A Semana - Opiniões
Por uma nova avaliação
João Luís de Almeida Machado
“O professor deve ser um misto de nutricionista e cozinheiro. O primeiro preocupa-se em elaborar refeições saudáveis e o outro quer pratos apetitosos. No planejamento da atividade, devemos agir como nutricionistas, pensando nas competências que a criança deve desenvolver. Na classe, precisamos atuar como cozinheiros, propondo atividades interessantes e que possam ser executadas com prazer." (Antoni Zabala)
O que praticamos regularmente nas escolas, na maioria das vezes, não é a avaliação e sim a mensuração de saberes específicos, cobrados no formato de provas regulares, aplicadas dentro de prazos pré-estabelecidos, visando verificar se os alunos aprenderam o conteúdo trabalhado pelos docentes desde o início de sua formação até o momento em que deixam o ensino básico e iniciam seus estudos profissionalizantes, em nível técnico ou universitário. Falta o sabor e, por vezes, também a nutrição esperada, como preconiza na abertura deste texto o educador espanhol Antoni Zabala.
Não se questiona a pertinência dos saberes que constituem o currículo que norteia os diferentes segmentos educacionais e anos letivos. Este não é o propósito do presente artigo, focado nos procedimentos, estratégias, prática e metodologia relacionados a avaliação. O propósito, aliás, é ir além do que se convenciona verificar na prática e repensar a filosofia que rege a avaliação, repensando a proposta desde seus eixos basilares até que, enfim, se pense na aplicação, propriamente dita.
Avaliar significa, essencialmente, verificar o valor, a pertinência, a qualidade, o resultado de um processo ou procedimento, considerando aspectos técnicos que vão desde a capacidade de expressão até o embasamento teórico e a condição de execução prática dos saberes em questão.
Neste sentido as primeiras grandes questões que temos pela frente são aquelas relacionadas a questões como:
- Avaliar o que?
- Avaliar por que?
- Como avaliar?
- O que pretendemos ao avaliar?
- Que resultados queremos atingir ao avaliar?
Num momento prévio é preciso pensar que a avaliação não deve ser confundida ou realizada como um processo de julgamento daquele ou daqueles a quem avaliamos. Julgar preconiza posicionamentos que vão além dos aspectos cognitivos específicos em análise e pede posicionamentos que, por vezes, inserem em tal procedimento valores, ética, moral, posicionamentos políticos ou religiosos ou afins que, no caso da avaliação a ser realizada nas escolas, pelos professores, não é a finalidade maior.
É imperativo, claro, que a escola ensine de forma subjacente aos saberes curriculares previstos pelos órgãos que estabelecem as normas e diretrizes da educação no país, também tais saberes relacionados a ética, cidadania, moral, política e todos aqueles que ajudem o aluno em seu processo formativo para que se torne cidadão altivo, honesto, socialmente inserido, consciente de seus direitos e deveres, apto a participar politicamente das decisões... Isso também irá, nas entrelinhas, estar presente tanto na formação quanto na avaliação, mas a consideração quanto a isso não deve ser realizada como julgamento e sim como avaliação objetiva da compreensão, aplicação e uso de tais saberes, orientando rumos sempre que necessário a partir dos dados auferidos por meio desta constante observação e avaliação.
Avaliar é um ato contínuo que se inicia quando o aluno entra pela primeira vez numa sala de aula. Neste sentido é importante verificar seus conhecimentos prévios, por meio de avaliações diagnósticas, ano a ano, a verificar pré-requisitos oferecidos pela educação prévia, seja aquela de caráter institucional, ou seja, escolar, ou mesmo os ensinamentos decorrentes de outros elementos que contribuem para sua formação, a começar pela família, passando pelos meios de comunicação, pela religião, amizades assim como de outras referências para a vida dos educandos.
O registro constante da evolução, por meio de anotações em plataformas digitais ou mesmo em cadernos dos progressos, participação, envolvimento, dúvidas, socialização, acesso a recursos culturais, comunicação oral, artística ou escrita, uso de tecnologias, leituras e outras práticas, de preferência com uma base que lhe permita contextualizar os saberes e, desta forma, ver significado naquilo que está aprendendo e, desta forma, conseguir expressar de variadas maneiras o que está aprendendo constitui o elemento central, o cerne real da questão formativa e avaliativa.
Diferentemente de elementos estanques e momentos específicos - como as avaliações bimestrais, por exemplo, que já trazem, no seu âmago o estigma da prova, ou seja, de ser colocado em prova, provação, como se tivesse que comprovar sua qualificação e, pior, em comparação aos demais, com rankings ou simplesmente com a exposição das dificuldades percebidas em paralelo ao sucesso de outros estudantes - a atenção e percepção quanto ao aluno ao longo do processo que estende não por um, mas por vários anos letivos e segmentos, nos quais se propõe e se buscam maturar condições e atingir etapas pensadas e propostas, estudadas e analisadas por grandes pensadores da educação, como Lev Vygotsky e Jean Piaget, dá sentido, direção e rumo para o processo de ensino e aprendizagem.
Não podemos mais restringir o olhar para cada ano letivo nos processos formativos e avaliativos. Os planejamentos têm que ser mais amplos, permitindo a interação e troca entre professores ao menos dentro de cada segmento educacional. Neste sentido, informações percebidas pela professora do 2º ano podem ser importantes para que o docente que está com tal aluno no ano seguinte possa lhe oferecer mais suporte através de certas ações didáticas e adequar seu processo de avaliação as pré-condições a ele passadas pelo educador que o antecedeu no contato com tal criança.
A avaliação é portanto processual, inicia-se com os diagnósticos, traz à tona os registros do ano anterior (e anteriores se necessário), pede diálogo constante entre os docentes dos diferentes anos letivos, requer igualmente abertura para trocas com as famílias, tem que se relacionar a um currículo contextualizado e significativo para a criança, não pode se ater a provas e avaliações em determinados momentos do ciclo escolar, deve evitar os rankings, propor a compreensão das particularidades de cada aluno, perceber diferentes formas de comunicar dos diferentes educandos, não se ater a registros escritos, avaliar práticas em diferentes ambientes, encantar e não assustar ou oprimir os educandos.
Afinal de contas, o que se pretende ao final do processo de ensino e aprendizagem, no qual se insere a avaliação como elemento importante e decisivo, é que o educando amplie suas potencialidades, seja estimulado a crescer, aprecie o conhecimento, busque novos saberes, perceba seu potencial e suas limitações, trabalhe arduamente para superar as dificuldades, continue a aperfeiçoar-se naquilo em que se destaca e que, ao final, se insira na sociedade de forma plena, trazendo tudo aquilo que de fato é para o engrandecimento geral e particular.
Precisamos dar o tempero apropriado a educação, permitindo o sabor que nos permita degustar aulas e avaliações, mantendo dieta equilibrada em que todas as áreas do conhecimento sejam parte da receita, sem desequilíbrios que porventura venham a existir prejudiquem nossa saúde. Saber e sabor combinados de forma inteligente proporcionam crescimento e, no final das contas, é isso o que realmente perseguimos.
Obs. Este assunto é amplo e, certamente, a ele retornarei em outros artigos.
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