Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

27/4/2004 - As Lições de um Campeão
10 anos sem Ayrton Senna

Fórmula-um

Lembro-me, com clareza de detalhes, do dia em que Ayrton Senna da Silva morreu pilotando um carro de fórmula um no circuito de Ímola, na Itália. O mais interessante de tudo é que, excepcionalmente naquele domingo, dia “sagrado” para todos os brasileiros fãs do automobilismo em função das qualidades indiscutíveis de nosso “Pelé” das quatro rodas, não assisti a corrida. Na verdade nem podia, pois estava num retiro espiritual onde não tínhamos (propositalmente) a companhia da televisão.

Só ficamos sabendo do ocorrido quando no final do dia, prestes a retornar para casa, reencontramos nossos parentes e amigos. Com enorme pesar, enlutados como se tivessem perdido um parente próximo, eles nos contaram emocionados da tragédia daquele 1º de Maio de 1994. Dava para ver muitas pessoas com lágrimas nos olhos, mal acreditando no que tinham acabado de escutar. Eu e minha esposa estávamos entre essas pessoas...

A televisão, ao chegarmos em casa, entoava a todo o momento o tema da vitória e reprisava momentos da carreira vitoriosa de Ayrton alternados com as cenas do acidente. Celebridades davam depoimentos em que se mostravam tristes e confusos com a prematura perda de um autêntico ídolo nacional. A música de Milton Nascimento parecia expressar um pouco daquilo que todos nós sentíamos naquele momento: “Amigo é coisa pra se guardar, debaixo de sete chaves, dentro do coração, Assim falava à canção que a América ouviu...”.

Senna era o amigo de todos os domingos, aquele sujeito que nos fazia sentir verdadeiro orgulho de ser brasileiro ao empunhar vitorioso, ao final das corridas, as cores da bandeira brasileira na volta de comemoração de seus brilhantes resultados na fórmula um. Parecia íntimo de cada um de nós pela quantidade de vezes que podíamos vê-lo anualmente na televisão, nos jornais ou nas revistas dando entrevistas, falando de sua paixão pelo esporte, pela vida e pelo Brasil.

Ayrton-Senna

Tive a chance de estar muito perto dele quando ele ainda nem era piloto de fórmula um, fazendo seus primeiros testes para ingressar no mais seleto dos clubes automobilísticos, onde não seria apenas mais um piloto, mas certamente um dos melhores de todos os tempos. Tudo aquilo que se veria na mídia nos anos seguintes estava ali, diante de meus olhos de adolescente (isso aconteceu em 1983, quando eu tinha apenas 15 anos). Ayrton transpirava simplicidade, se mostrava solicito com as poucas pessoas que falavam com ele (ainda era um piloto pouco conhecido), parecia tímido e tinha aquele ar circunspecto, pensativo.

Estenderíamos esse convívio pelos próximos 11 anos através da televisão, com as corridas de todo o domingo. Infelizmente não me apresentei e pedi um autógrafo. Nunca mais tive outra oportunidade de estar próximo daquele que se tornaria um dos maiores esportistas desse país, um verdadeiro ídolo para muitos, inclusive para mim.

Desse intercâmbio através da mídia muitos de nós, brasileiros aprendemos a respeitar e admirar o piloto e o homem.

Senna se tornou um campeão às custas de um enorme esforço, desprendimento, dedicação e disciplina. Essas características são parte de seu legado para toda uma geração de brasileiros. Através delas descobrimos que para vencer em qualquer atividade, seja esta esportiva ou profissional, devemos necessariamente nos dedicar com afinco e não ter medo de enfrentar os limites estabelecidos anteriormente para aquele ramo de atuação.

Senna-em-corrida

Quando acelerava seus potentes bólidos a velocidades incríveis, Senna não se mostrava reticente nem diante de obstáculos que para muitos outros pilotos (inclusive para outros campeões mundiais) eram intransponíveis. Suas corridas na chuva, com pista muito molhada, são exemplo clássico de toda a sua ousadia nesse aspecto.

O esforço ao qual nos referimos acabava fazendo com que Ayrton sentisse dores musculares intensas depois das corridas, como num Grande Prêmio Brasil em que mal conseguia sustentar o peso do troféu de primeiro colocado. E o mais impressionante de tudo isso é lembrar que ele fazia uma rígida preparação física, assessorado por um dos mais notáveis profissionais do ramo, o professor Nuno Cobra.

A disciplina do piloto podia ser sentida nos períodos de testes, na preparação física, no cumprimento de sua extensa agenda, na realização de seus compromissos publicitários ou mesmo durante os treinos qualificatórios. Em todos esses momentos Senna se mostrava compromissado, procurando sempre fazer o seu melhor, apesar do stress e do cansaço que muitas vezes devia sentir.

Não bastassem todas essas qualidades, Ayrton Senna ainda alimentava o sonho de ajudar pessoas que, diferentemente dele, não tiveram tantas oportunidades em suas vidas. Era ainda embrionário seu sonho, apesar de algumas ações já desenvolvidas de auxílio e solidariedade, entretanto estava surgindo em sua cabeça um dos maiores e mais respeitados projetos de apoio social de nosso país, conhecido como Instituto Ayrton Senna.

Imagem-do-Instituto-Senna

Consolidado depois de sua morte a partir da ação perene e decidida de sua irmã, Viviane Senna, o Instituto auxilia de diversas formas, todos os anos, milhares de crianças. A imagem de Senna permite a arrecadação de recursos que, investidos no Instituto, viabilizam alimentação, educação, esporte e arte para muitos brasileirinhos.

Senna permanece vivo em cada um deles, em seus sorrisos e em seu progresso pessoal, que alimenta o sonho de um Brasil melhor, mais justo e, principalmente, vitorioso como o maior piloto de todos os tempos...

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