Cinema na Educação
Ela (EUA, 2014. Filme de Spike Jonze)
João Luís de Almeida Machado
Filme de Spike Jonke faz crítica inteligente ao mundo tecnologizado e mostra como estamos com todo mundo e solitários ao mesmo tempo
A ficção científica, ao longo dos tempos, em obras clássicas de grandes autores, como Phillip K. Dick, Arthur C. Clarke, H.G. Wells, Isaac Asimov, Júlio Verne e Mary Shelley, George Orwell, entre outros, tem apresentado para o mundo uma série de ideias que antecipam passos da humanidade em direção ao futuro.
Em seus trabalhos, entre outras criações, abordam a relação entre os homens e as máquinas. Vários trabalhos produzidos por estes grandes nomes previram o surgimento de robôs, sistemas computadorizados e a inteligência artificial, em alguns casos, equiparando-a em suas letras ao próprio cérebro humano.
Atualmente, com a internet, alimentada por bilhões de pessoas de praticamente todos os países do mundo, temos um sistema integrado através do qual as pessoas se apresentam e se relacionam com o mundo. Seus passos, rastreados por sistemas inteligentes que decodificam as informações ali deixadas vão entendendo cada ser participante deste enorme processador de dados para que instituições distintas possam conhecer o indivíduo, o cidadão, o profissional, o estudante, o paciente, o consumidor e todas as facetas de cada pessoa do mundo.
A intenção, já apresentada por cientistas de diferentes nacionalidades, é a de que cheguemos a sistemas inteligentes que consigam conhecer as pessoas e, mesmo, interagir com elas.
Imagine então que por meio de dispositivos como smartphones, tablets, computadores, tecnologias vestíveis ou a internet das coisas, as pessoas encontrem interlocutores digitais, cérebros cibernéticos com os quais irão conversar, trocar ideias, se orientar quanto a sua alimentação, vestuário, programas para o final de semana, preços, ofertas de emprego, estudos...
Este é o ponto de partido do filme “Ela”, dirigido por Spike Jonze e estrelado pelo sempre eficiente e talentoso Joaquin Phoenix. Nesta produção envolvente e intrigante de 2014, o protagonista tem como principal elo ao longo da história um novo sistema operacional com o qual, literalmente, se relaciona, extrapolando a relação homem e máquina para um nível mais pessoal e íntimo, que começa como uma amizade e se torna um caso clássico de amor platônico.
A arte, neste caso, imita a vida ou o contrário, a vida imita a arte?
Afinal de contas, com tantos dados já disponíveis na web a respeito de cada usuário e de sua individualidade e os complexos algoritmos que estão sendo criados para gerir toda esta informação e entender as pessoas já não estamos sendo, ainda que de forma primária e singela, por sistemas, orientados quanto à o que comprar, para onde ir nas férias, o que fazer no final de semana, onde estudar ou a nos trazer indicações de leituras?
O Filme
Theodore (Joaquin Phoenix) trabalha numa empresa especializada em criar mensagens e correspondências para pessoas que, na correria de suas vidas, não têm tempo para isso. Até aí tudo bem, não é mesmo? A premissa de seu trabalho é aparentada com o que fazia Dora (Fernanda Montenegro) ao escrever cartas em “Central do Brasil”, do brasileiro Walter Salles. A diferenciar os trabalhos dos protagonistas dos dois filmes está a motivação que os leva a escrever tais cartas e cartões, já que na produção nacional as pessoas recorrem a Dora por serem analfabetas.
Mas há mais diferenças entre estes filmes. O ambiente de trabalho de Theodore é totalmente informatizado, futurista e hermético. A tecnologia é o meio pelo qual produz, usando um computador moderno através do qual compõe seus textos usando diferentes recursos e mídias. Há alguma interação com humanos, mas basicamente o trabalho é isolado em baias nas quais a conversa ocorre com sistemas operacionais que permitem a seus usuários acesso ao mundo e a outras pessoas.
Não bastasse isso, Theodore tem acesso as memórias e dados das pessoas a respeito das quais escreve, atuando neste sentido como um autêntico historiador em tempo real das vidas alheias. Ele busca dados, memórias, imagens, sentimentos, preferências destes clientes para que, ao escrever um cartão ou uma carta, atue de forma totalmente fidedigna, como se o contratante de seus serviços fosse o autor do texto que elaborou. Na realidade a pessoa a quem se destina tal mensagem não pode saber e nem mesmo perceber que foi escrita por um profissional.
Theodore, como ficamos sabendo, foi casado mas se separou e sofre muito com a solidão. Seu trabalho é bastante solitário e, após o expediente, ao chegar em casa, continua sua trajetória sem maiores contatos humanos. Seus amigos são poucos e, com eles há esporádicos momentos de confraternização.
Tudo muda quando Theodore recebe comunicado de que o sistema operacional que utiliza em seu lar e dispositivos móveis foi atualizado para um modelo novo, mais inteligente e interativo. Ele realiza o processo de download deste novo recurso e escolhe o ser virtual com o qual irá interagir (no original em inglês a voz ficou por conta de Scarlett Johansson; na composição do elenco, como amiga real de Theodore, há ainda a participação de Amy Adams).
A partir de então este cérebro eletrônico irá conviver, lado a lado, com Theodore e, além disso, buscará no imenso manancial de dados online sobre seu companheiro real, informações para ser o melhor e mais completo ser com quem ele irá conviver.
Crítica inteligente ao mundo contemporâneo e a solidão virtual, “Ela”, de Spike Jonze é um filme obrigatório para quem quer viver melhor num mundo cada vez mais tecnologizado como o atual. É um grito de alerta em favor do ser humano, da necessidade do outro, da vida em coletividade e da compreensão plena de que toda a tecnologia existente não é mais que recurso ou ferramenta.
Para Refletir
1- Utilizar tecnologias na escola é caminho sem volta assim como na vida. É preciso, no entanto, propor atividades que se contraponham ao uso excessivo de recursos e ações com apoio de sistemas ou equipamentos. Neste sentido compete a escola e as famílias alternarem momentos online e off-line, oferecendo aos seus alunos/filhos, da educação infantil ao ensino médio e também em nível superior, propostas de trabalhos e projetos totalmente desconectados e que lhes permitam contato com os outros, com a natureza, com as cidades em que vivem...
2- Propor projetos de leitura de clássicos da ficção científica passada e atual é um exercício enriquecedor para se perceber como esta literatura previu o futuro ou, em alguns casos, a inspirou. Não é comum no Brasil trabalhar com títulos de Asimov, Dick, Wells, Huxley, Verne e outros grandes nomes do segmento. Olhar para trás é, no entanto, somente parte do exercício a ser feito. É preciso também buscar os novos nomes desta literatura fantástica e futurista para saber o que eles estão antevendo para um futuro próximo ou distante, sejam estas previsões sombrias ou otimistas.
3- Mostras de filmes de ficção científica também constituem prática sadia e recomendável. Além de “Ela” e títulos mais recentes, adicionar clássicos como “Metrópolis”, de Fritz Lang, “Solaris”, do russo Tarkovsky, o imortal “2001 – Uma Odisséia no Espaço”, do genial Kubrick ou mesmo “Matrix”, dos irmãos Wachowsky, irá mexer com os alunos e lhes mostrar o que virou realidade e o que ficou somente na ficção. Nestas mostras, utilizando a internet, é interessante também acessar acervos de séries de televisão que apresentam a sua versão do futuro, como “Perdidos no Espaço” ou “Jornada nas Estrelas” (os episódios produzidos nos anos 1960) para que se perceba como a linguagem de massas da televisão “vendeu” sua ideia de futuro.
4- Fazer um levantamento do que foi lido ou assistido, enumerar as ideias e os recursos percebidos nos filmes e livros de ficção científica e comparar com o que de fato a ciência e a tecnologia criaram é um ótimo trabalho a ser feito a partir de uma ação multidisciplinar envolvendo áreas do conhecimento como literatura, história, matemática e ciências. Criar mostras para apresentar publicamente o que foi levantado nesta pesquisa pode ser muito interessante e divertido para todos.]
Trailer
Ficha Técnica
Título: Ela (Her)
Origem: EUA, 2014
Indicação etária: 14 anos
Gênero: Drama, Romance, Ficção Científica
Duração: 126 minutos
Dirigido por Spike Jonze
Elenco: Joachin Phoenix, Amy Adams, Scarlett Johansson (voz), Rooney Mara, Olivia Wilde, Chris Pratt, Matt Letscher.
# Artigo: Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro