A Semana - Opiniões
A Base Nacional Comum Curricular e as Linguagens
João Luís de Almeida Machado
Assista um filme sem som e legendas. Vá ao teatro e fique de costas durante a apresentação somente ouvindo o que os artistas dizem ao longo da peça. Pegue uma revista em quadrinhos e pinte de branco os quadradinhos para em seguida oferecer este recurso para uma criança. Escreva um bilhete sem sentido e orientações claras para o interlocutor. Ofereça um texto a um aluno com partes da história encobertas para que ele tenha que compreender a trama ou reconstruí-la...
Em todos os casos mencionados, a despeito das irregularidades no percurso, efetiva-se a comunicação. Cria-se, é claro, uma situação de dificuldade em relação ao andamento normal no processo comunicativo a ser efetivado, mas por meio da educação na área de linguagens o que se espera é que o educando seja capaz de enfrentar tais adversidades, perceber a mensagem transmitida, interagir com ela, posicionar-se em relação ao conteúdo e, mesmo, reinterpretar e reescrever o que lhe foi transmitido.
Isso, no entanto, não se consolida da noite para o dia, é preciso que se efetive a condição de leitor, escritor, intérprete, crítico, analista e, acima de tudo, cidadão altivo ao longo dos anos da educação básica. Ninguém pode prescindir dos elementos oferecidos pela sociedade através da educação e, neste sentido, a compreensão e domínio das linguagens é de fundamental importância.
Linguagem esta que não se restringe a compreensão de elementos gramaticais isoladamente, sem vinculação com a realidade. A gramática continua viva, mas passa a ser percebida, de acordo com as postulações da Base Nacional Comum Curricular, divulgada pelo MEC-INEP a partir de setembro de 2015, como suporte, apoio fundamental, vinculado a leitura e apreciação para posterior uso efetivo na vida real pelo cidadão em formação.
Aprender com base em gêneros textuais, utilizando como recursos ou plataformas que estimulam esta aprendizagem os mais diversos recursos, de jornais e revistas, passando por música ou cinema, utilizando também as novas tecnologias de informação e comunicação passa a ser elemento de direcionamento para quem precisa aprender as linguagens e, por meio delas, criar conexões diretas e claras com todas as demais áreas do conhecimento.
Aprender com propriedade e de forma estimulada por modernas metodologias a língua portuguesa, a moderna língua estrangeira (inglês ou espanhol), as artes e a linguagem corporal por meio da educação física passam a ser considerados, desde já, prioridades para o ensejo e plena compreensão também das ciências, matemática e humanidades.
Tudo isso apoiado em componentes curriculares que tematizam e orientam o olhar em paralelo, numa ação que se propõe multi ou interdisciplinar, através da qual tais geradores, como a questão ambiental, as novas tecnologias, a política, a ética ou estudos sobre energia e preservação ambiental mobilizam aulas e mais aulas de língua portuguesa, história, ciências, matemática, artes...
Esta linha de ação proposta pelo MEC (assista o vídeo divulgado pelo governo sobre o tema) para ser aplicada em escala nacional, como direcionador de estudos para alunos de norte a sul do país ainda está em processo, buscando o apoio da sociedade civil, por meio de contribuições com novas ideias e sugestões por parte de indivíduos, instituições ou grupos de pessoas. Aparentemente, pelo que se percebe na leitura do documento, parecemos caminhar para uma melhoria real da educação brasileira em se contando com esta unificação.
Cabe, no entanto, sempre atentar para os objetivos, estudando-os com profundidade para que, a partir desta análise, possam surgir tanto as críticas quanto as contribuições que podem melhorar tal proposta, em debate há algum tempo a partir de proposição do MEC.
Verifiquemos, neste sentido, os objetivos propostos para a área de Linguagens que, conforme já apreciada neste texto, tem grande peso e importância para todo o processo como elemento que cria as pontes e a interação entre pessoas e saberes de diferentes áreas.
O primeiro objetivo a ser atingido, segundo o documento do MEC-INEP, disponível na página da Base Nacional Comum na internet, refere-se a necessidade de “interagir com práticas de linguagem em diferentes modalidades, na perspectiva de sua recepção e produção, de modo a ampliar, gradativamente, o repertório de gêneros e de recursos comunicativos e expressivos”. O que, conforme deixamos bem claro, significa oportunizar aos educandos o acesso a recursos que vão além do texto composto por palavras, permitindo a ele interpretar diálogos numa peça, perceber a comunicação que se estabelece a partir de uma apresentação de dança, compreender que o cinema é um importante veiculador de ideias, perceber a riqueza que existe na linguagem dos quadrinhos, motivar as pessoas a escrever e se manifestar de forma coerente e inteligente por meio das redes sociais... Além disso, há uma clara manifestação neste objetivo da necessidade de aprendizagem por meio dos gêneros textuais que, assim sendo, deixam de ser apenas apoio e se tornam referenciais deste aprendizado.
Um segundo objetivo importante refere-se a necessidade de “reconhecer as condições de produção das práticas de linguagens (quem, o quê, por quem, para quê, para quem, em que suporte, modo de circulação), materializadas na oralidade, na escrita, nas linguagens artísticas e na cultura corporal do movimento”. Não basta ler, é preciso aprender a fazer, como preconizam os objetivos mundiais quanto a aprendizagem da ONU. Neste sentido, se num primeiro momento gera-se uma sensibilização e capacidade de escuta em relação a comunicação a partir de diversas e diferentes plataformas, numa etapa a seguir, de preferência trabalhada de modo análogo, ao mesmo tempo, o que se pretende é que os alunos possam escrever, filmar, produzir música, poetizar, fazer propagandas, comunicar mensagens simples, expressar opiniões... A concretização desta capacidade, percebida além da comunicação oral ou escrita, como sendo algo que se concretiza também por meio das artes e da expressão corporal, faz com que eles se percebam elementos vivos e atuantes na sociedade, vozes que podem e devem ser escutadas aqui, lá, acolá e alhures...
Igualmente importante é que os estudos em Linguagens permitam aos educandos “refletir sobre os usos das linguagens e os efeitos de sentido de diferentes recursos expressivos, levando em conta as condições de recepção e produção”. Com quem falo, minha comunicação foi efetivada, as pessoas entenderam o que eu disse, em que contexto estou realizando esta comunicação... São fatores a serem considerados sempre por quem participa informações, compartilha saberes, divulga opiniões...
“Compreender a diversidade de manifestações linguísticas, artísticas e de práticas corporais como construções sociais e culturais, relacionando-as com ideologias e relações de poder” é outra instância defendida no documento e que, até pouco tempo atrás não era tão considerada ou percebida como fundamental. Relaciona-se a oferta aos educandos de uma formação que lhes permita ler imagens, interpretar a comunicação corporal, compreender diferentes meios de reprodução e veiculação de ideias através de texto ou oralidade como instrumentos de expressão ideológica, política, permeados pelo jogo de interesses e disputas que há na sociedade.
O mais óbvio, se bem que necessário constar para conhecimento geral refere-se a necessidade de “interagir com o outro, usando expedientes comunicativos e expressivos nas diversas práticas sociais de modo crítico, autoral e criativo” que, num mundo como o nosso, no qual as relações entre as pessoas e as instituições requer postura crítica, capacidade de argumentação, posicionamentos claros e personalidade, tem que ser ressaltado. Em especial, a ser destacado, a capacidade de perceber-se, diferenciar-se, ter ideias próprias, manter a cabeça erguida, agir de forma ética e cidadã.
Entre os objetivos em Linguagens, o último apresentado refere-se a “reconhecer a dimensão poética e estética como constitutiva das linguagens, apreciando a cultura, a arte e a língua como patrimônios” que, por sua vez, atesta o compromisso que deve existir por parte dos educandos com a beleza, a estética, a produção e o reconhecimento da arte e da poesia e o compromisso de defender o patrimônio cultural em todas as instâncias e formas.
O que se percebe, neste documento, a princípio, é realmente o intuito de promover e melhorar os estudos em linguagens no Ensino Básico no Brasil. A efetivação com um currículo comum a todos os brasileiros depende, no entanto, da confirmação daquilo que está escrito em todas e em cada uma das salas de aula do país.
# Artigo: Dia de aula com tecnologias