A Semana - Opiniões
29/6/2004 - Crise de Identidade?
Quem tem razão: SAEB ou SARESP?
Ao olharmos os resultados do Saeb e do Saresp ficamos sem saber ao certo
como são nossos estudantes.
Eles equivalem aos 70% de rendimento satisfatório
obtidos pelo exame paulista ou aos 2% de boas avaliações da avaliação nacional?
A semana passada foi um tanto quanto confusa para a educação nacional em virtude da divulgação de dados do SARESP (Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Estado de São Paulo) feita pelo governador Geraldo Alckmin e por seu secretário de educação, Gabriel Chalita. Respaldados em informações auferidas por um dos mais prestigiados institutos de pesquisa do país, a Fundação Carlos Chagas, as principais autoridades estaduais relacionadas à educação nos mostraram um cenário digno de país de primeiro mundo para as escolas estaduais de São Paulo.
Alguns dos principais estudiosos da educação brasileira se mostraram contrariados com os resultados disponibilizados por Alckmin e Chalita. Suas principais críticas relacionam-se ao fato de que os dados apresentados não especificam escolas e municípios, restringindo-se a uma abordagem global; outros acreditam que ao não divulgar os problemas principais percebidos na coleta de dados, o governo do estado não nos permite pensar e produzir soluções para essas questões; há aqueles que pensam que ao priorizar dados relativos a quantidades, são esquecidas ou perdem a importância a qualidade do ensino e os resultados reais de aprendizagem; o diferente modelo de provas do Saresp adotado no ano passado em relação a outros anos também foi motivo de muitas críticas.
Além de tudo, os dados do Saresp contrastam enormemente com os resultados do Saeb (Sistema de Avaliação do Ensino Básico), avaliação promovida pelo MEC (Ministério da Educação e Cultura).
De acordo com os dados obtidos no Saeb, menos de 2% dos estudantes brasileiros que estão no 3º ano do Ensino Médio atingiram um nível satisfatório de rendimento em sua avaliação realizada em 2003. Pelo Saresp, os estudantes paulistas que teriam atingido nível equivalente na mesma série totalizariam um montante equivalente a 70% no mesmo ano de 2003.
Na prática, de acordo com o Saeb, isso equivale a dizer que de cada 100 estudantes, apenas dois tem um bom aproveitamento escolar ao atingir o 3º ano do Ensino Médio.
Por outro lado, com os dados do Saresp, o exame paulista, concluímos que 70 em cada 100 estudantes do mesmo nível (3º ano do ensino médio), estão nivelados por cima, apresentando um rendimento considerado adequado.
A questão que temos que fazer não é quem está com a razão. Temos que certamente auferir dados objetivos que nos permitam fazer a mais séria e respeitável pesquisa possível, mas, acima de tudo, temos que ampliar a nossa capacidade investigativa acerca da educação brasileira, estendendo o exame aos professores, as condições das escolas, ao emprego do dinheiro público na educação, aos livros didáticos e paradidáticos e mesmo, ao nível das universidades que formam os novos professores que ingressam anualmente no mercado de trabalho.
Isso significaria, na prática, criar mecanismos de avaliação dos estudantes que não se restringissem exclusivamente a uma única prova anual, mas a um conjunto de avaliações realizadas ao longo do ano, incluindo-se provas padronizadas distribuídas e monitoradas pelas secretarias estaduais ou municipais de educação e ainda dados auferidos dos registros dos professores em seus diários. Isso pode parecer muito trabalhoso, entretanto a criação de redes através dos computadores das escolas e da internet poderia facilitar a receptação dos dados pelos núcleos centrais de pesquisa de cada estado da união.
Capacitação e avaliação do trabalho dos docentes é ferramenta essencial
para uma escola mais moderna, dinâmica e interessante.
Quanto aos professores, a capacitação regular através de cursos, participação em palestras e seminários, incentivo a leitura e mesmo aprofundamento em universidades deveria ser incentivada para que houvesse uma melhoria real de sua instrumentação, atualização e, conseqüentemente, de sua capacidade de trabalho. Não bastaria, entretanto lhes dar as ferramentas, seriam necessárias avaliações anuais quanto aos métodos, processos, práticas implementadas e mesmo quanto a sua condição de relacionar-se com os alunos como um orientador de estudos e atividades que conseguisse, efetivamente, incentivar seus estudantes.
Paralelamente a esse trabalho com os professores e os alunos, as redes estaduais e municipais teriam que ser reequipadas para atender as novas demandas e necessidades da sociedade em que se encontram inseridas. Isso significa, por exemplo, criar condições para que as escolas tenham laboratórios de informática com internet, laboratórios de ciências, bibliotecas razoavelmente atualizadas, periódicos disponíveis para a leitura, salas de aula em boas condições (sem goteiras, com carteiras para todos os alunos, tendo giz e outros recursos para o uso dos professores),...
Quanto aos livros didáticos, com melhor preparo por parte dos professores e, em virtude da conseqüente elevação de sua capacidade crítica, a tendência seria de maiores e mais freqüentes cobranças por parte do próprio professorado. Enquanto isso não acontece, o ideal é que esse material seja analisado anualmente e indicado (ou contra-indicado) de acordo com a opinião dos especialistas encarregados de realizarem esse trabalho. Esse é um trabalho que já tem sido feito regularmente e, que já apresenta bons frutos. Isso poderia ser melhor ainda com a colaboração mais freqüente e crítica dos professores.
A avaliação freqüente dos livros didáticos permite a melhoria da qualidade desse material.
A utilização do dinheiro público na educação (e em todos os demais setores vitais da vida social) depende de um esclarecimento mais global, de maior politização de nosso povo e não se restringe a manifestações originadas especificamente das escolas. Vale ressaltar que, na medida em que a qualidade da educação melhorar, a tendência é que o nível de cobrança da sociedade seja maior e que as pressões sobre os setores públicos responsáveis pelo gerenciamento da educação (e dos demais setores) levem a uma aplicação mais adequada e responsável desses recursos (evitando-se desvios, corrupção ou o mau uso desse dinheiro).
A avaliação das universidades especializadas na formação de novos educadores é, talvez, a mais importante de todas as medidas a serem implementadas. O nível dos profissionais recém-formados que ingressam no mercado tem deixado muito a desejar. Muitos entre os novos professores cometem erros graves ao escrever ou definir conceitos. Poucos são aqueles que cultivam o hábito de ler e estudar depois de formados. Há um grande contingente de profissionais do setor que não sabem lidar com as novas e importantes ferramentas tecnológicas tão presentes no século XXI...
Certamente gostaríamos de dizer que os dados do Saresp correspondem a realidade não só de São Paulo, mas também de todo o Brasil. Nenhum de nós, pelo contrário, está satisfeito em visualizar dados como o do Saeb. Não dá para tentar fazer média e esperar que os resultados obtidos dessa soma e divisão possam ser usados como base plausível de informações sobre a educação paulista e nacional.
Quem trabalha com educação sabe que falta muito para chegarmos nos tão sonhados 70% do Saresp. Estamos igualmente a par dos problemas da educação que podem nos aproximar dos 2% do Saeb. O que nos resta então? Trabalho, muito trabalho e, acima de tudo, seriedade e responsabilidade com a educação e com o futuro de nosso país!