A Semana - Opiniões
1/6/2004 - Conversa de Gente Grande
Algumas idéias de Rosely Sayão e Gilberto Dimenstein
Neste final de semana tive a ótima oportunidade de participar de uma palestra em Taubaté (SP), organizada pela escola Jardim das Nações, com a psicóloga, consultora e articulista da Folha de São Paulo (suplemento Equilíbrio), Rosely Sayão. O tema do encontro não poderia ter sido mais pertinente para todos aqueles que se interessam e vivenciam o cotidiano educacional em nosso país, a relação entre a família e a escola.
No domingo, como todas as semanas, tive a chance de ler mais um ponderado e esclarecedor artigo assinado pelo jornalista Gilberto Dimenstein. Mais um assunto dos mais importantes para todas as pessoas que trabalham com educação, a necessidade de atualização e estudo permanente por parte dos professores.
E o que pudemos perceber a partir das colocações desses renomados e prestigiados profissionais?
Primeiramente que a escola precisa, a todo custo, atuar de forma profissional em sua relação com as famílias de seus alunos. Rosely Sayão destacou isso durante praticamente toda a sua apresentação. Dimenstein tem abordado esse assunto, talvez não com a mesma ênfase que pude observar nas falas articuladas e seguras de Rosely, mas certamente com a pertinência e a sabedoria das pessoas que pausadamente conseguem fazer seu pensamento fluir e atingir os objetivos desejados, utilizando-se de suas colunas no jornal e dos projetos educacionais nos quais está engajado.
E o que queremos dizer ao falar em profissionalismo na educação?
De acordo com o depoimento da articulista da Folha Equilíbrio, a escola tem que definir seus projetos pedagógicos e articular o discurso e a prática, mostrando a partir de suas ações (coerentes com os posicionamentos e propostas de planejamento) que sabe aonde quer chegar, que elementos pretende utilizar para atingir seus objetivos, os motivos que determinaram a escolha de sua filosofia de trabalho e que seu corpo docente está atuando de forma a implementar tal proposta.
A utilização de recursos como computadores, televisão, vídeo, internet ou qualquer outra
novidade tecnológica depende de atualização, leitura e aperfeiçoamento por parte dos professores.
Não deve haver abertura para que os pais tentem imputar ao projeto pedagógico o seu “saber pedagógico”, associado quase sempre a suas experiências anteriores como estudantes, mesmo que isso tenha ocorrido a 20, 30 ou 40 anos atrás e que, certamente, a clientela, a realidade e o contexto sejam completamente diferentes. Devemos ser taxativos nessa colocação, fechando as portas das escolas aos pais? Não, o acompanhamento e a parceria dos progenitores com as escolas são fundamentais, entretanto, isso não significa que deve haver intromissões paternas ou maternas no delineamento dos planos e projetos pensados por especialistas em educação.
Os pais têm que entender que, assim como eles são profissionais em determinados setores (advogados, dentistas, médicos, engenheiros, nutricionistas, psicólogos,...) e que atuam com o apoio de outros especialistas em seus setores profissionais, não abrindo oportunidades para que pessoas que não possuem conhecimento específico opinem quanto à construção de um prédio, a medicação de um paciente ou a defesa de um réu num tribunal, também os educadores têm acesso a conhecimentos que os tornam (ou deveriam) as pessoas mais habilitadas para cuidar da educação de seus filhos.
Rosely Sayão referia-se justamente a necessidade de reconhecimento por parte dos próprios professores da sua qualificação profissional especializada e, da necessidade de posterior transmissão dessa certeza para os pais.
Esse é um ponto de confluência com as ponderações de Dimenstein em seu artigo dominical da Folha. Ao conclamar os professores a uma salutar e fundamental atualização, a ser feita com novos cursos, leituras, visitas a museus, idas ao teatro, navegação na internet ou novos filmes a serem vistos, destaca-se a importância para o profissional da educação da renovação de seu estoque de recursos, informações e percursos para a plena confecção de suas aulas, cursos, palestras e conferências. Dá para concluir que o tão almejado profissionalismo não pode surgir sem a atualização.
E que motivos levaram Dimenstein a refletir a respeito desse assunto senão a constatação, através de pesquisa divulgada na semana passada, em que se traça um perfil aproximado da realidade de nossos professores. Poucos são aqueles que buscam novas informações através de cursos, livros, filmes, internet ou jornais e revistas. Os índices são desanimadores...
Outro aspecto marcante da palestra proferida pela psicóloga Rosely Sayão foi à defesa enfática da necessidade de uma educação que legue a seus alunos a capacidade de pensar criticamente o mundo em que estão inseridos. Não mais a mera repetição de conceitos ou fórmulas. Chega de alunos que tem que apenas memorizar cálculos, datas históricas, afluentes da margem direita do rio Amazonas, leis da física,...
A escola tem que propor aos alunos desafios, tem que ser estimulante, tem que gerar expectativas e promover descobertas. O aluno tem que se sentir provocado a pensar, a construir seu conhecimento, a atuar de forma autônoma.
Não é isso que o mercado de trabalho está esperando? Ou será que os apertadores de botões, repetidores de movimentos em linhas de produção ao estilo dos “Tempos Modernos” de Chaplin ainda constituem a demanda principal das empresas do século XXI?
A escola que produz “apertadores de parafusos” está fadada ao fracasso,
assim como os estudantes que nela se formarem.
Se os professores não acompanharem as mudanças que acontecem no mundo ao seu redor, muito provavelmente se tornarão obsoletos e não conseguirão atender as necessidades de seus alunos e da comunidade. Isso, de certa forma, explica porque a escola tem sido um pesado fardo a ser carregado pelos estudantes, justamente pelo fato dos professores estarem defasados na corrida contra o tempo, a favor de uma atualização de conhecimentos e práticas de trabalho.
Novamente vemos o encontro entre as reflexões desenvolvidas por Sayão e Dimenstein.
O autêntico profissional da educação consegue atingir os estudantes por estar acompanhando as transformações, informando-se em tempo real, participando de cursos de atualização, lendo os mais recentes lançamentos relacionados à pedagogia, incorporando práticas que estimulem e provoquem seus alunos a pensar...
Rosely Sayão complementou suas colocações acerca da relação entre escola e pais dizendo que o papel da escola na formação das crianças e jovens se refere à necessidade de integração dos estudantes ao meio social, compartilhando experiências que permitam aos mesmos entender a necessidade de respeitar as regras e os demais indivíduos para que o mesmo aconteça em relação aos próprios sujeitos.
A família, por outro lado, tem como responsabilidade à formação ética, moral e mesmo espiritual do indivíduo. Tem que trabalhar a noção de limites e responsabilidades, de deveres e direitos, cada família para seus próprios filhos e procurando respeitar as diferenças que existam entre essas crianças (ou jovens). Até mesmo porque em cada casa há uma história específica, tradições e costumes particulares, um mundo próprio de referências que dão o suporte fundamental para as famílias e são retransmitidos geração após geração. E estas referências nunca são as mesmas de um endereço para outro...
Como bem disse Rosely praticamente finalizando sua reflexão e seu diálogo com a platéia, o dever maior da escola acaba sendo o de libertar os filhos dos pais. Como poderemos conseguir isso se as inferências dos progenitores continuarem atentando contra o projeto pedagógico e a profissionalização das escolas? De que modo poderemos efetivar uma real profissionalização se o nível dos educadores se mantiver tão baixo como auferido no perfil dos professores denunciado por Dimenstein?