A Semana - Opiniões
16/8/2004 - A Voz das Crianças
Lições que vem do coração
As crianças em raríssimas oportunidades são escutadas pelos adultos. Prevalece a idéia de que a experiência e a maturidade dos mais velhos deve ser, sempre, a base que orienta e educa, que dá rumo e estabilidade aos mais novos. Há uma certa dose de razão nesse tipo de pensamento, porém ele não implica, necessariamente, num fechamento radical em relação aos posicionamentos, raciocínios e deduções elaborados pelos pequenos. Temos que nos dispor a prestar atenção ao que dizem para que possamos, inclusive, repensar alguns de nossos atos, algumas de nossas práticas...
Digo isso respaldado pela experiência de quem atua em sala de aula e considera essa situação como muito mais que um momento de ensino, onde são dadas aulas, com experiências e conhecimentos sendo ‘passados’ num único sentido, do professor para os alunos. Sempre aprendo muito quando estou com os alunos e, diferentemente do que dizem muitos professores, isso não é apenas um chavão. Deve existir um comprometimento por parte dos educadores nesse sentido para que a prática pedagógica seja realmente eficiente.
Temos que estar atentos as falas de nossos estudantes para que possamos perceber quem são essas pessoas tão especiais que passam boa parte de seu tempo conosco em sala de aula. Podemos melhorar nosso trabalho, analisar nossas falhas, perceber nossos acertos, descobrir pontos de encontro que nos tornem mais próximos dos alunos, deduzir novas possibilidades para nossas aulas no que tange a metodologia,...
E quando falo isso não estou me referindo apenas ao universo em que trabalho atualmente, no Ensino Médio ou na Universidade, mas, principalmente, entre as crianças da Educação Infantil ou do Ensino Fundamental.
As brincadeiras são elementos essenciais para a formação sadia de qualquer criança.
É nesses momentos que meninos e meninas interagem, aprendem, crescem e
despertam para a cooperação e para a solidariedade.
No último final de semana, por exemplo, minha filha Thaís de sete anos, aluna da 1ª série do Ensino Fundamental, fez duas afirmações que nos motivaram, em família, a uma pequena reflexão.
Na primeira delas, com um ar de alegria e contentamento próprio das crianças que estão sempre dispostas a conhecer e mostrar aquilo que aprenderam, ela nos perguntou porque as escolas não tinham entre as aulas regulares algum espaço destinado a aulas de cozinha.
Imediatamente nos pusemos a discutir as possibilidades de uma aula semanal numa cozinha educacional (como um laboratório) que porventura existisse em escolas públicas ou privadas. Pensamos (eu e minha esposa, orientadora educacional) que aulas em cozinhas poderiam ensinar muito mais que simplesmente como preparar bolos, fritar ovos ou fazer café (sem demérito algum para isso, mesmo porque esse conhecimento é essencial e tem sido perdido ao longo do tempo em virtude da correria que acomete a vida da maioria das pessoas, que acaba se alimentando de forma irregular e insatisfatória nas ruas ou com alimentos semi-prontos).
Imaginamos que daria para ensinar noções de higiene e conhecimentos científicos a partir de exemplos práticos percebidos no próprio trabalho com alimentos, sua preparação, seleção, cozimento, tempero,... Coisas simples como lavar os alimentos, quantidades, a evaporação da água, a absorção de sal e outros condimentos pelos alimentos, o que fazer em caso de acidentes (primeiros socorros), cuidados com o gás e com elementos cortantes,...
Criança sabe muito bem o que quer e nos diz isso com freqüência.
Temos que nos acostumar a escuta-los com maior atenção!
Daria para estudar história e ver como os alimentos surgiram e o que já se fez ao longo do tempo pela posse de recursos como especiarias, sal, açúcar, cereais, vinhos,... Seria possível pedir para os estudantes descreverem os procedimentos e criar receitas a partir daquilo que fizeram na cozinha, aperfeiçoando sua capacidade de redigir e compor textos. Conseguiríamos ensinar geografia indicando a origem dos alimentos, tipos de solos mais propícios ao plantio, regiões de criação de gado, exportadores mundiais de certos tipos de produtos,...
Ufa! Isso é só uma amostra, que poderia ser aperfeiçoada com o auxílio de especialistas das diversas disciplinas, em comum acordo, criando uma relação interdisciplinar permanente, de fundamental importância para a educação conforme os maiores especialistas da atualidade. E olha que eu nem mencionei a possibilidade de trabalhar com arte nas aulas de cozinha (ou de gastronomia ou alimentação, para ficar mais sofisticado).
Acima de tudo percebemos o caráter lúdico, prazeroso e encantador desse tipo de trabalho, capaz de seduzir qualquer criança ou adolescente, mesmo os mais arredios a trabalhar com disposição e, verdadeiramente, aprender. Isso tudo a partir dos comentários de uma criança de sete anos de idade...
O outro comentário de minha filha referia-se a necessidade de criar aulas de judô, natação ou outros esportes nas escolas. Ao pensarmos sobre isso nos lembramos das aulas de educação física, entretanto percebemos que o que ela estava sugerindo era na verdade o surgimento de escolinhas de esporte que conduzissem as crianças ao esporte competitivo, participando de torneios locais, regionais, estaduais ou mesmo nacionais.
Dê os instrumentos e deixe a imaginação das crianças
nos levar aos lugares mais interessantes, criativos e coloridos.
Lembrei-me que essa é a principal receita para o sucesso dos Estados Unidos em grandes competições internacionais, inclusive Olimpíadas. Imaginei que o esporte cria um sentido de disciplina, prepara o corpo e também a mente, direciona as energias e esforços para realizações que engrandecem, seja na vitória ou na derrota.
Fiquei me questionando se as aulas de educação físicas têm sido apenas uma complementação de carga horária e a resposta das escolas a uma requisição do MEC (Ministério da Educação e Cultura) ou se existem projetos que objetivam superar essa morosidade e implementar uma prática esportiva realizadora, que vise crescimento e conquistas. E quando me refiro a conquistas, as medalhas são apenas parte dessas realizações, as maiores seriam tirar crianças e adolescentes das ruas, das drogas, da ociosidade e torná-los cidadãos.
As crianças têm tanta sabedoria em suas falas ingênuas e puras que, para complementar o raciocínio, vou contar-lhes uma história recente, vivida por alguns amigos próximos. Sua filha, que tem quatro anos, foi internada em virtude de uma pneumonia, tendo ficado no hospital por quase 3 semanas. Durante esse tempo todo, preocupados com a criança, a mãe e o pai se organizaram para estar o tempo todo ao lado da menina, dando-lhe todo o respaldo e cuidados, carinho e atenção.
Quando o médico estava prestes a dar alta, ao ser informada pela mãe que voltaria para casa, a criança perguntou se a mãe iria continuar ao lado dela o tempo todo. Ao ouvir que isso seria impossível, pois a mãe teria que retornar ao trabalho, a criança perguntou porque seria necessário voltar ao serviço, ao que a mãe respondeu, como qualquer um de nós faria, que o trabalho ajudava a comprar roupas, comida, brinquedos,...
Então, a Criança disse a mãe que não precisava de mais roupas ou brinquedos, que preferia contar com a presença materna ao seu lado ao invés de ganhar novos presentes... Sábias palavras, vindas de quem, do alto de sua pequena experiência, já percebeu que roupas e brinquedos não substituem sentimentos, afeição, proximidade, carinho...
Será que preciso dizer algo mais?