Cinema na Educação
12 anos de escravidão
João Luís de Almeida Machado
Filme premiado com o Oscar em 2014 nos apresenta de forma memorável e sensível toda dor e sofrimento da escravidão e do racismo.
“A liberdade é um dos dons mais preciosos que o céu deu aos homens. Nada a iguala, nem os tesouros que a terra encerra no seu seio, nem os que o mar guarda nos seus abismos. Pela liberdade, tanto quanto pela honra, pode e deve aventurar-se a nossa vida.” (Miguel de Cervantes, em sua clássica obra “Dom Quixote”).
Ao privar um ser humano de sua liberdade, colocando-o no cativeiro, obrigando-o a agir dentro dos ditames estabelecidos por quem o domina, sujeitando-o a uma das maiores agressões a que alguém pode ser submetido, comete-se violência sem igual, crime hediondo, ação que deve ser punida de forma rigorosa pela lei.
Ao se definir que o elemento principal para que um ser humano seja privado de sua liberdade está associado a cor de sua pele, a seu gênero, a etnia a qual pertence, as suas preferências religiosas, as escolhas políticas que faz ou a qualquer elemento que o caracterize, se estabelece ação de segregacionismo que é igualmente condenável em qualquer instância e passível de punição forte pelos mecanismos legais vigentes nos diferentes países do mundo.
Infelizmente a escravidão ainda ocorre hoje no mundo. Pesquisas recentes informam que cerca de 30 milhões de pessoas continuam sendo submetidas a privação de sua liberdade individual ou, por vezes, coletiva. Os indicadores situam na África a maior quantidade de pessoas que vivem nesta condição nefasta, imposta a eles pela força, por coerção, pela miséria, pela ignorância de seus direitos, pelo analfabetismo, por razões religiosas ou por ditaduras políticas que exploram suas populações em prol de suas lideranças.
Também no Brasil os indicadores são preocupantes. São mais de 200 mil pessoas aquelas submetidas a esta chaga. Sujeitas as piores condições de existência. Com seus pés e mãos atados a correntes. Com suas bocas silenciadas pela força das armas e da violência.
Filmes como “12 anos de escravidão”, do diretor Steve McQueen, vencedor do Oscar em 2014, resgatam a história e devem nos permitir examinar também o presente e propor um futuro mais justo, no qual crimes hediondos como a discriminação racial, a violência desmedida, o preconceito explícito e a perda de um dos direitos inalienáveis do homem – a liberdade – sejam não somente combatidas, mas extirpadas da face da Terra.
A servidão imposta ao personagem central da trama dirigida por McQueen é apenas um retrato particular da dor e da injustiça a que foram submetidas milhões de pessoas nos Estados Unidos e em toda a América, assim como em todos os outros continentes da Terra, em diferentes momentos da história, ao longo de séculos. Naquele momento específico da história dos EUA, às vésperas da Guerra Civil entre o norte e o sul do país, motivada entre outras causas pela luta contra a escravidão, a lei ainda permitia que um homem “pertencesse” a outro, como um bem, parte de seu patrimônio. Hoje, o mundo ainda conta escravos aos milhões a despeito das leis internacionais e nacionais serem contrárias a tal situação.
No papel há mudanças importantes registradas. No contexto geral a escravidão no mundo resume-se a um percentual bastante reduzido em relação a população mundial, no entanto, ainda assim, enquanto um só homem, mulher ou criança estiver sendo vítima desta violência, não será possível a paz de espírito as pessoas de bem.
“12 anos de escravidão” ilustra com clareza a necessidade de uma luta que não cesse contra este flagelo ao nos colocar na pele do cidadão livre que é enganado, capturado e vendido a escravocratas para se tornar parte do plantel de homens e mulheres submetidos aos piores tormentos e condições. Uma aula de história que sensibiliza e que deve mobilizar a todos contra a discriminação racial (e de qualquer espécie) e a escravidão. Obrigatório!
O Filme
O músico Solomon Northup (Chiwetel Ejiofor, indicado e premiado por sua atuação) tem uma vida bastante tranquila juntamente a sua família na região norte dos Estados Unidos. Estamos em 1841 e Solomon é um respeitado profissional que consegue oferecer boa qualidade de vida para sua esposa e filhos.
Ao aceitar uma proposta de emprego e deslocar-se para Washington, a capital do país, Solomon é vítima de um golpe dado pelos homens que lhe ofereceram tal oportunidade. Ele é sequestrado e vendido como escravo a mercadores de homens negros para plantadores de açúcar, algodão e tabaco no sul do país.
Transportado para a Geórgia, Solomon é obrigado a abandonar seu nome de origem e passa a ser chamado de Platt. Sem documentos que o identifiquem, é vendido com outros escravos para o senhor Ford (Benedict Cumberbach) e depois repassado para outro agricultor da região, “mestre” Epps (Michael Fassbender), para quem irá trabalhar no campo, na colheita de cana e algodão.
Homem instruído, Solomon é obrigado a agir como se fosse analfabeto, pois saber ler e escrever podiam tornar ainda mais perigosa sua existência caso seus senhores ficassem sabendo. Agredido e humilhado, o outrora livre músico passa a conviver com homens e mulheres que, como ele, por conta da cor de sua pele, são submetidos a condições indignas e desumanas, como os castigos a eles imputados na forma de chibatadas ou a separação de familiares.
A condição de liberdade que havia sido parte de sua história até então é sacrificada e, com isso, inicia-se período em que sobreviver é o mais importante, ainda que alimentando a esperança e o sonho de que um dia esta condição indigna de escravo possa ser superada.
Baseado em história verídica registrada em livro, “12 anos de escravidão” é filme construído de forma artesanal, com grande elenco (Paul Giamatti e Brad Pitt compõem o elenco de apoio, com rápidas aparições), atuações impecáveis - como a de Lupita Nyong’o, que lhe valeu o Oscar de melhor atriz coadjuvante - ou a do protagonista Chiwetel Ejiofor, que choca e sensibiliza a todos quanto a violência da escravidão e do racismo. Imperdível.
Para Refletir
1. Para melhor compreender a escravidão é de essencial importância que se perceba como esta condição se estabeleceu ao longo dos diferentes períodos históricos. Na Antiguidade, por exemplo, prisioneiros de guerra eram escravos e, entre eles, pessoas instruídas que acabavam se tornando tutores ou professores dos filhos de seus proprietários. Proponha leituras, pesquisas e buscas de textos e materiais visuais que permitam uma maior clareza quanto a história da escravidão no mundo. Criar linhas do tempo interativas é uma boa proposta de trabalho para os alunos envolvidos neste levantamento.
2. O segregacionismo racial é outro tema importante trazido à tona em “12 anos de escravidão”. Filmes de diferentes épocas retratam isso, como por exemplo: “Selma”, “Mississipi em Chamas”, “Lincoln”, “Tempo de Glória”, “Adivinhe quem vem para jantar”, “No calor da noite”, “Faça a coisa certa”, “O mordomo da Casa Branca”... Abordam o tema do racismo em diferentes situações, desde aquelas em que o confronto é violento e indisfarçável até outras nas quais tal situação é disfarçada, mascarada e até mesmo desdita, negada. Compor grupos que assistam os filmes e depois abram discussões para que, com isso, o fenômeno do racismo seja compreendido em seus diferentes matizes é outra ação bastante interessante e enriquecedora.
3. Entrar em contato com grupos, como ONGs, estabelecidos em diferentes partes do mundo que combatem a escravidão e o racismo buscando informações, depoimentos, dados e formas de atuar no combate a estes crimes, gerando mobilização na escola e na cidade é também prática recomendada.
4. Levantamentos sobre as estatísticas da escravidão e do racismo no mundo e no Brasil; esclarecimentos sobre as leis que combatem tais questões no país; e acompanhamento de casos recentes registrados na mídia; entrevistas com ativistas ou advogados que lutam pelos direitos civis, são também práticas a serem realizadas na escola e que podem gerar a criação de produções artísticas, a elaboração de blogs, o surgimento de jornais escolares abordando o tema...
Trailer
Ficha Técnica
Título: 12 anos de escravidão (12 years a slave)
Origem: EUA, 2014
Indicação etária: 14 anos
Gênero: Drama Histórico
Duração: 134 minutos
Dirigido por Steve McQueen, baseado em livro de Solomon Northup
Elenco: Chiwetel Ejiofor, Lupita Nyong’o, Benedict Cumberbach, Michael Fassbender, Paul Dano, Garret Dillahunt, Paul Giamatti, Brad Pitt, Scoot McNairy, Sarah Paulson.
# Artigo: Contra todo e qualquer Racismo