A Semana - Opiniões
Comendo bola: O escândalo de corrupção da FIFA
João Luís de Almeida Machado
Há algumas expressões que parecem muito fortuitas para entendermos certas situações, como no caso da prisão de altos executivos de federações e confederações de futebol ocorridas durante o 65º Congresso da Federação Internacional de Futebol, a FIFA, na Suíça, por autoridades suíças e dos Estados Unidos, todos ligados a esquema de corrupção que desviou milhões de dólares para seus próprios bolsos ou de comparsas.
“Bola fora”, por exemplo, seria interessante, pois poderia significar tanto que os objetivos a serem atingidos não o foram, pois estão sendo investigados e desbaratados, quanto uma brincadeira de palavras a demonstrar que os recursos financeiros que deviam pertencer a FIFA foram parar em bolsos alheios.
“Levar um chapéu” também teria encaixe interessante neste caso pois o tal chapéu poderia ser associado a “passar o Chapéu”, numa alusão ao caixa 2 e as contas secretas dos tais dirigentes que deixaram seus marcadores, se é que eles em algum momento existiram, atônitos, sem saber para onde foi tanto dinheiro, pelo menos até o momento de suas prisões, como no jogo, quando um jogador dá um “chapéu” em outro.
“Na marca da cal” também seria interessante, pois poderia aludir a penalidade máxima que cometeram e ao fato de que punições quanto a isso surgiram pois alguns árbitros perceberam os erros graves cometidos por eles.
Nenhuma expressão, no entanto, tem tanto sentido neste momento quanto “comendo bola”, se bem que a expressão dos boleiros é “comendo a bola”. A diferença, por mais que pareça mínima, apenas o artigo “a”, é significativa pois no primeiro caso, a expressão está associada a corrupção, ao receber dinheiro de forma ilícita, ilegal, injusta, passível de punição, considerada criminosa. No segundo caso, quando o artigo “a” é utilizado, o sentido é de jogar muito bem, como um craque, conduzindo seu time a grandes jornadas, vitórias, gols e conquistas.
A expressão sem o artigo é que faria sentido neste momento de profunda tristeza para os fãs do esporte, indignados com a natureza humana, ambiciosa, vil, nefasta, aquela do homem lobo do homem preconizada pelo filósofo Thomas Hobbes.
A FIFA, entidade rica, que reúne mais países do que a própria ONU, ao organizar o futebol no planeta tem mais dinheiro em caixa que a maioria dos países do mundo, apesar de não ser uma organização com fins lucrativos.
Nos torneios que organiza, como a Copa do Mundo, é rigorosíssima, cobrando alto padrão nos serviços e produtos oferecidos aos quais se associa sua marca, o tal “Padrão Fifa”, que os brasileiros pedem ao governo do país para serviços públicos como educação, saúde e segurança. Possui patrocinadores poderosos que gastam milhões para que sua marca apareça nos jogos por ela organizados, nos quais estão envolvidos clubes e seleções nacionais. Vende os direitos de transmissão dos torneios por milhões de dólares e licencia produtos relacionados aos torneios, repassando aos clubes parte daquilo que arrecada. O que é estranho é que, em muitos casos, os cartolas que comandam a FIFA, as confederações ou federações e os clubes estão ricos e as agremiações, por sua vez, se encontram endividadas, como é o caso das equipes brasileiras.
O saneamento do esporte e das instituições que controlam e regulam ações no segmento esportivo são muito necessárias para que as competições ocorram de forma lícita em todas as suas instâncias. A corrupção nas esferas mais altas gera desconfianças quanto a condução dos eventos e, até mesmo, quanto ao resultado de jogos e competições.
O dinheiro que movimenta o futebol a partir dos dirigentes pode ser tanto a solução quanto o maior problema deste esporte que fascina milhões de torcedores em todo o mundo. Gerido de forma indevida - com o desvio de recursos para os bolsos dos cartolas, de empresas agindo ilicitamente, de empresários ou agentes de atletas, de confederações nas quais os gestores estão mais interessados em suas comissões – e o que teremos é um castelo de cartas.
A corrupção na FIFA e em outros escalões do futebol mundial mostra que o jogo, seja qual for o resultado, está comprometido. Atletas, cientes das negociatas, não podem, por exemplo, participar de esquemas de venda de resultados a partir de propina oferecida a eles? Afinal se os poderosos chefões ganham fortunas com isso não há dinheiro também para os jogadores? As bolsas de apostas geram fortunas e resultados inesperados podem fazer a alegria de pessoas que saibam de antemão quando uma “zebra” vai ocorrer! Esquemas desta natureza já foram investigados e desvendados em países como a Itália, França ou Brasil, por exemplo. Como torcedores e fãs do esporte esperamos que não seja assim, pelo contrário, que prevaleçam as regras do jogo e que os resultados sejam consequência do esforço dos atletas.
Os torcedores, por sua vez, terão confiança quanto ao jogo, suas regras, seus resultados e tudo o mais se estiverem cientes dos desvios que há nos bastidores do futebol ou de qualquer esporte? A credibilidade afetada pode comprometer fortemente a participação dos torcedores nos estádios, na aquisição de pacotes de jogos da TV paga, na compra de camisas e outros itens relacionados aos clubes e seleções... Você pagaria por algum destes produtos ou serviços se ficasse sabendo que há “maracutaias” ou “esquemas” a definir quem irá ganhar jogos ou campeonatos?
As investigações devem se aprofundar, como no caso do Brasil, em que parlamentares já entraram com pedidos de investigações quanto aos negócios da CBF na atual e nas últimas gestões e também já se mostram dispostos a investigar a Copa do Mundo de 2014, realizada no país.
Mudanças são necessárias e disso todos parecem cientes, a começar pelo comando da FIFA. Chega de “bola dividida”, outra expressão que caberia perfeitamente neste caso, o que todos esperam é que em lugar da “bola murcha” dos cartolas tenhamos “fair play” em todas as instâncias e que o jogo possa ser o espetáculo que todos apreciam de fato, justo e belo, com o destaque devido para as grandes jogadas, as defesas dos goleiros, os gols, os lançamentos e toda a emoção das vitórias, empates ou derrotas.
# Artigo: O que é ser brasileiro?