A Semana - Opiniões
17/5/2004 - O sistema de cotas das universidades federais
Você é contra ou a favor?
Semana passada fui questionado várias vezes a respeito do sistema de cotas criado pelo governo e enviado para aprovação pelo Congresso que define que 50% das vagas das universidades federais devem ser reservadas para alunos provenientes de escolas públicas.
Antes de emitir qualquer opinião a respeito era comum ouvir os argumentos das pessoas que faziam as perguntas, o que me fez saber, por exemplo, que na opinião de alguns a criação das cotas prejudica os alunos da rede privada, que agora terão menos vagas a disputar nos já concorridíssimos exames das federais; outras pessoas disseram que o estabelecimento das cotas tentava reparar as injustiças de uma escolarização desnivelada e desigual, onde os alunos de escolas particulares e cursinhos entram com ampla vantagem na concorrência pelas vagas federais; alguns se mostravam confusos em relação a esse novo sistema de cotas proposto e aquele que reserva vagas para negros nas universidades.
O primeiro passo a ser dado antes de emitir qualquer opinião a respeito desse assunto é verificar qual é a proposta governamental, por isso, nada melhor do que verificar o que foi publicado na imprensa. Podemos ter uma idéia com as informações veiculadas em dois respeitados órgãos noticiosos:
Segundo a Folha de São Paulo, em sua versão online, de 14 de Maio de 2004, intitulada “Projeto cria cotas em universidades federais”, o governo federal “... anunciou oficialmente ontem, dentro de um pacote de medidas, o projeto de lei que reserva 50% das vagas das instituições federais de educação superior para alunos que tenham cursado integralmente o ensino médio em escolas públicas. Entre essas vagas, estarão cotas para negros e índios...”.
Quando a qualidade das escolas públicas for equivalente a das escolas particulares
não serão necessários sistemas de cotas.
O site da revista Veja nos informa em seu artigo “Lula reservará 60.000 vagas” que “O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse em reunião do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES) que vai encaminhar ao Congresso dois projetos de lei voltados para os estudantes de escolas públicas de famílias de renda baixa. Um é o programa Universidade para Todos, em que o governo vai criar alternativas para que os jovens de menor renda possam ter acesso gratuito ao ensino superior. As universidades e faculdades privadas passarão a oferecer vagas gratuitas para estudantes e professores da rede pública que ainda não têm curso superior. O segundo projeto é o sistema de reserva de vagas, que garante metade das vagas, cerca de 60.000, das faculdades e universidades federais a alunos que concluíram o ensino médio na rede pública”.
Aprofundando a leitura desses artigos e também de outros publicados por prestigiados diários nacionais, ficamos sabendo que “as duas medidas serão encaminhadas ao Congresso na forma de projeto de lei”. Isso significa que só entrarão em vigor depois de discutidas e aprovadas por deputados e senadores e, numa etapa posterior, sancionadas pelo presidente da república.
Ao olharmos mais atentamente, descobrimos que as cotas também destinarão uma determinada quantidade de vagas para negros, proporcional a quantidade de afro-descendentes calculada para cada estado da união de acordo com os dados do IBGE (estados onde a população negra é mais numerosa, como a Bahia, terão uma maior quantidade de vagas reservadas aos negros; onde a incidência é menor, como nos estados do sul do país, o índice percentual é menor).
Indo um pouco além, percebemos que o governo não pretende apenas maior justiça no ensino superior com a concessão de metade das vagas das federais sendo destinadas a alunos da rede pública, mas também abrindo oportunidades nas faculdades e universidades privadas através do “Programa Universidade para Todos” (Prouni).
Novas metodologias, maior incentivo à participação dos alunos e maior envolvimento
da comunidade na escola, elementos fundamentais para uma educação mais qualificada.
Ao falarmos em “maior justiça no ensino superior”, estamos nos referindo ao fato de que o acesso às universidades públicas, ao depender dos exames vestibulares, demonstra o desnível entre a educação realizada pelas redes pública e privada. Não é necessário fazer pesquisa aprofundada sobre o assunto, basta levantar alguns dados para perceber como se trata de uma disputa entre um carro de fórmula um e um automóvel de passeio.
Para entender melhor esse desnível é só fazer um levantamento de quantos laboratórios científicos equipados ou quantos computadores estão disponíveis em escolas públicas e em instituições privadas de ensino. Outros dados significativos dessa discrepância aparecem quando descobrimos quantas escolas públicas tem bibliotecas e ficamos sabendo que esse percentual é muito mais baixo que o das escolas particulares.
Além das instalações e recursos materiais, vale salientar que as escolas particulares, por serem pagas têm uma vigilância (um monitoramento ou acompanhamento) mais constante por parte dos pais quanto à qualidade das aulas e o nível dos professores. Infelizmente falta ao brasileiro uma maior consciência que lhe permita perceber que os custos da escola pública saem de seu bolso e que, conseqüentemente, deveria haver uma maior fiscalização da qualidade da educação que está sendo dada a seus filhos, sobrinhos ou netos.
Essa participação da comunidade é essencial para que a escola garanta melhores condições de trabalho, lutando e conseguindo mais verbas, remunerando melhor e estimulando seu corpo docente, ampliando seus laboratórios e conseguindo computadores e internet, ampliando suas bibliotecas e permitindo a atualização dos professores com cursos e palestras.
Computadores e livros, assim como laboratórios e professores bem preparados e
estimulados podem garantir uma escola pública forte e competitiva para os vestibulares.
Quando as escolas públicas chegarem a esse nível em todo o país estaremos mais próximos de uma disputa equilibrada pelas vagas disponibilizadas pelas universidades federais através de seus vestibulares. Ainda existirão lacunas e diferenças, que dependendo das circunstâncias podem ser grandes, entretanto a concorrência se fará mais equilibrada para a maior parte dos estudantes da rede pública.
Resta esperar pela aprovação do Congresso (ou pelas ressalvas surgidas de sua interpretação do projeto enviado pelo Executivo) e torcer para que as diminuam as resistências dos donos de universidades privadas ao Prouni (Programa Universidade para Todos). Isso depende, é claro, de acordos e conchavos que lhes permitam abrir essas vagas a alunos carentes tendo um ressarcimento dado pelo governo, mesmo que mínimo em termos de valores, suficiente para dar-lhes condições de manter o funcionamento de seus cursos e ganhar algum dinheiro ao trabalhar com salas de aula cheias...
Se já tivéssemos uma educação pública nivelada com a privada, estaríamos isentos de uma discussão acerca do regime de cotas... Espero sinceramente que um dia cheguemos lá...