Cinema na Educação
O invasor americano (EUA, 2015)
João Luís de Almeida Machado
Michael Moore é, definitivamente, um documentarista ousado. Temas espinhosos foram por ele trabalhados em obras que ganharam prestígio entre críticos e chegaram ao grande público. “Tiros em Columbine”, “Capitalismo – Uma história de amor” e “Fahrenheit – 11 de Setembro”, entre outros filmes, não apenas ganharam prêmios, foram assistidos por muitas pessoas e, de certo modo, motivaram produtoras como a HBO e a Netflix a apostar num gênero que nos EUA sempre se restringiu a cineclubes ou a festivais para eventualmente ganhar espaço na programação das redes de TV a cabo ou abertas.
Seu estilo, em que assume uma conversa direta com a câmera, como se falasse com os espectadores, aliado ao modelo bonachão, que o aproxima do grande público por fazê-lo parecer com algum parente próximo, amigo ou com o vizinho da casa ao lado, associado a uma narrativa crítica, de viés esquerdista para os padrões norte-americanos, direta e objetiva, fizeram escola e influenciaram tantas outras cabeças pensantes a se pronunciar por meio de documentários. O gênero ganhou um representante forte, reconhecido, num formato que atingiu o objetivo maior de quem realiza qualquer tipo de filmagem, ou seja, gerar renda, chegar ao grande público e levar as pessoas a discutir o que foi proposto.
“O invasor americano” mantém as características que consagraram o trabalho de Moore. Ele é o diretor e o protagonista, concebeu o roteiro e, deselegante e debochado como só ele, dispara críticas contra instituições americanas, ou melhor, desta vez, ao mesmo tempo em que coloca em discussão práticas, ações e ideias americanas ausentes de sua realidade nacional, parte em busca de propostas factíveis, em uso, aplicadas regularmente há décadas ou anos, em países europeus.
A proposta é que o filme ajude o governo do país e os gestores estaduais e municipais a reorganizar a educação, saúde, segurança, direitos trabalhistas e, com isso, a base social vigente no gigante americano.
Isso tudo antes da eleição de Donald Trump, ainda no governo de Barack Obama, o que certamente é surpreendente para todos os que assistem o filme. A guinada radical a direta de Trump certamente irá tornar ainda mais difícil para os norte-americanos o acesso a benefícios como os que são apresentados por Michael Moore nesta produção.
É possível que, até mesmo Moore, tendo em vista suas opiniões polêmicas e evidentes ideias de caráter esquerdista possa sofrer represálias ou dificuldades para produzir e distribuir filmes em seu país natal. Não é de se duvidar que os radicalismos agora vigentes nos Estados Unidos o obriguem a filmar em outras localidades, com investidores e produtoras não sediadas nos Estados Unidos e que, depois, seja impedido de cruzar a fronteira e voltar a sua pátria.
Ironias à parte, além do estilo característico de Moore, o documentário é exemplar ao demonstrar que políticas sociais de impacto, capazes de realmente melhorar a qualidade de vida dos cidadãos, seja no trabalho, na escola, na segurança ou qualquer outro quesito, devem ser, acima de tudo, simples em sua concepção e aplicação e, dependem, essencialmente, de compromisso público e político entre a população e os gestores.
Para Michael Moore, como fica patente nos blocos que compõem o documentário, no qual visita diferentes países e discute temas sociais diversos, o mais surpreendente é ficar sabendo que muitas das ideias apresentadas foram concebidas por alguns de seus conterrâneos ou, mesmo, que constam das leis do país. “O invasor americano” é uma obra interessantíssima para ser usada em sala de aula e abrir discussões. Além disso, seria ainda melhor se fosse levada aos governantes americanos e de vários outros países, onde tais direitos e compromissos não são respeitados. Apresentações no Brasil, para as autoridades, por exemplo, deveriam ser obrigatórias.
O filme
Questões sociais não resolvidas em educação, saúde, segurança e outras áreas continuam a preocupar o documentarista Michael Moore, que decide então, literalmente, “invadir” nações europeias para verificar como lidam com tais questões por lá.
Sua viagem começa na Itália, discutindo direitos trabalhistas, onde ele se espanta ao saber que existem benefícios para os trabalhadores como 30 dias de férias, feriados remunerados ou ainda um pagamento adicional, na íntegra, no final do ano, o chamado 13º salário. Da terra de Da Vinci e Michelângelo, ele irá migrar para outras potências, como a Alemanha ou a França, países nos quais se informará sobre educação e jornadas de trabalho. Aprenderá que entre os alemães as jornadas são de 36 horas semanais com o pagamento de 40 horas trabalhadas ou, ainda, que para os franceses a hora do lanche das crianças na escola é também momento de aprendizagem importantíssimo para a formação integral dos alunos, com direito a cardápio saudável e saboroso, entre outras ideias interessantes e de grande valor.
A jornada de Moore não se restringe, no entanto, somente as nações mais ricas ou desenvolvidas da Europa. Ele visita Portugal, onde questões relativas aos direitos humanos são discutidas; países nórdicos, nos quais as prisões e o sistema prisonal são a ele apresentados (muito surpreendente e com resultados extraordinários relativamente a recuperação dos presos) ou ainda a Islândia, país no qual o acesso das mulheres a posições de comando no governo ou em empresas privadas em condições de igualdade aos homens é um dos maiores do mundo, ou seja, onde se preza, realmente a ideia de igualdade de gênero.
São verdadeiras aulas trazidas à tona num documentário com a marca de Moore, ou seja, divertido, inteligente, debochado e, ao mesmo tempo, capaz de nos fazer refletir sobre porque tais ideias e sistemas não são aplicados nos Estados Unidos e, também, no Brasil...
Para refletir
1- Leve o filme para a escola. Antes de passar apresente em sua aula imagens, dados e informações sobre as questões apresentadas na produção de Moore no Brasil e nos Estados Unidos. Assista cada trecho isoladamente. Proponha reflexões sobre os temas abordados.
2- Trabalhe com jornais, revistas, internet, televisão ou rádio como meios pelos quais os alunos devem fazer um retrato do Brasil no tocante a educação, saúde, segurança, igualdade de gênero e outros temas abordados no documentário de Michael Moore. Os alunos devem ler, explicar, criar uma apresentação sobre os temas e, de preferência, iniciarem mobilizações que os levem as autoridades locais para discutir tais temas em seus municípios buscando soluções.
3- O que pode ser feito pelos alunos, seus pais, os professores, os gestores e a comunidade atingida pela escola para que melhorias ocorram na escola, no bairro ou mesmo no município em que vivem? Que ideias de Moore poderiam ser implementadas pela sociedade civil ou cobradas das autoridades pelos estudantes com o apoio da comunidade? Que tal gerar mobilização neste sentido?
Veja o trailer do filme
Ficha Técnica
Filme: O invasor americano
Título original: Where to invade next
País/Ano: EUA, 2015
Duração: 120 minutos
Gênero: Documentário
Direção: Michael Moore
Roteiro: Michael Moore
Elenco: Michael Moore, Tim Walker, Krista Kiuri.