A Semana - Opiniões
2/8/2004 - A Escola e seus Múltiplos Laboratórios
Antigos vícios e propostas de renovação
Olá, como é bom estar de volta! Estive fora durante 2 semanas para recuperar o fôlego e renovar o estoque de idéias. Espero contribuir nesse retorno com informações, críticas, sugestões e novidades que permitam aos nossos visitantes internautas prazer, conhecimento, questionamentos e, principalmente, algum crescimento!
Nesse editorial de retorno, aproveito para resgatar dois textos publicados no último final de semana, na Folha de São Paulo de domingo (dia 1º de Agosto), em texto assinado por Gilberto Dimenstein, e na revista Veja (ed. 1865), em artigo de autoria de Stephen Kanitz.
No início de seu texto, Kanitz nos diz: "Ensinar a observar deveria ser a tarefa número 1 da educação. Quase metade das grandes descobertas científicas surgiu não da lógica, do raciocínio ou do uso de teoria, mas da simples observação”.
Dimenstein, por seu lado, destaca (entre outras) a seguinte idéia: “Um levantamento feito pela Unesco mostrou o seguinte: 45% dos professores nunca foram ou foram só uma vez a um museu; 40% nunca foram ou foram só uma vez ao teatro; 25% nunca foram ou foram só uma vez ao cinema. Cerca de 60% deles não têm e-mail nem usam a internet. Deixemos de lado o professor e vejamos os jovens entre 15 e 24 anos, segundo pesquisa nacional realizada pelo Instituto de Cidadania: 62% nunca foram ao teatro; 39% nunca foram ao cinema; 69% nunca foram a um museu; 52% nunca foram a uma biblioteca fora da escola”.
Visitas a mercados ou usinas de produção de energia podem ajudar os estudantes
a entender melhor conceitos de diversas disciplinas.
Colocando lado a lado as informações destacadas pelos dois respeitados colunistas, chegamos a uma conclusão devastadora, ou seja, que os dados apresentados pelas pesquisas, demonstrativos da pobre referência cultural do professorado e, como conseqüência, de seus alunos, jamais nos permitirão, mesmo em longo prazo, atingir a proposta de transformação da escola num ambiente que permita e estimule a pesquisa, o uso dos vários laboratórios disponibilizados pela vida a nós, seres humanos...
E percebam que os dados apresentados pela Unesco e pelo Instituto da Cidadania referem-se apenas a espaços culturais formalizados (como teatros, cinemas, bibliotecas ou museus), não ampliando o raio de pesquisa para outras localidades públicas ou privadas que permitam visitas e, que concedam através das mesmas, possibilidade de compreensão muito mais ampla do mundo em que estamos inseridos (como mercados, fábricas, reservas ambientais, centros de produção de energia, universidades,...).
Kanitz tem plena razão ao afirmar que o conhecimento se constrói com pesquisa de campo. Não há como negar que desde que exista um projeto claro e bem delineado, um encontro entre estudantes e realizações práticas do mundo cotidiano permite uma apreensão mais rápida de processos, elementos constitutivos desses mesmos procedimentos, troca de idéias com pessoas que trabalham cotidianamente com tais especialidades e, posteriormente, maior curiosidade e estímulo para aprofundar o estudo com o apoio de bibliografia, filmografia, revistas, jornais,...
Se o articulista de Veja abre os olhos de muita gente para essa perspectiva, o texto de Dimenstein nos coloca diante de uma realidade que nos faz pensar que é impossível chegar lá.
Museus e bibliotecas são referências básicas para o trabalho de qualquer educador, devem fazer
parte
do planejamento e do roteiro anual de todas as escolas e professores.
Antes de apresentar tais dados, o jornalista da Folha de São Paulo nos coloca a par dos resultados medíocres obtidos no exame de admissão na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) no estado de São Paulo, aonde o índice de reprovação chegou a estarrecedores 87%...
Isso comprova o baixíssimo nível das instituições que formam a nova geração de advogados, juízes, promotores e delegados do nosso país. De certa forma, corrobora a idéia de que estamos muito longe de uma educação que instigue, provoque, leve a debates, novas conclusões, estudos pioneiros, realizações notáveis...
O que se vê no campo do estudo de Direito pode servir como indicador dos problemas que existem em todos os campos, dos mais tradicionais como a medicina ou as engenharias, aos mais novos como os estudos em biotecnologia ou computação.
Infelizmente as aulas continuam sendo dadas de forma extremamente tradicional. As teorias educacionais que estão, aos poucos, revolucionando a educação em outros países são estudadas dentro de um formato tão convencional que sua essência acaba sendo colocada em contradição com a prática dos educadores. A crise do ensino universitário também atinge a graduação em pedagogia e, em cadeia, se espalha pelo ensino fundamental e médio.
O discurso dos professores não condiz com suas práticas. Falar do construtivismo, das inteligências múltiplas, do uso de tecnologia na educação sem utilizar de forma freqüente (diária, cotidiana) esses conhecimentos não agrega ganhos.
Se os professores raramente compram novos livros ou visitam bibliotecas, acessam a internet, lêem jornais ou revistas, assistem filmes ou vão ao teatro, é pouco provável que tenham novas idéias que possam, literalmente, sacudir a poeira acumulada pelo tradicionalismo de suas aulas...
Ir ao teatro ou ao cinema, ler bons livros ou fazer pesquisa de campo constituem parte
dos ‘multiplos laboratórios’ ou ferramentas disponíveis para o trabalho educacional.
Se nem ao menos o caminho básico de complementação cultural está sendo feito pelos professores, como esperar que os alunos descubram esses recursos (livros, jornais, filmes, teatro,...)?
Se os professores estão tão distantes desses elementos culturais renovadores, como imaginar que eles consigam transpor os limites elementares que os separam das variadas possibilidades do mundo em que vivemos e que levem seus estudantes a visitar fábricas, jornais, assentamentos de trabalhadores sem terra, câmaras de vereadores, centros de treinamento esportivo,...?
As coisas ficam ainda mais tristes quanto ficamos sabendo que há uma verdadeira máfia especializada em vender vagas nas melhores universidades nacionais atuando em todo o território nacional (conforme divulgado em matéria do Fantástico desse último domingo, dia 1º de Agosto). Se os estudantes estão apelando para recursos ilícitos a fim de conseguirem aprovação em vestibulares, significa que a escola não está cumprindo de forma eficiente seu trabalho.
A derrota se mostra cada vez mais evidente numa situação como essa. Os alunos estão despreparados e desestimulados pela educação que recebem. Ao conquistarem vagas de forma ilegal nas universidades estão aprendendo lições que deveríamos estar condenando. Se saírem ilesos dessa empreitada infeliz reiteram a vitória do ilícito e referendam o que há de pior no chamado jeitinho brasileiro de “levar vantagem em tudo”...
Para mudar tudo isso, temos que realmente modificar a educação. Para renovar a educação que tal recorrer aos novos e velhos laboratórios?