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Cinema na Educação

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro
João Luís de Almeida Machado

O desafio de lutar contra bandidos de colarinho branco em cargos políticos

Mais de 11 milhões de espectadores assistiram ao filme quando foi lançado nos cinemas em 2010. Aprovação popular não só pelos ingressos vendidos, "Tropa de Elite 2" tornou-se um sucesso também juntamente a todos aqueles que assistiram ao filme por conta de seu enredo, realista e embalado pelo sonho do policial que veste a farda e junto com ela o compromisso de realmente lutar pela população, combatendo bandidos onde quer que eles estejam - vendendo drogas nas favelas ou negociando propinas em gabinetes luxuosos.

O que se quer é justiça, decência, honestidade, compromisso com a legalidade. Se isso significa o "olho por olho, dente por dente", da Lei de Talião, pouco importa. “Bandido bom é bandido morto”, é o que diz o povo no restaurante onde o Capitão Nascimento entra, logo após a chacina que teria autorizado no presídio de segurança máxima de Bangu 1, onde a nata da criminalidade estava reunida.

Ele, que seria exonerado do seu cargo, pelos seus superiores que ali almoçavam e discutiam quem iria pagar o pato, literalmente, por conta da afronta aos direitos humanos que ecoavam por todas as redes de TV, no Brasil e no exterior, ao ser recebido como herói popular pela manifestação dos inúmeros presentes, de Tiradentes é transformado em Joaquim Silvério dos Reis, neste primeiro momento, e promovido a Secretaria de Segurança Pública do Rio de Janeiro.

Não porque concorda ou pelas atitudes tomadas como resultantes de ações previamente pensadas e planejadas pela "inteligência" que gerencia a segurança na Cidade Maravilhosa. Sua "recompensa" é fruto dos dividendos políticos que isso poderia trazer para as autoridades que comandam o estado e que estão de olho em eleições futuras. É nesse novo ambiente que ele irá encontrar os verdadeiros ratos que infestam o esgoto público e propagam epidemias calamitosas de violência, horror, medo e insegurança...

Não que os donos das bocas onde se vende a droga não sejam perigosos. São, é claro, mas constituem a ponta de lança do sistema, aquilo que conseguimos ver. Vendem o “bagulho”, negociam armas, promovem guerras entre si pelo domínio dos pontos de venda (o que saneia a área, promovendo limpeza de barra para os policiais e autoridades com os quais estão associados), eventualmente matam alguns inocentes que atravessam o seu caminho... Mas são peixes pequenos perto dos tubarões nos gabinetes refrigerados, com quadros assinados por grandes artistas, tapetes importados, cartão de visita, cafezinho e secretárias na recepção.

O bandidão, por excelência, não suja as mãos. Tem sempre alguém que faça isso por ele. Arrecada alto, tem prestígio, conta com as palmas da população que não sabe (e/ou não quer saber) onde estes poderosos conseguem dinheiro para bancar tantas mordomias e também campanhas políticas caríssimas. Seus cúmplices é que espancam, atiram, esfaqueiam ou sufocam quem quer que lhes atravesse o caminho.

E essas "autoridades", como se vê no filme de José Padilha, nada temem. Sempre há como limpar a sujeira deixada ao longo do caminho. Até mesmo entre os eventuais asseclas que se bandearem para o outro lado. Utilizam-se dos traficantes ou de policiais que não honram a farda, o compromisso público por eles assumidos ao se juntarem as corporações que representam. Tanto faz, é tudo massa de manobra mesmo, o dinheiro está ali, em abundância, proveniente do ilícito, seja das drogas ou do jogo do bicho, seja da cobrança da TV digital cujo sinal foi roubado da empresa que o fornece ou do gás que tem ágio, oportunidades para encher os bolsos existem muitas... O pedágio cobrado da população representa um quinhão sem fim, um saco sem fundo e reforça a máxima que de "grão em grão, a galinha enche o papo".

E se jornalistas resolverem escarafunchar os negócios e descobrir a podridão que ali reina, desaparecem, como no filme e na realidade, basta lembrar de Tim Lopes e de outros profissionais da imprensa que tiveram coragem de ir a fundo e pagaram caro por isso.

E se a guerra entre traficantes significa perdas e ganhos, que um deles pague com a vida em prol daquele que garanta a rentabilidade e a continuidade dos negócios, como no início do filme em que um dos líderes é morto e depois queimado com colchões, numa terrível e nefasta revisão de fatos que realmente aconteceram em Bangu 1. Nesta sequência é possível perceber como a violência é encarada com indiferença pelas autoridades e com insensibilidade pela população. Sua repetição cotidiana faz com que percamos a noção daquilo que nos faz humanos e do que nos aproxima de um comportamento animalesco.

Num contexto em que a corrupção escancarada toma conta e não nos mobiliza a ações mais fortes de combate a mesma, deixando a ética, a cidadania e a civilidade darem lugar a ambição desenfreada, ao tudo por dinheiro e as ações ilegais que as realizam tomando conta de nossas cidades...

Numa realidade em que famílias se escondem dentro de casa, atrás de grades, guardadas por alarmes e cães, pagando por seguranças privados, com medo dos bandidos e da própria polícia, desencorajados de sair à noite ou mesmo de dia, por conta de assaltos, sequestros, drogas e tantas outras contravenções...

Não é de se estranhar que o Capitão, ou melhor, o Coronel Nascimento (Wagner Moura, em outra grande atuação) e sua tropa de elite tenham tanto público, reconhecimento e palmas.

A tática passa a ser: Bota o caveirão na rua, distribua pancadas sem dó, atire para matar e pergunte depois, se sobrar alguém... Com o BOPE (Batalhão de Operações Especiais da Polícia do Rio de Janeiro), se é bandido, se há ameaça a segurança pública, o melhor é aniquilar de vez os opositores.

O que se constata ao final do filme é que não há indignação em relação a violência desmedida. Talvez esta indignação se faça presente quanto aos políticos ordinários representados no filme. O que se percebe entre quem assistiu “Tropa de Elite 2” é que todos gostariam de ter algum Coronel Nascimento por perto, ou então, que cada um pudesse ser como o personagem de Wagner Moura, aptos a resolver tantos e tão grandes problemas envergando uma farda, vestindo junto com ela a legalidade e atirando nos bandidos para derrubá-los de vez... Seja no ponto de drogas, nas milícias policiais que realizam a extorsão da população ou ainda nos gabinetes dos políticos engravatados e corruptos que tanto exploram o povo de nossas cidades.

Se a moda pegar e realmente os espectadores de "Tropa de Elite 2" resolverem virar o jogo e assumirem sua porção Coronel Nascimento, dá até medo do que pode acontecer. Afinal, justiça com as próprias mãos não resolverá os problemas, pelo contrário, irá inclusive torná-los ainda piores, criando um autêntico “faroeste caboclo” nas ruas de nossas cidades.



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