Ensino de Línguas
Tirando o inglês da gaveta
Rodolfo Mattielo
Em mais de uma década dando aulas de língua inglesa, já perdi as contas de quantas vezes ouvi pessoas (alunos, professores, coordenadores, propagandas, etc) falarem que fulano fala inglês bem ou mal. Quando comecei minha (super) carreira de professor eu não pensava sequer em me tornar um linguísta, mas sempre que ouvia algo daquele tipo, alguma coisa não me soava bem. Era como se a língua tivesse que ser realizada daquela maneira, caso contrário a pessoa seria queimada como faziam com as bruxas. Acho que não é bem assim.
Se pensarmos em termos fonéticos, claro que vamos encontrar uma linha média de pronúncia. O que viria ser essa linha média? Aquelas produções fonéticas que não causam confusão, ou seja, por mais que você seja de Piracicaba ou do Rio de Janeiro, de São Francisco ou do Texas, sua pronúncia não te levará a cair em um problema de par mínimo, isto é, aqueles pedacinhos do fonema que se forem trocados, vão formar palavras diferentes. Além de pares mínimos, podemos pensar no tema sotaque, característica extremamente regional. Inúmeras foram as vezes que ouvi alguém julgar a competência linguística em língua inglesa de uma outra pessoa por causa da pronúncia sendo que, algumas vezes, aquela produção fonética poderia ser resultado de uma exposição a um tipo de inglês desconhecido como o do norte da Inglaterra, o Escocês, Indiano, Sul Africano, etc. Contudo, dizer que uma pessoa “fala bem inglês” sob uma ótica pura e exclusivamente fonética pode dar piripaque.
Sintaxe… ah a sintaxe! Quem fez letras, como este que vos escreve, com certeza teve dias tenebrosos fazendo as árvores sintagmáticas para se analisar as estruturas frásicas. Acreditar que uma pessoa fala bem ou mal inglês em função da estrutura sintática que se é produzida é entendível, porém discutível. Se um aluno nosso produzir algo como podemos ver em (1), certamente diríamos que o aluno fala um péssimo inglês e chegaríamos a ter a pachorra de dizer que ele não é fluente se comparado com (2).
(1) *You’s cool, man.
(2) You’re cool, man.
Claro que nossa função como professores é mostrar aos nossos alunos a maneira canônica da língua vista em (2), mas julgarmos a produção de (1) como inglês péssimo e por isso não fluente é corroborar com uma visão gerativista de linguagem que, de fato, inconscientemente, atinge grande parte dos nossos colegas de profissão. Afinal, a língua não se desenrola como se fossem gavetinhas rotuladas dentro das quais só podemos colocar aquilo que está designado nos rótulos. Pode sim. Na verdade, isso vai acontecer e deve acontecer para que nossos alunos saibam explorar as nuances da linguagem e então se tornar um falante altamente competente uma vez que se terá uma pessoa capaz de se comunicar em qualquer tipo de contexto. Se reconhecermos que existem algumas comunidades de fala que apresentam frases como (1), como ‘he don’t work‘, entre outros, não passaremos vergonha ao corrigirmos nossos alunos precipitadamente e, até, de maneira esnobe, pois com certeza eles irão falar que ouviram isso vindo de um falante nativo e, pela lógica do aluno, eles têm maior credibilidade que nós. O fenômeno mais atual da língua inglesa no que tange estruturas sintáticas é o caso do ‘I can’t even‘ tendo even função de verbo. Isso não está na gavetinha correta hein.
Nós professores de língua inglesa precisamos dar amplitude à questão aquisição de linguagem (Rajagopalan, 1996), porque se continuarmos a engessar a produção linguística de nossos alunos, jamais iremos evoluir no quesito entendimento de linguagem de maneira geral e continuaremos com esse pressuposto preconceituoso que infelizmente assola as discussões de ensino de língua portuguesa ao não entendermos a língua como um organismo mutante carregado de proposições, ideias, pensamentos. Precisamos procurar entender onde nossos alunos querem chegar e mostrarmos as diversas maneiras de se atingir esse objetivo nos mais sortidos contextos. E você, teacher… deixa seu inglês fora da gaveta?