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Educação e Tecnologia

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Plataformas adaptativas em educação: realidade ou ficção?
João Luís de Almeida Machado

ilustração de cabeça cibernética

“O que temos hoje no Brasil, e mesmo nos EUA, não são plataformas adaptativas. Esse é um nome bom para fazer propaganda, mas não corresponde ao estado da tecnologia. O meu grupo de pesquisa investiga essas plataformas, portanto fico muito à vontade para dizer que essas plataformas deveriam ser chamadas de ‘sistemas de treinamento para provas de múltipla escolha’, ou ‘sistemas de recomendação de conteúdos’. Mesmo nos EUA, eu vi muitas empresas anunciarem suas plataformas ‘adaptativas’ que no fim viraram sistemas de treinamento para o Enem ou para o SAT (a prova de admissão para faculdades americanas), que, apesar de ainda serem úteis, estão longe de ser revolucionárias ou democratizadoras.” (Paulo Blikstein, professor e pesquisador brasileiro da escola de educação da Universidade de Stanford, na Califórnia, em entrevista à Revista Educação)

As plataformas adaptativas buscam as respostas mais exatas possíveis em educação para que o aluno possa ter a trajetória ideal, sem erros ou com poucos tropeços. Cérebros artificiais que guiem os seres humanos em seus passos e permitam a eles viver tudo o que podem, além daquilo que naturalmente poderiam atingir. Será que estão próximas ou que no momento são somente sonhos distantes?

As soluções tecnológicas identificadas como plataformas adaptativas atualmente em uso no mercado brasileiro e mundial, conforme atesta o professor Paulo Blikstein, especialista no assunto da Universidade de Stanford, não são mais que ficção, ao menos no que se depreende delas em relação a oferta real de uma leitura detalhada, plena, adaptativa, personalizada e inteligente que entregue a cada usuário as informações esperadas por ele para que seu rendimento seja contemplado com um real upgrade.

Segundo ele, o que temos hoje são apenas ferramentas que “treinam” para exames de admissão em universidades e/ou “recomendam” recursos para que o aluno estude temas nos quais demonstra pouca ou nenhuma proficiência.

Não há mecanismos que permitam a leitura mais ampla das interações senão aquelas relacionadas ao movimento do usuário nas redes, como é feito, por exemplo, pelos sites de compras que rastreiam os hábitos de consumo e definem com tais dados em mãos o que o internauta pretende adquirir, pelos cliques dados por ele (suas pegadas digitais) e, de posse destas informações, apresenta oportunidades de negócios relacionadas as pesquisas realizadas.

As “plataformas adaptativas” criadas para as escolas focam justamente na leitura de dados como notas, leituras realizadas a partir de dispositivos online, resultados obtidos em provas nacionais, participação em Olimpíadas, vídeos educativos assistidos, exercícios realizados na web... Tendo em mãos estes dados, verificam erros e acertos, completudes e incompletudes, traçam planos de apoio em que focam nas falhas e deficiências percebidas oferecendo elementos de apoio como novos exercícios, mais videoaulas, acesso a livros ou textos de apoio, uso de simulações e animações.

Tais ferramentas adaptam-se portanto, ao auferir tais dados, de forma parcial e incompleta, sem a análise plena e abrangente que teria que considerar, necessariamente, produções outras trazidas pelo aluno (redações, projetos, gráficos, tabelas, produção artística...), cruzando com dados oferecidos pelos profissionais que os acompanham (coordenadores, orientadoras, professores) e, até mesmo, para uma cobertura realmente ampla, ainda muito distante da realidade, até mesmo com dados médicos e sociais.

Não há e nem deve haver, conforme diz o próprio Blikstein, a intenção de que qualquer sistema ou plataforma substitua o trabalho dos professores que, por sinal, precisam muito de preparação para o uso das tecnologias, o que não é contemplado em termos do investimento feito pelas redes de ensino, sejam as públicas ou as privadas.

Segundo o pesquisador, para cada dólar (U$ 1,00) investido em novas tecnologias é preciso que se invistam 9 dólares na formação dos educadores para o uso destas tecnologias.

A questão, diga-se de passagem, não se resume somente a investimento e formação dos professores para que se apropriem e utilizem as novas tecnologias, mas principalmente que isso se torne cultura corrente, ou seja, que qualquer plataforma, aplicativo, sistema ou recurso seja percebido como elemento inerente a educação do século XXI. Não no sentido do uso pelo uso de tecnologias, mas como ferramentas que em utilização facilitam a compreensão, aproximam o educando dos temas estudados, adicionam novas linguagens a prática pedagógica, tornam mais lúdicas as ações pedagógicas, oferecem uma ampla gama de recursos adicionais para a prática dos professores, permitem maior clareza quanto a quem é cada estudante...

O sonho dos algoritmos perfeitos é perseguido em todos os segmentos de atuação humana. Buscam-se respostas para perguntas que, literalmente, façam seus descobridores atingirem o status de Midas, o lendário rei que transformava em ouro tudo o que tocava. Inteligência artificial que nos leve a patamares nunca antes atingidos em todos os sentidos, voando tão alto em direção ao sol quanto Ícaro tentou com suas asas de cera e que o fizeram cair... Aonde chegaremos? Serão tais ferramentas aquilo que realmente desejamos? Acertos e erros não são parte do caminho e, com tudo isso, não estamos truncando a experiência humana, tirando dela parte essencial da jornada?

Qualquer tecnologia está e sempre devemos compreender isso, a serviço dos homens, principalmente aquelas que exponenciam suas capacidades, sejam físicas ou mentais. Se agirmos no sentido de transformar qualquer recurso em algo além disso, este princípio será ferido e, ao invés de criarmos em prol do benefício da humanidade e do planeta, estaremos compondo algo que pode ser nocivo e perigoso.

Por isso é preciso cautela e consciência de que são apenas ferramentas e que, com isso, o papel primordial continua a ser das pessoas, os reais protagonistas, como afirma o professor Paulo Blikstein sobre as plataformas adaptativas que ainda estão muito distantes daquilo que é vendido ou apregoado no mercado educativo e, também, sobre o decisivo papel dos educadores.



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