A Semana - Opiniões
08/9/2004 - Pátria amada Brasil?
7 de Setembro - Mais um feriado para pegar uma praia?
Patriotismo ■ (substantivo masculino) 1 qualidade ou característica de quem é patriota; 2 devoção à pátria.
Civismo ■ (substantivo masculino) 1 dedicação e fidelidade ao interesse público; patriotismo, civilismo
(As definições acima foram extraídas do Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa).
Noventa e nove por cento das pessoas que conheço adoram os feriados (as exceções seriam os “workaholics”, termo criado na língua inglesa que nos fala daqueles que são viciados em trabalho e não encontram tempo, disposição ou mesmo sentido em tanto tempo desperdiçado, sem que sejamos produtivos).
Incluo-me entre as pessoas que apreciam e necessitam desses benditos dias adicionais de descanso espalhados ao longo do ano pelos mais diversos motivos, sejam eles feriados leigos ou religiosos. Não consigo entender, contudo o que acontece com os brasileiros, em geral, no que se refere à compreensão e comemoração de seus dias cívicos, justamente celebrados na forma de dias de descanso por esse motivo, por seu caráter de festa cívica.
Por que dizer isso? O que me move a pensar sobre esse tema tão desgastado pelo tempo?
A constatação de que o nosso equivalente ao “14 de Julho” (dia nacional da França) ou ao “4 de Julho” (dia da Independência dos Estados Unidos), ou seja o “7 de Setembro” pouco ou nada tem de civismo, nada acrescenta em termos de patriotismo. Não percebemos nossa brasilidade e valorizamos nosso povo, história e tradições ao celebrar nossa independência. Estamos muito mais interessados na possibilidade de viajar, descansar ou curtir algumas horas de lazer...
Enquanto os norte-americanos e os franceses celebram seus dias e heróis nacionais como
Washington, Jefferson, Danton ou Robespierre, nós brasileiros
parecemos ter vergonha
das lutas e conquistas de Pedro I, Tiradentes ou José Bonifácio.
E o pior, na esteira de nosso comportamento distante e deslocado dessa atmosfera de civismo que deveríamos viver ao menos no dia “7 de Setembro”, nossos filhos, sobrinhos, netos e alunos (no caso dos professores), também acabam desconsiderando os valores nacionais e todas as lutas desencadeadas para que nos tornássemos independentes de Portugal.
Alguns podem argumentar que todas essas histórias são favas contadas. Contos da carochinha, antiguidades que são resgatadas apenas por professores de história e que, na verdade, nada representam ou constituem como subsídio para nossa realidade.
Se esquecem que em nosso presente, todas as vezes que sofremos revezes ou derrotas, seja no esporte ou na política, seja nas artes ou no campo social, nossas justificativas costumam ser associadas a desqualificação de nossos antepassados. Afinal de contas, somos descendentes de “náufragos, traficantes e degredados” portugueses ou ainda de escravos africanos e indígenas. A história nesse caso serve para referendar nosso fracasso e atestar que nossa genética nos caracteriza como eternos perdedores...
Museu Paulista da USP – Museu do Ipiranga
Não concordo com isso. Pelo contrário, pesquisas atestam que os brasileiros trabalham tanto quanto os alemães e os norte-americanos. Temos que nos lembrar ainda que recebemos menor remuneração pelo nosso trabalho do que as pessoas que vivem em países do Grupo dos Sete (formado pelos países mais ricos do mundo). Mesmo assim não deixamos a desejar, labutamos incansavelmente todos os dias em busca de nossos objetivos.
Falta-nos um pouco mais de auto-estima elevada para acreditar em nosso potencial, opinião essa dividida por muitos cronistas. Mesmo com essa falta de fé em nosso próprio potencial conseguimos operar milagres dentro das condições mais adversas. Não precisamos ir muito longe, é só verificar a precariedade nas condições de trabalho de muitos brasileiros e como, mesmo assim, sua produção acontece e muitos êxitos são atingidos. As Olimpíadas em Atenas nos colocaram em contato com briosos e obstinados atletas tupiniquins que chegaram a finais ou conquistaram medalhas graças a sua disposição para superar os piores obstáculos.
As raízes que formaram nossa matriz étnica, resultante de autêntico caldeirão de influências que começou com os tais portugueses abandonados a sua própria sorte pelos próprios patrícios entre os selvagens bugres que por essas paragens viviam (verdadeiros donos dessa terra incrível chamada Brasil) adicionados aos africanos seqüestrados de seu continente e deslocados para os nossos trópicos, são representativas tanto dos nossos erros quanto de nossas maiores virtudes.
Ter vergonha ou omitir nossa história significa abrir mão de identificar nossas matrizes e, dessa forma, entender melhor o que significa ser brasileiro.
Nos esportes, nas letras, na música, no cinema, na educação, na saúde, na ciência,
na política e em tantos outros ramos da produção humana temos muitos
motivos
para nos orgulhar de sermos brasileiros. Como o Édson, Carlos ou o Tom...
Ser brasileiro tem que representar motivo de orgulho e também de vergonha em certos casos. Orgulho por viver num país democrático, que se posiciona a favor da paz no mundo, que se constitui num dos celeiros do mundo contemporâneo. Vergonha pela distribuição de renda desigual, pela corrupção acentuada na política, pela fome que ainda ceifa muitas almas inocentes, pelo alto índice de analfabetismo.
Satisfação de termos dado ao mundo personalidades como Ayrton Senna, Pelé, Pixinguinha, Cartola, Elis Regina, Tarsila do Amaral, Garrincha, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Carlos Drummond de Andrade, Cora Coralina, Machado de Assis, Monteiro Lobato, Santos Dumont e tantos outros expoentes das artes, esportes, ciências, literatura, política,...
Desgosto pelas ruas com esgoto a céu aberto, as epidemias de dengue, o controle de bairros pelo crime organizado em algumas das mais importantes cidades do nosso país...
Ser brasileiro é conviver com alegrias e derrotas, problemas e soluções inesperadas.
Mas nos esquecemos de nossas raízes. Não celebramos nossas datas cívicas. Pouco sabemos de Tiradentes ou do Grito do Ipiranga de nosso libertador Pedro I. Temos vergonha. Não queremos saber. Fingimos que nada temos a ver com isso.
Nesse final de semana prolongado pensamos nisso (eu e minha família) e resolvemos tomar algumas providências. Fomos a São Paulo e nos encontramos com amigos no Mercado Municipal de São Paulo (um dos lugares mais charmosos e interessantes de se visitar na capital dos paulistas) para depois nos encaminharmos com nossos filhos de 7 e 8 anos de idade para o Museu do Ipiranga.
Para nossa grande satisfação, a visitação a uma das mais belas construções (com lindos jardins), que guarda solenemente nossa memória, foi tranqüila e acompanhada por muitos brasileiros que, como nós, queriam apenas descobrir um pouco da carga genética contida no nosso DNA histórico...