Diário de Classe
Quadrinhos de ‘Bang-Bang’
A conquista do Oeste em novo formato
Todas as ilustrações apresentadas nesse artigo fazem parte de um dos melhores
trabalhos finais apresentados pelos alunos do 3º ano do Colégio Cecília Caçapava Conde,
baseado no filme “Os Brutos Também Amam” e adaptado para o formato de quadrinhos.
No mês passado tivemos a oportunidade de trabalhar uma temática muito oportuna e interessante em História da América. Estávamos traçando pontos de encontro entre os acontecimentos de diferentes países do Novo Continente (o americano) ao longo dos períodos de colonização ou de independência recente (séculos XVIII e XIX). Isso pareceu, a princípio, desafiador aos olhos dos alunos (de 3º ano do Ensino Médio) e pouco provável...
Eles não imaginavam que fosse possível reconhecer elementos culturais assemelhados entre os acontecimentos históricos de nações tão aparentemente díspares como os Estados Unidos, o Brasil e a Argentina. Para começo de conversa, a colonização dessas três nações foi empreendida por diferentes povos europeus, ou sejam, ingleses, portugueses e espanhóis, respectivamente. Somente esse fato já seria um fator de diferenciação nos processos de estabelecimento, apropriação da terra, relacionamentos, ferramentas (ou instrumentos) de trabalho, perspectivas,...
Entretanto, conseguimos construir um elo que relacionava o histórico de expansão e ocupação territorial a partir dos elementos que lideraram de forma pioneira essa ação. Identificamos como desencadeadores desses empreendimentos os gaúchos argentinos, os bandeirantes paulistas e os cowboys norte-americanos.
Durante algumas aulas pudemos discutir a visão idealizada de cada um desses grupos que lideraram a ocupação de amplos espaços de seus países. Já nesse ponto, tínhamos esse trabalho/ação como elemento que nos permitia uma aproximação e uma comparação entre gaúchos, bandeirantes e cowboys.
Essa relação de proximidade seria ainda maior tendo por base a visão idealizada desses heróis populares. Estereótipos de determinação, valentia, bravura, virilidade, agilidade e capacidade de adaptação, todos esses típicos pioneiros desbravadores acabaram sendo cantados em verso e prosa, através de músicas populares, poesias, contos, relatos jornalísticos de época como sendo modelos que deveriam servir de base para os povos de seus países.
Mais recentemente, sua imagem foi sendo apropriada pelos órgãos governamentais, pela televisão e pelo cinema e seu heroísmo e força foram veiculados para públicos ainda mais amplos. Isso ocorreu especialmente nos Estados Unidos, com a popularização dos Westerns, vulgarmente conhecidos como filmes de ‘bang-bang’ no Brasil. Artistas plásticos também reproduziram esses homens e seu habitat, criando em relação aos retratados uma aura mítica que os distanciava dos homens comuns e, principalmente daquilo que esses desbravadores realmente eram enquanto agentes históricos.
Atores como John Wayne, James Stewart, Yul Brinner, Clint Eastwood, Gary Cooper e tantos outros ícones da história do cinema norte-americano popularizaram a versão de cowboy que povoa o imaginário coletivo não só nos Estados Unidos, mas também no resto do mundo (em virtude da força e do poder de divulgação e penetração da indústria cinematográfica norte-americana em todo o planeta).
Pinturas e esculturas que celebrizaram os Bandeirantes como criadores de rotas, fundadores de cidades, descobridores de minas de ouro e diamantes, comerciantes e caçadores de selvagens, vestidos como autênticos aventureiros destemidos e originariamente descendentes de portugueses são comuns em livros, museus e também estão em monumentos e na internet.
O mesmo fenômeno foi vivido na vizinha Argentina, com poemas e odes sendo escritos em homenagem aos feitos realizados pelos gaúchos, grandes vaqueiros que ocuparam o território, criaram fazendas, geraram empregos e fomentaram o crescimento da nação portenha.
Mas quem eram esses homens? Todas as virtudes descritas nos filmes, nas artes, na literatura ou mesmo em depoimentos de época coincidem com aquilo que podia ser observado enquanto esses homens escreviam com suas ações a história da conquista e expansão territorial de seus países?
Procuramos mostrar que há uma idealização desses personagens feita pela mídia, pelo governo e, principalmente nas artes e na literatura. Dissemos a eles que tanto Bandeirantes quanto Gaúchos e Cowboys eram homens ambiciosos, movidos pelo ideal do enriquecimento rápido, pela obtenção de terras ou pela aquisição de cabeças de gado. Esclarecemos que eram pessoas que não tinham nada a perder a não ser suas próprias vidas. Não possuíam laços familiares que lhes prendesse a outras regiões. Eram rápidos no gatilho, certamente frios (alguns cruéis) e na maior parte dos casos, iletrados. Muitos eram mestiços, oriundos de regiões pobres, como no caso dos Bandeirantes ou dos Gaúchos.
Depois de todas essas discussões, entramos nos pormenores de um projeto muito interessante e, ao mesmo tempo, trabalhoso. Pedimos aos alunos que produzissem histórias em quadrinhos que apresentassem o estereótipo formalizado do cowboy norte-americano nos filmes de Hollywood. Para tanto teríamos como modelo a seguir nessa produção as histórias em quadrinhos do personagem Tex, vendidas em qualquer banca de nosso país.
Levei um exemplar para que eles pudessem ver as histórias do Tex. Perceberam, por exemplo, que elas eram produzidas em branco e preto (contrariando o padrão colorido predominante nas demais revistas do mesmo tipo vendidas comercialmente).
Defini que eles iriam se pautar, como base para a produção das histórias retratadas nesses quadrinhos, em filmes clássicos sobre o Faroeste americano. Pedi que eles se organizassem em trios e sorteamos os títulos de alguns dos maiores representantes dessa vertente cinematográfica dos Estados Unidos.
Entre os títulos que eles teriam que trabalhar, destaque para: “Era uma vez no Oeste”, “Matar ou Morrer”, “Shane – Os Brutos também amam”, “Rastros de Ódio”, “Butch Cassidy e Sundance Kid” ou ainda “Os Imperdoáveis”.
Foi estipulado um tempo de três semanas (21 dias) para que o projeto fosse desenvolvido. Depois desse prazo, recolhemos as respostas a proposição e pedimos aos grupos que falassem sobre o processo de produção de suas obras.
Muitos grupos tiveram dificuldades para encontrar os filmes pedidos (o que me levou a alterar a lista original, dando aos grupos novas opções, de filmes mais contemporâneos, como “Wyatt Earp” ou “Silverado”); praticamente todos eles deixaram para a semana final, mesmo tendo um tempo muito maior para realizar o projeto; algumas equipes utilizaram cores na produção de suas obras, fugindo do modelo Tex, originalmente pedido.
Uma das maiores dificuldades dos grupos foi a redução da história dos filmes (geralmente com duas horas de duração) para as poucas páginas dos quadrinhos, mas conseguiram, com maior ou menor êxito realizar essa proeza.
Ao final da realização, vale destacar que acabaram conhecendo um pouco da filmografia clássica sobre o western americano, perceberam com clareza a diferença entre o discurso artístico e oficial a respeito desses pioneiros e aquilo que as pesquisas históricas tem conseguido de informação a respeito dos mesmos, descobriram como é difícil transpor histórias de um veículo informativo para outro, aprenderam técnicas de produção de revistas em quadrinhos, aperfeiçoaram a relação de trabalho em grupo e, finalmente, apesar de todo o trabalho, se divertiram muito na produção de suas revistas.
A despeito das diferenças entre os trabalhos, todos demonstraram garra e vontade de superar os problemas e dificuldades. Foi como um autêntico duelo no centro de uma daquelas velhas cidades do faroeste americano, muita poeira, poucas balas no gatilho, um adversário de peso do outro lado e a possibilidade de “matar ou morrer”...
Todos sobreviveram e não há seqüelas, só os louros da glória...