A Semana - Opiniões
A educação que nos falta
João Luís de Almeida Machado
O sinal de trânsito muda para amarelo, os motoristas aceleram, passam ainda assim. É hora do rush e, com isso, os cruzamentos ficam lotados por conta dos carros que não respeitaram a sinalização. Com isso temos um congestionamento ainda maior. Os custos e consequências da pressa geram ainda maior perda de tempo a todos. Alguns, estressados, buzinam sem parar, outros, ainda mais indignados, colocam a cara para fora do vidro e liberam impropérios nada dignos, há pequenas batidas e tudo se torna ainda mais complicado.
O filho ou filha comete uma falha na escola. Resolveu colar na prova para a qual não tinha estudado. Leva anotações em pequenas tiras de papel ou as fórmulas não memorizadas ou compreendidas escritas no braço, escondidas pela manga do casaco. Alguns, mais modernos, usam o celular para obter informações, como se estivessem apenas querendo saber as horas...
Pais indignados ao saberem que a escola, ao descobrir que o filho praticou uma fraude ao tentar colar na prova saem na defensiva. Ameaçam efusivamente a instituição de processo. Vão apelar a diretoria de ensino. O filho ou filha disse que não usou a cola, simplesmente a levou caso tivesse dúvidas mas que, durante a avaliação não fez uso de nenhum expediente para melhorar seu rendimento. Premeditação de delito não é delito, não é mesmo. Errados são a escola, os professores, as orientadoras, a direção e todos aqueles que descobriram a falta e, conforme os seus estatutos e a própria moralidade que rege a sociedade, decidiram tomar providências.
No Senado Federal os políticos esbravejam uns contra os outros, os processos correm contra alguns deles e seus partidos, a autoridade moral para que tal julgamento ocorra é colocada em xeque por outros. Será que sua história, passado antigo ou recente não tem marcas fortes deixadas pelo tempo que também tornam tal pessoa passível de dúvida quanto a ética no exercício de seu mandato? Isso parece pouco importar, chafurdar na lama, atirando pedras para todos os lados, sem fazer qualquer tipo de mea-culpa é a regra. O importante é salvar mandatos, garantir poder, ter acesso a verbas, decidir em nome do povo que representam ou que pensam representar...
O atleta olímpico, depois de conquistar a medalha, vai para as baladas. Exageros com bebidas o deixam vulnerável. Na volta para o alojamento ele e os colegas, num ponto comercial, provocam prejuízos e são inquiridos pelos seguranças e instados a pagar a conta. Resolver o problema depende apenas de dispender alguns dólares e voltar para casa. Ainda assim, depois do ocorrido, saindo de cena, os medalhistas voltam para seus dormitórios e, no dia seguinte, depois da ressaca, denunciam o caso como se fossem vítimas de crime cometido por falsos policiais, geram transtorno, mobilizam investigações, o principal protagonista vai embora do país e deixa para trás toda a farsa e mentira...
Erros e mais erros. Admissão de culpa ou de falhas inexistem. O mundo conspira contra as pessoas. As pessoas não conspiram contra o mundo, são apenas vítimas.
A educação que nos falta é justamente essa, a da consciência moral, do senso coletivo, da necessidade incontida de realizar desejos sem considerar os limites estabelecidos pela lei ou pela moral, do consumismo desenfreado que nos compele a sempre querer mais e mais.
Nesse sentido, quem sempre teve razão foi o filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que em suas obras, pontuava o contrário do que defendiam os pensadores racionalistas do período moderno, que relacionavam o comportamento humano a razão e, em assim sendo, a um comportamento ético, balizado em princípios morais como a regra dominante, desconsiderando as fraquezas, nuances, paixões e a intempestividade humana.
O comportamento ético, a moralidade, o respeito ao próximo, a consideração em relação ao grupo e a atitude de respeito à lei como instrumento de regulação social são ações aprendidas. Tudo isso depende, essencialmente, da educação provida pela família que, por sua vez, é formada a partir de exemplos anteriores e do estudo, apreensão e uso daquilo que a sociedade como um todo define como base para o comportamento individual e coletivo. O papel da escola e das instituições públicas e privadas, no geral, é importantíssimo nesse sentido. Aos educadores não cabe apenas replicar modelos, mas compreendê-los, realizar a análise crítica e ponderada, levantar questões pendentes ou erros percebidos, permitir que o diálogo e o debate sejam práticas constantes, trabalhar pela pluralidade e democracia dentro da normalidade e regras vigentes.
Ao assim atuar, na parceria com os outros agentes formadores, em especial a família, núcleo da sociedade; o governo, como representação legítima da coletividade; as mídias, como formadoras de opinião e responsáveis pela divulgação dos fatos e notícias; além dos agentes culturais, criadores das produções que influenciam as pessoas; a escola assume importante papel para que a civilidade prevaleça ao invés da lei da selva.
O estudo e compreensão das leis, dos mecanismos financeiros que regem a produção e o trabalho, dos direitos e deveres de cada pessoa e da coletividade, a leitura de mundo crítica, o fomento a atitude ativa, a politização do cidadão, a pluralidade e o respeito a diversidade são temas que não podem ser desprezados pelos educadores.
Vivemos o caos, tantas vezes no cotidiano, que tendemos a achar que isso é normal. Não é. Não deve ser. A realidade deve ser, na maioria das vezes, pautada pela ética, valores morais, respeito, consideração pelas leis e apreço pelo coletivo.
Se o erro prevalece é, acima de tudo, em virtude da ignorância e da omissão das pessoas. Ignorância ou desconhecimento das leis, dos direitos e deveres que cabem e competem a cada um e a todos nós. Não podemos assistir impassíveis o erro alheio, o que caracteriza a omissão, sem manifestar nossa indignação, não de modo agressivo, o que pode gerar incompreensão e retorno carregado de rancor, mas de forma a orientar, explicar, educar. O mundo e, em nosso caso, o Brasil em particular, depende essencialmente desta educação para a vida em sociedade.