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João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Ferreira Gullar (1930-2016): O que o poeta quis dizer e disse
João Luís de Almeida Machado

fotografia de ferreira gullar

O que o poeta quer dizer

no discurso não cabe

e se o diz é pra saber

o que ainda não sabe

(Não coisa, trecho do poema de Ferreira Gullar)


E quantos são os discursos que não cabem? O que o poeta quer saber que ainda não sabe? Se o poeta Ferreira Gullar desconhece quantos realmente podem saber? Vivemos num mundo em que há profetas e arautos. Com respostas prontas. Os novos sofistas. Precisamos mesmo é de novos Sócrates, como Gullar, que provocam, estimulam, fazem as pessoas pensar e propõe que isso vire ação não apenas pelas palavras mas por estas adicionadas a sua prática pessoal.


Uma parte de mim

é todo mundo;

outra parte é ninguém:

fundo sem fundo.

(Traduzir-se, trecho do poema de Ferreira Gullar)


A dualidade que existe em todos nós: somos todo mundo e ninguém, assim ensina o poeta (ou, ao menos, divaga). Se você nunca se sentiu como todo mundo então não viveu, de fato. Somos todo mundo quando rimos, choramos, sentimos dor, alegria ou simplesmente o morno cotidiano. Somos ninguém, ou somente nós mesmos, anônimos ou famosos, quando rimos, choramos, sentimos dor, alegria ou simplesmente o morno cotidiano. O que há de mim em você e de você em mim? Que tal a humanidade, no que há de mais belo e de mais atroz.


Como dois e dois são quatro

Sei que a vida vale a pena

Embora o pão seja caro

E a liberdade pequena

(Dois e dois são quatro, trecho do poema de Ferreira Gullar)


Que as adversidades existem, disso não há dúvidas. O custo de vida. A censura ao pensamento. A limitação de nossa mobilidade. O controle social invisível a nos cercear as ações. A privacidade cada vez mais invadida. Nos leva a pensar, como na matemática, em que a certeza aparente do cálculo simples em que somamos dois mais dois para ter quatro, pode não ser tão certa assim se formos a fundo... Ainda assim, no cálculo raso, sem buscar o que há por trás das cortinas ou embaixo do tapete (ou mesmo que busquemos isso), viver vale a pena que temos para cumprir.


A poesia

Quando chega

Não respeita nada.

Nem pai nem mãe.

(Subversiva, trecho do poema de Ferreira Gullar)


E qual o papel do poeta senão transgredir, ser subversivo, olhar em direções para as quais ninguém se importou em olhar ou, ainda, simplesmente, fechar os olhos se for assim necessário. O sagrado, para poetas, filósofos, pensadores de diferentes estirpes, existe para ser escarafunchado, explorado, desacralizado e tirado do pedestal. Nem Deus, nem pai, nem mãe ou filhos ou o espírito santo devem ser poupados das linhas do poeta senão que, raio de poeta é esse que fala o que todo mundo repete de forma insone. Nem mesmo a poesia e o poeta podem ser eximidos da pena crítica que dá vida, graça, frescor ou ainda, que emana o terror, em suas letras.


A poesia é, de fato, o fruto

de um silêncio que sou eu, sois vós,

por isso tenho que baixar a voz

porque, se falo alto, não me escuto

(Falar, trecho do poema de Ferreira Gullar)


Quando o poeta fala, em seu falar reside o seu íntimo e, ao mesmo tempo, o que lhe circunda, seu entorno, as pessoas com quem convive, o país em que nasceu e tudo o mais. Há, ao mesmo tempo, o silêncio que é só nosso, quando pensamos sem nos pronunciarmos, a buscar a compreensão de tudo e de todos para poder, em palavras, expressar o que vemos, sentimos, buscamos e vivemos. Os brados, que para alguns parecem ser os sons que irão ser ouvidos aqui e acolá, como nos diz Ferreira Gullar, não ecoam de fato, não atingem o coração e a mente tanto quanto a fala pausada, pensada, tranquila, em tom baixo e direto, nas rimas de quem tem o que dizer.

Vai Ferreira Gullar e ficam suas letras, que o tornam verdadeiramente um imortal escritor brasileiro. Vai fazer muita falta neste mundo em que tantos gritam e poucos valorizam e empreendem com as palavras tão digna compreensão do mundo em que vivemos.



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