caso os açúcares e as gorduras. O que tal comportamento na web pode estar legando a nossos cérebros, consciente e inconscientemente? Instigando a violência? Levando ao isolacionismo e a dificuldade de relacionamento? Motivando o sexismo ou a outros preconceitos?
Acima de tudo, é preciso notar que tal exposição direcionada não faz bem em hipótese alguma, principalmente se percebermos que o movimento já não permite ao usuário entender porque está navegando cotidianamente por tais e quais espaços virtuais. E, por mais que não queiramos admitir isso, tal inconsciência e inconsequência estão mais e mais presentes entre os internautas do que podemos imaginar…
Obs. Ao fazer minha trajetória pela web percebo que há sempre algumas paradas regulares, como portais e sites onde busco notícias, dados e informações associadas ao trabalho que realizo. Assisto poucos vídeos na web, vários deles relacionados igualmente ao trabalho na área educacional, alguns outros por indicação de amigos, com finalidade de lazer. As redes sociais são igualmente espaço para troca de ideias, envio de textos ou outras produções e informações de interesse para as pessoas com quem tenho contato pela rede. Não jogo na rede, apenas gosto de alguns games de lógica e raciocínio que baixei em meu smartphone e tablet. Gosto de utilizar a internet quando viajo a trabalho para em aeroportos, no ônibus ou em hotéis nos quais fico instalado para assistir filmes ou para ler livros digitais. Quando chego em casa, depois do expediente, desligo meu telefone e procuro não usar meu iPad.
# Sete Vidas - A arte de conciliar vida pessoal e profissional