A Semana - Opiniões
Mulheres e Direitos Humanos
Wanda Camargo
Uma das provas do imenso poder libertador da educação é o fato de que tiranias procuram sempre tê-la em total controle. Dentre as iniquidades cometidas em alguns países contra as mulheres, destacam-se as dificuldades criadas para que estudem, quando não as proíbem de estudar simplesmente; a jovem paquistanesa Malala Yousafzai tornou-se um símbolo da luta pelo direito das meninas estudarem em seu país, onde menos da metade delas frequenta escolas. Após sofrer tentativa de assassinato pelo grupo fundamentalista Talibã, Malala foi acolhida na Inglaterra e recebeu o Prêmio Nobel da Paz de 2014, a pessoa mais nova a ganhá-lo.
Em países como o Brasil, em que os fundamentalismos, racismos e machismo são disfarçados sob uma capa de suposta cordialidade, meninas de algumas regiões atualmente frequentam escolas em maior número até do que os meninos, mas quando famílias pobres precisam escolher, em situações de crise financeira, quem irá continuar estudando, a escolha geralmente recai sobre filho homem; considerando-se inclusive que meninas “são mais úteis em casa, ajudando nos afazeres domésticos”. Os rapazes quando deixam a escola, normalmente o fazem por decisão própria, não raro contrariando as esperanças dos pais que sonham vê-los formados e bem sucedidos; expectativas aplicadas em menor intensidade às moças, de quem algumas famílias ainda esperam apenas que “casem bem” ou exerçam função para complementar ao salário do marido ou familiares.
A entrada massiva de mulheres no ensino superior data de poucas décadas em nosso país, e hoje elas são maioria em muitos cursos. Até há pouco tempo parte das escolas de nível médio separava moças e rapazes, sendo relativamente recentes as classes mistas, e infelizmente muitas pessoas ainda não sedimentaram, de modo efetivo, formas de convívio entre sexos diferentes nos ambientes de trabalho ou de estudo, causando frequentemente tensões e o que se poderia chamar “agressões de primeiro nível”, em geral verbalizações e atitudes levemente inconvenientes; e embora sejam normalmente apenas manifestações de insegurança e exibicionismo, de busca por afirmação do garoto que crê desta forma ter a aprovação da garota, causam desconforto e, eventualmente, sequelas psicológicas.
Em nível mais sério estão agressões de cunho francamente sexista, com linguagem pesada, brincadeiras chulas, toques não autorizados, alguma violência física, assédio pessoal e pelas redes sociais. Tais formas de bullying podem resultar em abstenção ou desistência do estudo, e, no limite, já chegaram a causar suicídios; violências mais graves envolvem até mesmo o uso de armas, lesões corporais, estupros, abusos, roubos, chantagens, chegando ao assassinato. Mas as violências simbólicas, como os ataques à moral, calúnias, negligência, difamação, racismo, humilhação, ridicularização, o desrespeito às crenças pessoais, também representam a negação dos direitos legítimos de qualquer ser humano.
Impossibilidade de acesso a todas as modalidades de trabalho, além da desvalorização do trabalho feminino, discriminação quanto à educação, incapacidade política, civil, restrições ao exercício da sexualidade, todas são, igualmente, formas de violência.
Os iluministas muito contribuíram para melhorar o mundo através da razão, do livre exercício da mente humana e da ação política e social; impulsionou intelectualmente o fim de muitas monarquias absolutistas do ocidente, e, no entanto, mesmo a magnífica “Declaração dos Direitos do Homem” parece defender apenas os direitos do sexo masculino. Segundo os filósofos iluministas, a mulher se destacaria pelas qualidades de paixão e imaginação, não tendo a razão entre seus apanágios; teria imensa dificuldade para a abstração e a generalização, em suma, não pensaria.
Pesquisadores conectam violência com a quebra de diálogo, matéria-prima do conhecimento. Agressão, material ou imaterial, nega a possibilidade da relação comunitária que se instala pelo contato, pelo diálogo e resolução dos conflitos: mulheres ainda propugnam seus plenos direitos.