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A Verdade Está Lá Fora
Wanda Camargo

Foto de Wanda Camargo, autora do artigo. Na década de 1990, um seriado de ficção científica, com o mote “A verdade está lá fora”, propunha abertura para possibilidades que não pertenceriam ao usual, ao comum e ao esperado, mas trazia o risco de ser interpretado como “A verdade só está lá fora”, afastando o foco de observação do que pudesse estar mais próximo.

Hoje, parece haver uma procura de milhões de pessoas por alguma coisa fora das proximidades, quase todos concentrados em seus smartphones, iPads e outros equipamentos.

Na maior parte dos casos, não estarão simplesmente se comunicando, acessando dados, fotografando algo ou mesmo envolvidos em algum jogo, parecem estar buscando identidade, transcendência, isolamento.

Pessoas que estão fisicamente juntas, falando ou “teclando” o tempo inteiro com outros interlocutores que estão distantes, ao se separarem provavelmente se conectarão, e terão a conversa que não tiveram pessoalmente, como se a única forma aceitável de comunicação fosse aquela que passa pela web, ficando cada vez mais difícil separar fato e ficção, como se a realidade passasse a existir apenas no espaço virtual.

As fantasias, em certa medida, são necessárias ao ser humano, muito da melhor arte foi feito por causa delas - e da pior também, mas não podemos viver apenas em uma realidade isolada dos fatos, restrita à nossa vontade e que nos torna autorreferentes.

Vemos mais algumas figuras midiáticas que a maior parte de nossos familiares, nutrindo por elas estima e admiração, pois delas só vemos o melhor: estão sempre bem-vestidas, penteadas, maquiadas, charmosas.

Mesmo seus eventuais destemperos são interessantes, mostram sua “humanidade” e as trazem para mais perto.

Algumas delas nos tratam com intimidade, compartilham conosco suas salas, nos trazem notícias e pessoas que colorem nossa vida.

São sinceras e acolhedoras como nunca pareceram ser nossos familiares ou colegas.

Cientistas sociais e especialistas em aprendizagem normalmente discordam da inalterabilidade do passado, pois, aparentemente, a cada lembrança avançamos na compreensão, reinscrevendo os fatos, situando-os e adaptando-os a uma nova maturidade.

Ou seja, o acontecido não seria imutável, na medida em que os contornos tornam-se difusos, a memória o reconstitui por intermédio dos novos conhecimentos, alterando o anteriormente definido.

Assim, é que “o tempo é o melhor remédio”, na medida em que nos tornamos mais conscientes dos fatores intervenientes, e podemos compreender melhor até os motivos de nossos eventuais inimigos.

Num momento em que o passado está presente, pois tudo está registrado na nuvem e todo acontecimento (mesmo os mais banais) gravado no YouTube, como conseguir aprender, esmaecer e amadurecer?

Como distinguir o perene do provisório? Como separar o real do simbólico?

Nunca fotografamos tanto e fomos tão fotografados.

Deixamos de olhar com atenção ao que nunca mais poderá ser visto, pois simplesmente preferimos o registrar através de aparelhos para montar o acervo daquilo que, um dia, de posse de todo o tempo que nunca usufruímos, veremos como passado, e não como presente.

Rodeados de câmaras nas ruas, lojas, pátios, somos parte do espetáculo, embora ainda pretendamos privacidade.

Pessoas com mais idade e estrangeiros digitais parecem não ter muita utilidade em nosso mundo wireless. Em sala de aula, o professor compete com o Google, e sempre parece saber menos.

O problema de separar do real conhecimento simples dados e um grande volume de informações não é compartilhado apenas por adolescentes, pois adultos têm embaraços para entender a verdadeira função de um bom orientador.

A concretude do virtual pode tornar nossa existência mais cômoda no lazer, no estudo e no trabalho; mas necessita reflexão sobre a quase impossibilidade de distinguirmos exatamente a realidade de sua representação.

Wanda Camargo é educadora e presidente da Comissão do Processo Seletivo das Faculdades Integradas do Brasil – UniBrasil.

Avaliação deste Artigo: 5 estrelas