A Semana - Opiniões
Um filósofo no comando do ministério da Educação
João Luís de Almeida Machado
“Sócrates – Sendo assim, filósofo, irascível, ágil e forte será aquele que destinamos a tornar-se um bom guardião da cidade.” (PLATÃO. A República. Disponível em www.portalfil.ufsc.br/republica.pdf. Pág. 75. Acesso em 05 abr 2015.)
Platão, o célebre pensador grego, em seus escritos, defendeu a ideia de que o estado poderia ser comparado ao corpo humano. Assim sendo, nesta analogia, os componentes deste corpo, seriam representados socialmente por seus integrantes. O povo, por exemplo, seria representado pelos membros, as pernas e braços, tendo em vista que realizam a produção e compõem, desta maneira, a base da sociedade. O tronco seria composto por todos aqueles que auxiliam na defesa e organização do estado, como os soldados e os funcionários públicos. Caberia aos pensadores, aos filósofos, portanto, a grande responsabilidade da gestão de todos e dos vários interesses contidos no corpo social.
A capacidade de pensar, articular este pensamento, transformá-lo em ação e executar de forma justa, sem se deixar corromper por interesses particulares ou de pequenos grupos, sendo, portanto, hábil para o exercício de ações de governo imparciais, nas quais impere o expediente da lei e o interesse público, a despeito de qualquer fator, seria portanto uma premissa ou uma qualidade inerente aos que conseguem realizar o pensamento em mais alto grau.
Os filósofos na visão de Platão seriam, de acordo com esta ponderação, infalíveis?
Não, não é isso. A falibilidade é algo que nos acompanha independentemente do grau de preparo do ser humano. Assim como a elaboração do pensamento em nível mais elevado não se circunscreve a alguns poucos abençoados que nascem neste mundo dos homens.
Erram aqueles que sabem pouco, com maior frequência, pela falta de instrumentos que os dotem para o acerto. Erram aqueles que sabem muito, ainda que com menor frequência, por seus estudos e saberes mais avançados, muitas vezes derrotados por sua soberba.
Podem exercer o pensamento em alto nível todos aqueles que tiverem oportunidade de estudar, de buscar o conhecimento e de ao tomar ciência dos saberes, não se limitarem simplesmente a acumular tais informações, mas sim, que questionem e aperfeiçoem o que lhes foi permitido conhecer em prol de um mundo melhor, estejam onde estiverem.
A educação é, portanto, neste mundo em que vivemos, um divisor de águas, ao ser ofertada em quantidade e qualidade reconhecidamente suficiente e boa, que permite a todo e qualquer ser humano o exercício do conhecimento em seu mais alto grau em seu benefício e de todos os demais homens e mulheres com os quais convive, quiçá, de toda a humanidade.
Os filósofos de Platão, modernamente não mais se limitam a esta categoria profissional, estando hoje em diferentes áreas do conhecimento a atuar com seu intelecto e capacidade de realização e transformação social.
A posse de Renato Janine Ribeiro como ministro da educação no Brasil constitui, porém, simbolismo precioso para se destacar o quanto o preparo intelectual, a atividade docente, a capacidade de pesquisa reconhecida e o trabalho em esferas públicas em diferentes funções, daquelas relacionadas mais diretamente as funções de mestre a frente de uma sala de aula até a atuação como gestor em diferentes esferas e realizações, inclusive no próprio MEC, antes de tornar-se ministro, podem referendar Platão em seus escritos produzidos na Atenas Clássica, antes de Cristo.
Autor de vários livros e artigos, professor titular na Universidade de São Paulo, na cadeira de Ética e Filosofia Política, doutor pela própria USP, mestre pela prestigiada universidade Sorbonne da França, premiado com altas comendas (como a Ordem Nacional do Mérito Científico e a Ordem de Rio Branco, além de já ter ganhado o Prêmio Jabuti, maior reconhecimento literário nacional), o professor Renato Janine Ribeiro chega a ministro respaldado por formação sólida e reconhecida no Brasil e no exterior.
Entre suas realizações além da docência e da pesquisa, há trabalhos realizados para a televisão (telecurso e TV Futura) como idealizador e apresentador de conteúdos por ele redigidos, atuou nos conselhos da SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), no Instituto de Estudos Avançados da USP, na FIESP e no CNPq, além de ter trabalhado no próprio MEC, como diretor de avaliação na Capes.
Não lhe faltam, portanto, atributos acadêmicos, experiência em gestão e, além de tudo, conhecimento dos meandros políticos brasileiros, assunto a respeito do qual, como professor e pesquisador na área de filosofia política e ética, é profundo conhecedor.
Acima de tudo, o professor Renato Janine Ribeiro, destaca-se por seus indissolúveis laços com o pensamento democrático, a cultura de ensejo à ciência e pesquisa, a atualidade quanto ao conhecimento da educação nacional e o compromisso com a ética.
Num país como o Brasil, abalado por denúncias de corrupção, a comprovar aquilo que Platão escreveu em “A República” tantos séculos atrás, quanto à necessidade de contarmos com homens que coloquem diante de si mesmos os interesses públicos quando no exercício das funções de governo, agindo como estadistas e não apenas como políticos, a ida de Renato Janine para o MEC pode ser um grande alento.
Cientes devemos estar que, nos meandros da política nacional, como se diz entre o povo, “uma andorinha não faz verão”, ou seja, que será preciso muito mais que bons projetos e intenções para consolidar uma política efetiva em prol da educação nacional.
Mas ainda na seara do pensamento popular, podemos pensar que do mesmo modo como uma maçã podre pode estragar as demais que estão no balaio, talvez os bons frutos trazidos por um filósofo no comando do Ministério da Educação possam reverter nas esperadas e necessárias políticas públicas que confiram melhores dias ao ensino no país.
Paulo Freire, nosso maior educador, já dizia que “se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda”.
O desafio que se encontra a frente do novo ministro não é pequeno, pelo contrário, ainda bebendo das águas da sabedoria grega antiga, seria possível dizer que ele tem diante de si desafios maiores que aqueles que foram lançados para Hércules.
Criar um currículo nacional, valorizar o magistério, revitalizar os cursos de formação de professores, equipar as escolas nacionais, trabalhar em prol do uso racional e inteligente dos recursos de tecnologia nas escolas brasileiras, dotar as escolas públicas de condições mínimas para o exercício de suas funções, elevar a qualidade da educação no país, equiparar os estados brasileiros quanto ao nível da educação oferecida, levar o Brasil a avanços significativos quanto à educação aqui oferecida em comparação com os líderes dos rankings internacionais... Estes são alguns dos desafios que no momento se apresentam ao novo ministro e sua equipe de trabalho.
Em suas entrevistas nos dias que antecedem sua posse, o novo ministro Renato Janine Ribeiro já deixou claras algumas ideias importantes, como é possível perceber nos depoimentos dados ao jornalista Alberto Dines, para o programa “Observatório da Imprensa” apresentado na TV Brasil:
“Acredito na educação como libertação. Saber não é uma transmissão de conteúdos, não é uma padronização. Penso que um dos pontos importantes é como a gente aproxima isso do mundo da cultura”.
“O mundo da educação é muito mais regulado, porque há cursos, currículos, nota, diploma. Estou fazendo uma esquematização muito simples. O mundo da cultura, você pode ver [o filme] Lincoln, do Spielberg, é uma aula sobre escravagismo e abolição. Aula mesmo seria diferente”.
A aproximação entre educação e cultura, é portanto, a curto e médio prazo, algo que podemos prever para o horizonte da educação brasileira neste novo mandato que se inicia. Já é uma fala diferente e promissora. E que assim sejam a proposta e as realizações para a educação brasileira a partir de agora. Bem-vindo professor Renato Janine Ribeiro, que você seja um ministro exemplar e memorável é o desejo de todos os que torcem pelo Brasil e que percebem o quanto a educação é importante para a realização do sonho de um país melhor, mais justo, próspero e ético.
# Artigo: CONAE 2014 – Alguma coisa se move na Educação Brasileira