Cinema na Educação
Torre de Marfim: A crise universitária americana
João Luís de Almeida Machado
Estudantes ocupam o prédio da universidade. Lutam para que a educação superior de qualidade que tem na instituição continue sendo gratuita. A atual diretoria da escola pretende cobrar mensalidades para pagar débitos acumulados com a ampliação e reforma de instalações.
Do outro lado do país, numa localidade rural, funciona instituição de ensino superior cujo propósito é ir além da teoria, ajudando seus alunos a lapidar o caráter a partir do trabalho, das resoluções coletivas, do compromisso de manter as dependências limpas e organizadas.
Enquanto isso, universidades tradicionais, em outros estados, visando garantir a entrada de novos estudantes, investem pesadamente na criação de infraestrutura de apoio aos estudantes. Pensou em bibliotecas, laboratórios, tecnologia educacional ou em novas salas de aula para acomodar o esforço desta nova geração de estudantes? Não é bem assim... Os investimentos são feitos em apartamentos que acomodem de forma confortável os calouros e veteranos, com facilidades de lazer, acesso a shoppings ou academias, disponibilidades de lanchonetes e cafés para que a vida social seja intensa durante os anos em que estiverem na universidade.
Tudo isso custa muito caro. Tudo isso onera muitíssimo as universidades. A concorrência por novos alunos e os custos desta “expansão” geram dívidas e compromissos bancários a instituições novas e também para aquelas estabelecidas há muito tempo.
E os custos, como é de se esperar, não repercutem somente para as instituições de ensino superior. Há o repasse para os estudantes. Custa muito caro manter-se numa universidade norte-americana e os valores crescem assustadoramente desde a década de 1980 enquanto, por outro lado, a qualidade acadêmica não apenas está longe de acompanhar a elevação destes custos como tem perdido o que sempre foi motivo de orgulho para tais escolas, ou seja, a excelência quanto a formação.
O que se aprendia até o final dos anos 1970 e início da década seguinte no Ensino Superior é hoje assunto para formações em pós-graduação. O nível do ensino nas universidades americanas caiu e, com isso, a qualidade dos profissionais que nelas se forma.
Conclusões como estas fazem parte do documentário “Torre de Marfim”, lançado em 2014, dirigido por Andrew Rossi e levam a produção a questionar se vale a pena cursar a universidade. A ênfase do filme, entre os vários assuntos trazidos na produção, é na bola de neve das dívidas universitárias que, além de atingirem um patamar que torna hoje tal endividamento maior do que o do segmento de cartões de crédito entre os norte-americanos, compromete o futuro das próximas gerações e de todo o país.
O raciocínio é bem simples. Se o estudante sai da universidade com uma dívida tão alta que lhe tomará vários anos até que consiga pagar, se o fizer, diga-se de passagem, isso compromete outros momentos e investimentos relacionados a sua vida pessoal e profissional. Faltará capital para aplicar em negócios próprios, não será possível financiar a casa própria, o crédito será escasso para comprar um automóvel...
Além disso, a formação rala, por sua vez, compromete a qualidade do formando e o coloca em desvantagem na busca por espaço no mercado de trabalho. Há muitos jovens saindo da universidade nos Estados Unidos que estão sem emprego ou então atuando em funções bem abaixo daquelas que sua formação lhes permite.
Há ainda, neste quadro, a possibilidade de a inadimplência acontecer e o montante da dívida não ser pago o que, por sua vez, afeta o caixa das universidades...
O que se constata quanto ao atual momento da educação superior nos Estados Unidos é que não é possível continuar da forma como está. O funcionamento deficitário, o endividamento dos alunos e a queda de qualidade quanto a formação acadêmica colocam em risco não apenas estudantes, professores e universidades, mas a própria economia do país. Tal risco se preconiza não somente por conta dos custos acumulados e dívidas não pagas, mas pela ascensão de outras nações no cenário que, em continuando a universidade na terra do Tio Sam em crise, investindo em educação de qualidade e pesquisa em alto nível, podem ocupar espaços e superar os americanos.
A busca por recursos, seja através da cobrança de mensalidades em instituições que bancavam os estudos a partir de fundações, como visto no filme, ou com a cobrança de valores cada vez mais altos, não é a solução. Rever prioridades, focando na busca de uma formação sólida, referenciada, rigorosa, com alto grau de exigência quanto a dedicação, foco e disciplina em relação aos estudos é, certamente, algo que deve acontecer o quanto antes.
Isso, necessariamente, vai impor ao ensino em instâncias anteriores, em especial no High School americano, a revisão de práticas que, também, aumentem o grau de exigência acadêmica para os alunos.
A revisão dos custos agregados aos contratos assinados pelos estudantes quando admitidos numa universidade, como juros e correções monetárias, precisam ser revistos e renegociados.
Cabe aos governos locais, estaduais e federal nos Estados Unidos intermediar em prol das universidades e dos alunos juntamente as instituições financiadoras do ensino naquele país condições razoáveis de pagamento e quitação das dívidas e o estabelecimento de padrões plausíveis. Isso não tem como mote somente auxiliar as pessoas que tem dívidas altas e perceber a repercussão de tal ação para o mercado nesse momento mais imediato, mas, principalmente, semear um futuro mais saudável para toda a nação e povo norte-americano.
De qualquer modo, para despertar a atenção e demonstrar o quadro sombrio e enfermo que atualmente vige na educação superior nos Estados Unidos, o filme “Torre de Marfim”, com seus depoimentos, relatos, dados e constatações apresentadas presta um grande e importante serviço para os Estados Unidos e, também para outras nações, ao promover o estudo e a reflexão fundamentais quanto ao futuro da educação superior.
Veja o trailer do filme
Ficha Técnica
Filme: Torre de Marfim (Ivory Tower)
País/Ano: EUA, 2014
Duração: 90 minutos
Gênero: Documentário
Direção: Andrew Rossi
Elenco: Andrew Delbanco, Richard Arum, Drew Gilpin Faust, Sebastian Thrun.
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