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Educação e Tecnologia

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Tecnologias não ensinam
João Luís de Almeida Machado

garoto usando um tablet

O advento de recursos em profusão, seja em termos de hardware ou software, dispositivos móveis e seus aplicativos, com ênfase em educação tem legado um momento de evidente euforia no que tange ao ensino nestas duas décadas iniciais do século XXI.

Apregoa-se a melhoria dos procedimentos pedagógicos a partir do advento e uso de tais recursos por parte de educadores e educandos como se, por si só, tais ferramentas fossem capazes de ensejar o processo de ensino e aprendizagem.

Muitos aplicativos e softwares foram criados tendo como foco o estudante autônomo que, por suas próprias forças, concretize sua aprendizagem sem que outra pessoa o auxilie nesta empreitada.

Isso certamente pode acontecer e, na verdade, já está ocorrendo em várias partes do mundo no exato momento em que escrevemos estas linhas. Ao produzir recursos que sejam cada vez mais intuitivos a indústria do segmento de tecnologia de ponta atua no sentido de valorização da experiência com seus produtos e serviços ao mesmo tempo em que promove a emergência do homem independente que, ao menos teoricamente, prescinde cada vez mais de seus semelhantes.

O autodidata está cada vez mais em evidencia e, por conta disso, quanto mais os sistemas puderem oferecer aos interessados opções reais de aprendizagem por meio das tecnologias, melhor para as empresas e para quem busca tais alternativas.

Nada de errado até aí... exceto a ideia de que os sistemas, por si só, sejam os elementos de ensejo da educação, como se a tecnologia ensinasse aos usuários.

A leitura do Big Data das pessoas permite aos sistemas computadorizados que, com base nas pegadas digitais por elas deixadas para trás, seja possível orientar e, até mesmo, ensinar os usuários. Quanto a questão da orientação não há dúvidas de que acontece, conforme podemos perceber, por exemplo, quando pela web deixamos evidente uma necessidade de consumo, a busca por um determinado produto.

Se o sujeito busca geladeiras, livros específicos, casas para alugar, passagens aéreas ou mesmo formações online, a internet por meio da captação destes dados e sua associação a informações outras sobre tal sujeito provenientes de suas redes sociais e aplicativos de uso cotidiano imediatamente inicia processo de orientação sobre onde, como, porque, quanto, quando adquirir tal bem ou serviço.

Trata-se, evidentemente, de orientação e de sugestão de caminhos a percorrer na web em busca de algo que tal internauta anseia adquirir. Não há aprendizagem, somente indução ou acesso a informação. Ninguém, em sã consciência e com algum conhecimento quanto ao processo de ensino e aprendizagem assumiria este andamento como educativo.

Mas, e os MOOCs (Massive Open Online Courses), as videoaulas disponibilizadas em canais especificamente criados para esta finalidade educativa como o YouTube Edu, o EAD com base em plataformas como o Moodle, os AVAs (Ambientes Virtuais de Aprendizagem) utilizados massivamente em todo o mundo e também no Brasil, os softwares e aplicativos criados para se aprender matemática, português ou qualquer outro conteúdo... Todas estas ferramentas não ensinam sem que seja necessário ter um professor ou qualquer outro ser humano como indutor?

Ainda que estes e outros recursos, já existentes ou que venham a ser criados, focados em formação autônoma, sem intermediação de outras pessoas, insistam na tese de que são os elementos condutores e realizadores do processo formativo, na realidade a consolidação do conhecimento, com a transformação da informação em saber consolidado, só ocorre por conta do sujeito aprendente, ou seja, pela ação espontânea, interesse, participação e engajamento real do estudante.

Insistir na tese de que as máquinas ensinam é o que vendem os executivos e equipes de marketing ou vendas das empresas que atuam no segmento de Tecnologia Educacional. As máquinas, seus sistemas e processos trabalham com rigor e precisão os dados, no entanto, nada acontece sem que o interessado se envolva no processo e, a partir de sua atuação, dê andamento aos procedimentos, seja no mundo real ou virtual.

Pensar ou propor formações exclusivamente online, conduzidas por sistemas totalmente programados para interagir com os seres humanos não é algo que possa ser desprezado ou deixado de lado. As plataformas estão cada vez melhores quanto as possibilidades que oferecem para que os procedimentos aconteçam e auxiliem os alunos em seus estudos.

O que deve ficar claro, porém, é que, independentemente de quão modernos fiquem os sistemas, qualquer ação didática somente se concretiza a partir da ação humana. Nem mesmo o advento num futuro próximo da chamada inteligência artificial irá modificar este andamento basilar do processo educativo, pautado na independência do aprendente quanto a seus interesses, escolhas e participações.

Qualquer uso das tecnologias que altere este procedimento, gerando o ensejo nos seres humanos e não servindo a seus interesses imediatos, numa inversão clara da lógica, legando a máquina a primazia nas escolhas e nos andamentos fere e atinge a liberdade humana.

Sobre este assunto vale rememorar o livro “Eu, Robô”, a célebre obra de Isaac Asimov, na qual há as três leis da robótica, não estabelecidas universalmente mesmo porque tal título antecede em algumas décadas o surgimento da Inteligência Artificial, nos quais a integridade humana é uma prerrogativa essencial destacada já na primeira e mais importante lei, conforme podemos verificar a seguir:

- 1ª Lei: Um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal.

- 2ª Lei: Um robô deve obedecer as ordens que lhe sejam dadas por seres humanos exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a Primeira Lei.

- 3ª Lei: Um robô deve proteger sua própria existência desde que tal proteção não entre em conflito com a Primeira ou Segunda Leis.

Complementando este raciocínio, Asimov criou ainda a Lei Zero, que acentua ainda mais este compromisso real com a segurança humana, no qual estipula que “um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal”. E que isso fique bem claro e seja respeitado!



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