Planeta Educação

Educação para o Pensar

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Instruir x Educar
João Luís de Almeida Machado

cena do clipe da musica another brick in the wall

“We don’t need no education, We don’t need no thought control...”

(Another brick in the wall. Pink Floyd)


"A educação não educa. É uma fraude. Não se deve confundir instrução com educação. É como se o objetivo dos governos fosse manter as pessoas amortecidas". (Claudio Naranjo, psiquiatra chileno, estudioso dos processos de ensino e aprendizagem, indicado ao Prêmio Nobel da Paz)

De acordo com o dicionário Michaelis, o sentido da palavra “instruir” é:

- Dar instrução a; doutrinar, ensinar; receber instrução, tornar-se instruído ou sabedor; adestrar; informar.

“Educar”, por sua vez, nos conformes do mesmo Michaelis, significa:

- Ministrar educação; formar a inteligência, o coração e o espírito de; doutrinar, instruir; cultivar a inteligência; instruir-se; aperfeiçoar, desenvolver a eficiência ou a beleza.

Há evidente diferença entre os dois processos. Percebe-se, inclusive, que o ato de educar inclui a ação de instruir. Ao educar, o que se infere, é que se ofereça acesso a elementos, recursos, técnicas, metodologias e ações que permitam ao educando “formar” ou “cultivar” sua “inteligência”. O processo, como um todo, inclui ações de instrução e momentos em que os educadores, aqueles que realizam a ação de educar, tendem a “doutrinar” seus aprendizes.

O ato de instruir, por sua vez, significa apenas dar acesso a informação e equivale, muito mais claramente, a doutrinar, termo que é sinônimo em sua acepção a ação da instrução. Não há inteligência mencionada, apenas a clara percepção de que o alvo da instrução deve aderir, adicionar e realizar tais instruções as quais teve acesso. Questionamentos quanto aos motivos das ordens ou instruções não devem existir. Dúvidas somente relacionadas ao operacional daquilo que se instrui.

Quando Naranjo destaca em sua fala que a escola instrui e não que ela educa há, portanto, uma séria e gravíssima falta detectada sendo cometida nas escolas. O termo “fraude” usado pelo pensador chileno procede ao assim se referir a educação que não educa e que apenas instrui ou informa.

E a referência do psiquiatra chileno não se refere somente ao seu país que, diga-se de passagem, tem sido referência em resultados e melhoria nas avaliações internacionais quando se fala em América Latina. Mesmo diante de um quadro aparentemente de ascensão e melhoria percebido nas escolas chilenas, Naranjo afirma que estamos vivendo um paradoxo, ou seja, uma situação totalmente impar, senão contraditória mesmo, na qual em salas de aula do mundo todo há apenas instrução e, com isso, doutrinação.

Imagine então o que pensar de países como o Brasil, onde os indicadores estão abaixo da média e não se consegue efetivar ações que realmente melhorem a qualidade da educação.

O estudioso afirma ainda que “é como se os governos quisessem manter as pessoas amortecidas”, ou seja, dormentes, em estado de letargia, a seguir seu rumo sem questionar, não assumindo protagonismos em suas vidas, carreiras ou no exercício da cidadania.

A escola como espaço de construção do conhecimento deveria trazer o despertar, o ensejo a participação, a consciência crítica, a capacidade de articular-se diante do que vemos e vivemos.

Se a escola apenas instrui o que procede é que estamos, do ponto de vista de Naranjo, percebendo e transformando nossos educandos como massa de manobra, autômatos a serem apenas comandados e não em seres humanos ágeis, articulados, capazes de responder de forma inteligente aos estímulos que recebem do mundo em que vivem.

Claudio Naranjo propõe como alternativa a esta educação que não educa ações que permitam aos educandos o autoconhecimento associado ao estudo trazido nas escolas. Segundo ele é preciso realizar a aproximação e reunião de conhecimentos e técnicas terapêuticas (entre as quais ele menciona o teatro terapêutico, a psicologia dos eneatipos, meditação e autoconhecimento por meio do teatro oriental) associadas a valorização daquilo que é espontâneo nas pessoas.

O estudioso acrescenta ainda que é preciso trabalhar dentro de linhas de ação cooperativas, nas quais as pessoas se auxiliem, trazendo à tona novamente o conceito de comunidade, de ações compartilhadas.

Tais ações segundo o especialista chileno já ocorrem nos Estados Unidos, com especial ênfase na Califórnia, desde os anos 1970, sempre com resultados muito bons para todos os que participam.

Ao trazer tal modo de agir para o campo da educação o que se permite é que as pessoas se conheçam e se respeitem mais, desenvolvam maior autoestima e capacidade de transcender a partir daquilo que são, de suas próprias personalidades. Tudo isso, é claro, repercute imensamente na qualidade de vida dos envolvidos de forma positiva.

As políticas globais para a educação promovidas a partir de diretrizes da OMC (Organização Mundial do Comércio) seriam, segundo Naranjo, motivadoras da educação que não educa, apenas instrui. Seu foco, considera ainda o chileno, seria ocasionar o surgimento de pessoas que realizam sem questionar, sujeitas de um destino e de escolhas que não lhes pertencem.

A ambição humana, por outro lado, é o combustível que alimenta essa ação nociva a devorar os homens e mulheres, a legar-lhes a incapacidade de ver além daquilo que lhes é oferecido como instrução, mantendo todos alienados daquilo que é seu por direito, ou que ao menos deveria ser, nos espaços caracterizados como democracias.

Produzir e vender, gerar lucros e suprir as expectativas de um mundo no qual os poderosos são sempre mais e mais vorazes não deve ser a tônica. A libertação do sistema opressor que na educação se consolida como mero repetidor de sinais e não como algo que prepara as pessoas para decodifica-los, entende-los e se posicionar de forma consciente quanto ao que se passa é algo que devemos almejar sempre mas, no fundo, como também já haviam percebido outros educadores, como Paulo Freire ou Michael Apple, a educação é ferramenta a serviço das ideologias dominantes e, em assim sendo, não há interesse real de que por meio dela, a não ser para a elite dominante, surjam cidadãos que tenham a plena compreensão do que está a ocorrer com todos. Orwell já havia falado sobre isso em suas obras, como por exemplo em “1984” ou em “A Revolução dos Bichos”. No cinema, Terry Gilliam discutiu esta questão em sua obra “Brazil, o filme”. Nem assim a mensagem foi aprendida, sinal de que o sistema logra êxito em sua empreitada, conforme apregoa Naranjo...


Saiba mais sobre Claudio Naranjo nos artigos abaixo indicados:

- Entrevista de Claudio Naranjo para a Revista Educação

- Entrevista de Claudio Naranjo para a Revista Época

- Site de Claudio Naranjo



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