A Semana - Opiniões
A Internet é boa ou ruim para seus usuários?
João Luís de Almeida Machado
Pesquisas realizadas em países emergentes, como o Brasil, revelam que a internet é considerada um elemento positivo para a educação e negativo para a moralidade.
De acordo com levantamento realizado pelo prestigiado instituto Pew Research, sediado nos Estados Unidos, o uso da rede mundial de computadores, a internet, tem efeitos positivos para as pessoas que utilizam seus recursos para finalidades educacionais. Os dados indicam que 64% dos entrevistados percebem que o acesso a recursos virtuais via web pode auxiliar os estudantes a melhorar, de algum modo, seu rendimento e, consequentemente, a aprendizagem em relação aos diferentes temas trabalhados na escola.
Contrariando esta tendência favorável, na opinião dos pesquisados, quanto ao uso da web para os estudos e atividades educacionais, na outra ponta, sendo percebida pela maioria das pessoas como um elemento negativo para a conformação social, estão os efeitos relacionados à moralidade. Neste quesito os indicadores dos países emergentes demonstram que 42% das pessoas que participaram da pesquisa percebem que o uso da internet pode modificar o comportamento das pessoas de modo a que ajam fora dos parâmetros morais socialmente aceitos pela maioria.
Há, evidentemente, outros aspectos analisados, como a relação com as questões políticas, também mal avaliada a partir das influências geradas pela web, ou a visão de uma maioria mínima que avalia as ferramentas das tecnologias de informação e comunicação como favoráveis para as relações pessoais. No primeiro caso o índice de pessoas que consideram a internet uma influência ruim no tocante a política é equivalente a 30%. No que se refere ao uso de recursos digitais para estabelecer contato e boas relações com parentes, amigos e outros usuários chega a 53%.
Os números são particularmente importantes e reveladores e tais pesquisas devem ser analisadas com cuidado e critério para que as mensagens contidas em tais dados nos permitam, de fato, entender o contexto em que estamos vivendo e como a internet pode melhorar ou piorar nossas vidas.
Nosso foco será, neste momento, nas duas pontas da pesquisa, aqueles que revelam a compreensão das pessoas quanto a seu ponto mais positivo, relacionado a benefícios provenientes do uso da web para a educação e, no patamar mais baixo, os prejuízos que nos causam tais tecnologias no que se refere à moralidade.
Nem tanto ao céu, nem tanto a terra...
A internet e seus elementos de mediação, a distância que propicia, o anonimato que por vezes é utilizado pelas pessoas, a falsa impressão de que o que ali se escreve ou envia como mensagem através de um vídeo ou uma imagem, por exemplo, dão a muitos de seus usuários um véu que parece cobri-los e protegê-los das consequências jurídicas, sociais (e neste caso, morais) e mesmo profissionais.
O que se divulga na internet, através de postagens, mensagens, participações em redes sociais, envolvimento com sites e redes, seleção de pares com os quais as pessoas se relacionam, hábitos de compras, leituras realizadas, vídeos ou músicas escutadas e tantas outras ações que regularmente as pessoas desempenham na web, estão sendo a todo o momento percebidas por inúmeras pessoas e instituições.
Dizemos por nossas ações na web quem somos e porque viemos ao mundo. A história humana nunca antes teve tão poderoso instrumento de comunicação e expressão. Sua capacidade não é percebida pelos usuários além daquilo que é mais imediato a seus olhos e sentidos.
Não se percebe, por exemplo, que ofensas, utilização de palavras de baixo calão, associação a grupos socialmente nocivos de acordo com a consideração pública, entre outros caminhos percorridos na internet, são visualizados por conhecidos e estranhos, por seu chefe ou pelo governo de alguns países que monitoram, conforme Snowden e Assange já apregoaram pelos quatro cantos. Não há mais como se iludir, as provas são cabais, o Facebook, o Google, a Microsoft, a Apple, a Amazon e todas as grandes (médias e pequenas) empresas do segmento, de algum modo, o monitoram e, caso você desperte interesse, podem se debruçar sobre seus dados a qualquer momento.
Talvez por isso os indicativos da pesquisa quanto a questão da moralidade sejam negativos. A percepção das pessoas que lidam com a internet é a de que os usuários aproveitam desta falsa impressão de liberdade, da surreal leitura de que o mundo digital não tem amarras ou de que o Big Brother de George Orwell é somente produto da imaginação daquele grande escritor.
Ao agirem como se seus atos fossem visíveis somente por eles mesmos e por alguns poucos pares com os quais confabulam na internet, as pessoas agem às cegas e falam o que querem, muitas vezes trazendo a tona preconceitos, ações e pensamentos sujeitos a processos e multas, senão mesmo a prisão. Não quero, com isso, dizer que na web as pessoas devem ser dissimuladas, falsas ou que sua liberdade de expressão deva ser restringida. Apenas ressalto que a internet não é terra sem lei, novas fronteiras a serem desbravadas onde não há xerifes e juízes a definir o que pode e o que não pode ser feito.
Não são poucos os casos de pessoas ou empresas que por ações impensadas ou mal planejadas, via ferramentas correntes como as redes sociais, e-mails ou publicidade na web manifestaram pensamento social ou juridicamente condenável e foram por isso punidas e como isso afetou suas vidas posteriormente. É muito conhecido, por exemplo, o caso de uma norte-americana que estava a caminho da África a serviço e postou no Twitter mensagem discriminatória que ocasionou sua demissão quando ainda estava no voo. Foi informada de que devia voltar para seu país de origem logo que chegou ao seu destino, pois estava a partir de então desempregada já que a mensagem por ela postada foi disseminada pela internet e afetava não apenas sua imagem pessoal, mas a da corporação na qual trabalhava.
Por outro lado, a aprovação pela maioria das pessoas quanto ao uso da internet para fins educacionais igualmente necessita de um olhar mais agudo sobre as formas, caminhos e meios relacionados a aplicação e uso de computadores, tablets, softwares e aplicativos via web nas salas de aula.
É, notório, por exemplo, que vivemos situações como a adequação dos educadores a novas metodologias e recursos que estão entrando na sala de aula. Não basta contar com todos estes instrumentos, é preciso saber utilizá-los, planejar as ações de modo a explorar tais ferramentas da melhor forma possível, adequar os currículos, atualizar a legislação e, até mesmo prever situações trabalhistas relacionadas ao advento da internet e da mobilidade ao trabalho educacional.
Utilizar as tecnologias não significa prescindir das demais ferramentas e formas de ensinar. Inserir estes recursos de forma a compor com aqueles que já existiam anteriormente é um desafio que se impõe e que se relaciona a uma mudança de cultura, estrutura operacional e adequação de todos os usuários relacionados a tais alterações.
Equipar as escolas é o desafio mais fácil e imediato. Os demais, relativos a mudança cultural são maiores pois estamos lidando com uma situação de transição na qual temos jovens professores, mais antenados com os recursos tecnológicos disponíveis porém distantes de práticas passadas que são ricas e interessantes, não podendo as escolas prescindir das mesmas; e professores que são migrantes digitais, cuja formação não passou pelo estudo prévio destas novas tecnologias, ou seja, que estão aprendendo enquanto as aulas acontecem, e todos sabem o quanto isso é difícil e complicado numa realidade de tantas aulas, provas para corrigir, reuniões pedagógicas...
É certo, no entanto, que o impacto das novas tecnologias que estão adentrando as salas de aula em todo o mundo, assim como suas possibilidades, nos permitem prever ganhos consideráveis, que já estão sendo percebidos e incorporados ao cotidiano de docentes e estudantes, assim como de toda a sociedade. A visão dos entrevistados quanto a isso é correta. O que não pode deixar ser feita é a lição de casa pelas autoridades, gestores escolares, professores, alunos e pais no sentido de trabalhar fortemente em prol de uma integração planejada e inteligente da internet e de todos os recursos de tecnologia a educação.
# Artigo: Um filósofo no comando do ministério da Educação