Cinema na Educação
House of Cards: Nos bastidores da política
João Luís de Almeida Machado
Obs.: É importante destacar que House of Cards deve ser utilizada em projetos educativos juntamente a alunos de Ensino Médio e Superior.
Maquiavel traduzido para a TV, ou melhor, para produção audiovisual na web.
House of Cards foi a primeira série lançada pela Netflix diretamente para a internet. Somente por isso já entraria para a história, como um produto audiovisual, uma série de caráter televisivo, produzida em alto nível, nos padrões de Hollywood, com grandes diretores encarregados de cada episódio e, tendo a frente dois grandes astros de Hollwood, como Kevin Spacey (também é um dos produtores) e Robin Wright.
A série, criada por Beau Willimon, a partir de adaptação do romance de Michael Dobbs, inaugurou uma nova relação dos espectadores com filmes, séries, novelas, documentários e outras realizações audiovisuais, com o streaming permitindo que as pessoas assistam o programa que quiserem, quando bem entenderem e de acordo com seus gostos e interesses específicos.
Foi ainda reconhecida pelos críticos e público como uma realização de grande qualidade. Abocanhou prêmios como o Emmy e o Globo de Ouro, concorrendo com pesos-pesados produzidos por redes como Fox, Warner, ABC, Sony e outros gigantes da televisão norte-americana tratando de um tema sério, complexo e que, em muitos casos, afasta o público ao invés de atraí-lo: a política e seus bastidores.
Em House of Cards acompanhamos a trajetória de um casal afeito ao poder que faz de tudo e mais um pouco para que a carreira do congressista Frank Underwood (Kevin Spacey, em memorável atuação, que lhe rendeu vários prêmios) decole rumo à presidência dos Estados Unidos.
Conquistar tal honraria requer uma notável capacidade de negociação, dentes e garras afiados para os embates com os adversários, capacidade real de iludir poucos e muitos (dependendo da ocasião e da necessidade), disposição incansável e inabalável para atropelar qualquer pessoa que se coloque no caminho para a meta maior, falta de escrúpulos e de caráter para fazer qualquer coisa para atingir a vitória nas pequenas e grandes batalhas que aparecem pelo caminho.
Tal obstinação não seria suficiente, no entanto, se Underwood não fosse astuto, acima da média mesmo no quesito antecipação dos movimentos alheios, sendo capaz de colocar-se no lugar do outro em relação as questões que lhe interessam diretamente e, ao assim agir, manipular a todos para que ajam de acordo com seus interesses pensando que ao assim fazerem estão realizando o melhor para si mesmos ou para a sociedade. O mais interessante e irônico na série é que Frank em diversos momentos conversa com o espectador, no meio de cenas em que está envolvido com assessores, eleitores, opositores, aliados, outros congressistas ou mesmo com o presidente dos Estados Unidos. Nestes momentos é capaz de explicar suas ações e predizer o que seus opositores irão falar ou como agirão, assim como, o que pretende fazer para induzi-los a agir do modo mais conveniente para ele.
Maquiavélico não é mesmo?
Chego a crer que os autores da série fizeram curso intensivo em relação as obras do florentino Nicolau Maquiavel e entenderam com perfeição seus ensinamentos para compor o personagem e os bastidores da política de Washington D.C., capital dos Estados Unidos, centro da trama.
É certo, porém, que os criadores da série conhecem muito bem os corredores da Casa Branca e do Congresso americano pois entendem e reproduzem no seriado, com detalhes, como seriam as conversas cheias de veneno e segundas intenções que rolam nos gabinetes dos poderosos daquele país.
Mais interessante ainda é perceber que o que se faz por lá também acontece por aqui, variando os níveis de poder, das câmaras de vereadores a presidência da república, como podemos notar no caso brasileiro a partir de matérias e denúncias que abundam nos jornais, na internet e nos tribunais de nosso país.
A diferença é que por aqui, infelizmente para os brasileiros, os poderosos acabam escapando da justiça ilesos ou sem maiores prejuízos, por conta de suas influências, poder econômico, chantagens, ameaças ou mesmo da impunidade reinante.
Em House of Cards o retrato pintado dos Underwood nos coloca em contato com gente fria, a quem o dinheiro que a tantos mobiliza, está em segundo plano em relação a sua busca maior, relacionada ao poder político. Frank e Claire Underwood (a esposa é personificada de forma brilhante por Robin Wright, que como Spacey, foi igualmente premiada por suas atuações de altíssimo nível) são capazes de literalmente eliminar seus oponentes ou mesmo de afastar propositalmente aliados incondicionais se isso lhes prejudicar o caminho ao Olimpo, ou melhor, a Casa Branca.
Ainda que a trama esteja em andamento e sem desfecho definido, House of Cards é uma aula de realismo político em que “os fins justificam os meios”, o que nos permite entender, em parte, como os políticos operam, que interesses imediatos os mobilizam, a quem realmente querem ou precisam atender e como o povo, que lhes atribui o poder pelo voto, é percebido por eles.
O papel da mídia, os bastidores da internet, os idealistas que eventualmente se aventuram pelos caminhos da política, os vícios que por vezes fazem com que estes homens e mulheres se percam até mesmo em relação a seus interesses imediatos, a ação dos lobistas, o poder dos grandes empresários e de suas corporações, os bastidores da política internacional e outros assuntos igualmente interessantes permeiam a série a todo o momento.
Produção inteligente, de primeiríssima qualidade, com roteiros afiados, atuações magistrais, suspense do começo ao fim, tramas paralelas que pedem atenção aos espectadores e a possibilidade de ver um capítulo atrás do outro - já que é disponibilizado pela internet - fizeram de House of Cards um tremendo sucesso de público.
Para quem lida com educação, os episódios e a série como um todo pode ser elemento de discussões alimentadas pelo estudo dos grandes pensadores da política, dos gregos aos contemporâneos, passando principalmente pelos bastidores da Roma Imperial (dá para traçar paralelos e tentar entender um pouco melhor porque Brutus assassinou Júlio César, por exemplo) ou pelos acontecimentos que agitaram a Revolução Francesa, na luta entre Jacobinos e Girondinos até que Napoleão se estabelecesse como autoridade máxima no mundo burguês que se estabeleceu a partir de então em substituição ao Antigo Regime.
Alinhar com a história é um dos caminhos, além da análise da teoria política. Entender a ação de grandes expoentes da política americana, a forma como atuavam juntamente ao Congresso, os membros de suas equipes que tinham influência e que foram decisivos para a implementação de ações em seus mandatos ou mesmo analisar o que levou alguns homens ao cargo máximo da política americana a despeito de sua limitação, como George W. Bush, por exemplo, são exercícios recomendados.
Ao trazer para a realidade brasileira, transpondo fronteiras, é possível analisar o populismo, este fenômeno nacional estudando atentamente a Getúlio Vargas, um de seus grandes mestres, senão o maior, ou então mandatários posteriores cujas realizações os alçaram ao limbo ou ao culto pelo povo, casos de Jânio Quadros, Fernando Collor e, mais recentemente, Lula e Dilma. Analisar e entender estes mandatários, seus pecados e virtudes é também prática recomendável.
Examinar os bastidores da política nacional significa também entender períodos sombrios como a ditadura militar (1964-1984) ou ainda os recentes escândalos do mensalão e da Petrobras, escancarados por denúncias que revelam cifras milionárias ou bilionárias desviadas de modo escuso por políticos de diferentes partidos e orientações políticas.
De qualquer modo, a série House of Cards constitui produção exemplar que apresenta para seus espectadores, ainda que dentro das limitações da ficção, os bastidores da política como se estivéssemos lendo “O Príncipe” de Maquiavel e percebendo em Frank e Claire Underwood toda a vileza e a podridão que paira sobre o reino da Dinamarca, ou melhor, na democracia norte-americana. Imperdível. Para ver e rever muitas vezes.
# Artigo: A Internet é boa ou ruim para seus usuários?