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João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O que é Ciência? Reflexões necessárias
João Luís de Almeida Machado

“A pesquisa investiga o mundo em que o homem vive e o próprio homem. Para esta atividade, o investigador recorre à observação e à reflexão que faz sobre os problemas que enfrenta, e à experiência passada e atual dos homens na solução destes problemas, a fim de munir-se dos instrumentos mais adequados à sua ação e intervir no mundo para construí-lo adequado à sua vida.” [CHIZZOTTI, Antonio. Pesquisa em Ciências Humanas e Sociais. 7ª ed. São Paulo: Cortez, 2005.]

Fazer ciência, na visão popular, difundida alhures pelos meios de comunicação de massa, em especial a partir dos filmes produzidos por Hollywood, é fruto da ação de homens e mulheres que vestem jalecos brancos e manipulam experimentos em laboratórios hermeticamente fechados, inclusive vedados ao resto da humanidade, o que não condiz com os reais propósitos de quem faz ciência.

A compreensão do termo ciência esclarece, de antemão, que o propósito é o de fazer com que as pessoas fiquem cientes, tenham conhecimento, conheçam algo, e que, de preferência, isso ocorra dentro de uma linha de pensamento ordenada, baseada em dados, auferida, com referencial e embasamento.

A compreensão de pesquisa, apresentada no início deste texto, a partir de obra do professor Antonio Chizzotti, da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) é esclarecedora quanto as formas de ação a que recorrem os cientistas, no exercício da atividade de busca de informações e, também, quanto aos propósitos que não podem e nem devem nunca se distinguir de dar à luz a “instrumentos” que permitam a humanidade “agir e intervir” no mundo nos conformes de sua vida e expectativas.

Há de se destacar que, ainda que os limites da ciência sejam aqueles da metodologia, como apregoam alguns cientistas, entre estes se encerram com força e impacto aqueles ligados a ética e ao compromisso com a vida, a liberdade, a igualdade e os direitos essenciais de cada pessoa ou ser vivo que habita este e outros planetas.

É nestes conformes que palavras sábias apresentadas a seguir, do pensador português Boaventura Souza Santos, em sua célebre obra “Introdução a uma ciência pós-moderna”, esclarecem e devem direcionar as ações da comunidade científica.

"A ciência é um conjunto de práticas que pressupõe um certo número de virtudes, tais como a imaginação e a criatividade, a disponibilidade para se submeter à crítica e ao teste público, o caráter cooperativo e comunitário da investigação científica, virtudes que, apesar de características do método científico, devem ser cultivadas no plano moral e político para que se concretize o projeto de democracia criativa." [Boaventura de Souza Santos]

Princípios básicos como a submissão a apreciação (crítica) pública, o caráter cooperativo e comunitário e o ensejo a imaginação e pesquisa, essenciais para a ciência em sua construção são igualmente colocados em pauta pelo professor Boaventura Souza Santos.

A ideia da democracia criativa, numa era de conexão e interface constante entre pessoas e instituições do mundo inteiro, por sua vez, esbarra em fatores limitantes e irritantes como a vaidade, a ganância ou a concorrência desleal, elementos relacionados ao mundo e ao sistema em que vivemos.

A égide do capitalismo, dentro de um mundo globalizado se faz muito presente nos financiamentos, em especial aqueles de ordem privada. Como dizem os analistas, vivemos no “menos pior” dentre os modos de produção criados pela humanidade e, em assim sendo, vícios e erros estabelecidos e de conhecimento público são contraindicações, ou seja, é melhor que exista financiamento privado da produção científica e que com isso surjam soluções nas diferentes áreas do conhecimento do que nada disso pudesse estar acontecendo.

Há de se questionar, no entanto, tal postura se aquilo que se produz se torna inacessível a milhões de pessoas que necessitam desta resposta por conta de preços e custos ou, principalmente, das altas margens de lucro, como ocorre, por exemplo, na indústria farmacêutica. Dividendos bancários não podem se sobrepor a vidas humanas. Esta discussão, no entanto, ainda vai muito longe, principalmente por conta do apego ao vil metal de tantos empresários e políticos inescrupulosos.

A ciência, no entanto, hoje, deve estar cada vez mais impregnada ao DNA das novas gerações e, para tanto, é preciso que os educadores sejam inoculados com os vírus geradores da curiosidade que move as pessoas em direção a busca por novos saberes.

A parceria entre ciência e educação, que deveria ser natural e consequente, não ocorre como deveria, ainda que os especialistas, como Pierre Levy afirmem isso categoricamente em suas obras há alguns anos, conforme podemos verificar quando ele afirma que “Trabalhar quer dizer, cada vez mais, aprender, transmitir saberes e produzir conhecimentos”.

Não é possível, portanto, dissociar o trabalho executado na educação da produção de conhecimentos, da prática de registro, da compreensão apurada do fenômeno educacional e do compromisso de ao assim agir, propor soluções, projetos ou ideias que afirmem e busquem ensino e aprendizagem cada vez melhores e em maior sintonia com os princípios da pesquisa e da ciência.

Nosso maior educador, Paulo Freire, em sua célebre e já clássica obra “Pedagogia da Autonomia”, confirma essa premissa de forma ainda mais explícita ao afirmar que:

“Não há ensino sem pesquisa e pesquisa sem ensino. Esses que-fazeres se encontram um no corpo do outro. Enquanto ensino continuo buscando, reprocurando. Ensino porque busco, porque indaguei, porque indago e me indago. Pesquiso para constatar, constatando, intervenho, intervindo educo e me educo. Pesquiso para conhecer o que ainda não conheço e comunicar ou anunciar a novidade.” (Paulo Freire)

De qualquer modo, quando pensamos em ciência, seja hoje e daqui para frente, vale sempre considerar o que os próprios pesquisadores e cientistas nos dizem, a afirmar como compromissos essenciais e também como premissas básicas não apenas da ciência, mas da própria existência humana quanto a necessidade que temos de compreender o que nos circunda, como afirma o professor Antonio Joaquim Severino, cujo livro sobre Metodologia de Pesquisa é um dos mais utilizados nos cursos de graduação e pós-graduação em nosso país:

“Os estudos antropológicos (...) mostram que os homens têm uma tendência ‘espontânea’ a buscar o que é o mundo circundante, em todas as formas de sua manifestação fenomênica. Conhecer é uma atividade original que se confunde com o impulso da vida. A atividade subjetiva se desenvolve integrando-se à existência como um todo; o pensamento se constitui como processo imanente ao agir do homem com vistas a sua sobrevivência biomaterial. Na sua gênese, o pensamento se imbrica integralmente na ação e se instaura como estratégia da vida.” (Antônio Joaquim Severino)



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