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João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Uma lição de vida
João Luís de Almeida Machado

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Algumas lições deveriam perdurar para sempre em nossa memória. Quando um homem negro, com mais de 80 anos, num país pobre, cuja história registrou conflitos internos e no qual a escravidão foi chaga a assombrar a realidade até metade do século XX, fica sabendo que a oportunidade de estudar está sendo oferecida a todos os interessados e resolve ingressar na escola, temos uma destas incríveis e maravilhosas lições.

E quais os principais ensinamentos contidos numa história de vida tão marcante que parece ficção mas que é real pode nos trazer?

A principal é, certamente, a obstinação. A informação transmitida pelo rádio e captada com dificuldade no casebre pobre de Maruge, o idoso que se aventura e enfrenta oposições várias para assegurar o direito para si mesmo, é o detonador de uma ação épica e que exige muita perseverança e força. As escolas de seu país natal, o Quênia, estavam sendo franqueadas para as crianças, mas a mensagem oficial abriu as portas para todos, sem exceção. Não esperavam interesse de adultos, muito menos de pessoas com idade tão avançada quanto Maruge. Seus compatriotas e concidadãos adultos ou velhos como ele foram os primeiros a censurá-lo por sua iniciativa. A escola tentou fechar-lhe as portas argumentando que o espaço somente abrigava crianças. Foi graças a sua incrível disposição de estudar mesmo já tendo 84 anos de idade (foi parar no Guiness, o livro dos recordes, como o homem mais velho a ingressar numa escola primária em todo o mundo) que fez com que essa história se tornasse realidade.

Outro aspecto importante foi sua vontade aliada a necessidade de aprender a ler e escrever. Analfabeto num país onde esta condição tão comum a tantos adultos e idosos como ele, Maruge percebeu a importância das palavras escritas por receber documento enviado pelo governo de seu país e não ser capaz de ler. Diante de si havia uma mensagem importante, ele sabia disso, assim como estava ciente de que podia pedir o auxílio de algum conhecido letrado, mas decidiu que cabia a ele aprender, para decodificar não apenas aquela carta, mas tudo o que o mundo lhe oferecia na forma de letras e números.

Há ainda, nesta bela lição, os enfrentamentos da professora que o admitiu em sua sala de crianças. A receptividade dos demais alunos ao colega ancião. O relacionamento simples e puro entre o idoso e os pequenos.

“Uma lição de vida”, filme inglês, de Justin Chadwik, apesar de alguns momentos de tensão e conflito, é poético e inspirador para todos os públicos, em especial para as pessoas que desanimam diante dos pequenos obstáculos que por vezes surgem em suas vidas.

cena do filme uma lição de vida

O filme

Quando a notícia é divulgada pelo rádio, a partir de fontes oficiais, com a confirmação de que a educação será oferecida para todos os cidadãos, entre as várias pessoas que ouviram esta informação estava um velho ancião analfabeto, ex-escravo, que do alto de sua vida de mais de 8 décadas, parecia ser o mais improvável entre todos os alvos desta comunicação.

Maruge (Oliver Litondo, em interpretação notável) decide então ir até a escola mais próxima de sua casa para se inscrever. Quando chega lá percebe somente crianças e nenhum adulto, menos ainda alguém como ele, já na terceira idade, a ocupar os bancos da escola.

Para sua decepção a reação da professora e dos diretores da unidade escolar é negativa a sua presença. Durante dias a fio, no entanto, o agricultor vai à escola e insiste em obter uma autorização para frequentar a escola. A oposição que, inicialmente é da escola, vai aos poucos ganhando corpo entre outras pessoas da comunidade, indignadas com a possibilidade de que um idoso se sente ao lado das crianças na sala de aula para aprender a ler, escrever ou fazer contas.

A insistência de Maruge, aliado ao fato de que a comunicação governamental não mencionou restrições aos cidadãos de outras faixas etárias quanto a possibilidade de frequentar as escolas, acaba fazendo com que a professora admita o idoso entre seus alunos.

Sua postura, no entanto, também será fortemente combatida na comunidade, pelas autoridades acima dela e, irá gerar problemas em seu casamento. Ainda assim, diante de todas as evidências de que Maruge não só é capaz, mas muito comprometido e que, além disso, é uma boa influência e companhia para as crianças, ela igualmente lutará de modo obstinado por seu direito a educação.

Um filme belíssimo, emocionante e que, certamente, deveria fazer parte das lições a serem dadas tanto para alunos quanto para professores e gestores. Imperdível!

cena do filme uma lição de vida

Para Refletir

1- Quando nos deparamos com dificuldades, qual a nossa reação? De que modo nos comportamos em adversidades? Existe algum tipo de programa nas escolas que trabalhe juntamente aos alunos a preparação para situações extremas ou de grande dificuldade? Filmes como “Uma lição de vida” são interessantes também por conta de sua capacidade de nos contar histórias que nos levem a repensar as práticas e modelos de ensino que replicamos ano após ano. Uma das principais recomendações das principais autoridades e estudiosos quanto a educação é a de que nos permita resolver problemas... Será que estamos aplicando isso na prática?

2- Que diferença faz, para nossas vidas, saber ler e escrever? Para Maruge, no filme, o analfabetismo é um elemento de exclusão social. E ele tem razão quanto a isso. Extirpar o analfabetismo é uma ação em curso no Brasil e em várias nações do mundo, inclusive no continente africano, uma das regiões mais atrasadas do mundo neste sentido. Há, no entanto, um porém, ou seja, não basta reconhecer e identificar os signos da escrita, sua simbologia e saber juntar letras, palavras, números... É necessário ir além disso, se propondo a alfabetizar para uma leitura plena do mundo, como ensina Paulo Freire. Esta é uma educação que emancipa, politiza, esclarece e dá aos educandos a condição da cidadania, do exercício ético, da crítica e argumentação bem construídas. A história de Maruge é exemplar não somente por conta de sua obstinação e letramento, mas também por sua consciência social e política. Sua formação prevê esta alfabetização que lhe permite ler o mundo e ser um cidadão altivo?

3- Professores precisam se posicionar politicamente? Claro que sim. São cidadãos e, como tal, devem exercer seu pleno direito à cidadania, o que inclui a manifestação pública de seus pensamentos, seja na condição de cidadão ou como classe. Há, no entanto, que se preocupar em não tornar o espaço sagrado em que realiza sua profissão, a sala de aula, um espaço de panfletagem e política partidária. O pluralismo, ou seja, a apresentação de diversas tendências e opiniões deve ser a tônica. E ainda que, de preferência, como influenciador forte que é juntamente a seus alunos, que suas próprias escolhas, ao menos na escola, sejam suas apenas, sem que se compartilhe para gerar influências, tendo sempre um comportamento muito ético neste sentido.

4- Ao assistir um filme como “Uma lição de vida”, no qual embarcamos para um continente e um país diferente surge a oportunidade de estudarmos mais tal região, povo, cultura. Além disso, como estamos num ambiente muito específico, a escola, igualmente se apresenta a curiosidade em relação a como ocorre a educação em diferentes partes do mundo. Que tal realizar trabalhos, projetos e pesquisas a este respeito?


Trailer


Ficha Técnica

Título: Uma lição de vida (The first grader)

Origem: Reino Unido, 2010

Indicação etária: 14 anos

Gênero: Drama, Biografia

Duração: 105 minutos

Dirigido por Justin Chawik

Elenco: Oliver Litondo, Naomie Harris, Tony Kgoroge, Sam Feuer, Vusi Kunene, Nick Reding.



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Avaliação deste Artigo: 5 estrelas