Educação Inclusiva e Formação Docente
Sonia Maria Rodrigues
No processo de implantação da política
de educação inclusiva no Brasil, são
muitos os desafios encontrados, mas a falta de preparo dos professores
e professoras ganha destaque quando o tema é abordado.
O reconhecimento de dificuldades na formação
docente para a educação inclusiva deve ser
não uma justificativa para os fracassos, mas um motor para a
construção de experiências
bem-sucedidas, nas quais a educação é
de qualidade e verdadeiramente para todos.
A partir da aceitação da matrícula de
pessoas que apresentam necessidades educacionais especiais (decorrentes
de deficiências e transtornos globais do desenvolvimento) nas
redes de ensino, depara-se com a realidade de muitos docentes que se
sentem confusos, despreparados e incapazes para acolher esses alunos e,
sobretudo, para trabalhar com propostas
didático-pedagógicas que atendam às
necessidades, expectativas e demandas próprias de cada um
desses sujeitos da educação.
Pressupõe-se, para o sucesso da escola inclusiva, a
exigência de mudanças radicais nas suas estruturas
físicas, materiais e de pessoal em seu projeto
pedagógico e gestão administrativa (MANTOAN,
2001).
Assim, é possível perceber que o paradigma da
inclusão pressupõe uma escola
democrática, com respeito ao tempo do aluno, com a
aprendizagem como centro e o estímulo ao trabalho coletivo,
participativo.
No entanto, que tipo de formação atenderia ao
apelo dos professores que se sentem despreparados e desamparados no
atendimento dos alunos com necessidades especiais?
Quais os saberes necessários para educar a todos?
Quais as diretrizes para a formação inicial e a
formação continuada na perspectiva da
educação inclusiva?
Na Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1996, no Artigo 59, inciso III,
ao definir o que os sistemas de ensino devem assegurar aos alunos com
necessidades especiais, é apontada uma diretriz para a
formação dos professores: “professores
com especialização adequada em nível
médio ou superior, para atendimento especializado, bem como
professores do ensino regular, capacitados para a
integração desses educandos nas classes
comuns” (BRASIL, 1996).
Aparece uma diferenciação entre professores com
especialização para os atendimentos
especializados e professores capacitados para atuarem nas classes
comuns das escolas regulares.
Acompanhando o que está posto na LDB, o documento
“Diretrizes Nacionais para a Educação
Especial na Educação
Básica”, de 2001 (BRASIL, 2001), traz uma
definição mais detalhada dos termos professores
capacitados e professores especializados e as competências de
cada um.
Os professores capacitados, para serem assim denominados, devem ter uma
disciplina na sua formação inicial a respeito da
educação especial e
educação inclusiva, e adquirirem
competências para perceber as necessidades educacionais
especiais dos alunos e flexibilizar a ação
pedagógica para atender as suas necessidades.
Mas estas não são tarefas simples.
Uma disciplina nos cursos de formação de
professores que aborde as questões relativas à
educação especial e
educação inclusiva não dá
conta da complexidade e da abrangência dos temas.
Nesse caso, podemos falar de informação, mas
não de formação.
A formação dos professores especializados, os que
vão trabalhar nos atendimentos educacionais especializados e
atender diretamente as especificidades dos alunos com
deficiências, transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação, deve acontecer em
cursos específicos.
Esses profissionais também devem apoiar aos professores das
escolas regulares que tiverem alunos com necessidades educacionais
especiais em suas salas de aula.
E quanto à formação continuada dos
profissionais que estão recebendo em suas salas de aula os
alunos com necessidades educacionais especiais?
Quais os caminhos, as possibilidades de uma
formação que ajudem a dar conta da realidade
atual?
A parceria entre universidades e escolas públicas e privadas
seria um bom começo.
Não no sentido de a universidade trazer um conhecimento,
mantendo o costume de verticalizar ações junto
aos docentes em formação, mas na vertente de
trabalhar junto às instituições
escolares as possibilidades de construir um saber a respeito do
processo de implementação da política
de educação inclusiva nas escolas.
Como as escolas podem receber, acolher, conhecer e planejar o
atendimento das necessidades educacionais especiais dos alunos?
Mas essa é por excelência uma
ação coletiva.
Cada seguimento da escola precisa reconhecer seu papel na
efetivação da inclusão e pensar em
ações que possam facilitar o processo de
inclusão.
Após a matrícula, o que pode ser feito para
receber o aluno, conhecê-lo e traçar caminhos para
sua adaptação e inserção
real na dinâmica da escola.
O conhecimento a respeito dos tipos de deficiências,
transtornos globais do desenvolvimento e altas
habilidades/superdotação com a
conceituação, características e
possibilidades de trabalho pedagógico, pode ser de grande
valia aos profissionais da educação, mas
é necessário que se considere sempre a
dimensão do sujeito que apresenta essas
diferenças.
Assim, a discussão de casos e a
socialização de experiências
bem-sucedidas no coletivo da escola também podem ser uma
ferramenta de grande ajuda para toda a comunidade escolar.
Para finalizar, é preciso reconhecer que o Brasil tem uma
base de sustentação legal que deveria contribuir
para que as mudanças educacionais acontecessem num processo
crescente de introdução de novos conhecimentos e
novas práticas.
Mas algumas questões dificultam a
realização do sonho da inclusão:
1.
Nas universidades, a
temática da educação das pessoas com
necessidades especiais ainda não é incorporada
como uma discussão geral. A formação
inicial se resume a uma disciplina que não consegue atender
à complexidade do tema, e a formação
continuada precisa ser discutida e aliada a ações
de pesquisas e extensão.
2.
Os alunos com necessidades
especiais não são considerados, nas escolas, como
alunos e sim como problemas que chegam. O foco no déficit,
na falta e na impossibilidade precisa ser vencido e
desconstruído para que essas pessoas assumam seus lugares de
alunos, de sujeitos capazes de aprender.
3.
O poder público,
nos âmbitos federal, estadual e municipal, precisa vencer a
etapa das intenções e passar às
ações. Investimentos nas mudanças
físicas das escolas, aquisição de
materiais, contratação de professores
especializados e formação dos professores em
serviço necessitam acontecer em caráter de
urgência.
Essas são apenas algumas situações que
precisam de atenção para que a
educação inclusiva não seja uma
proposta irreal e sem possibilidades de se concretizar.
O que vemos é uma política pública com
um discurso muito diferente da prática.
Essa situação de divergências e
conflitos pode levar ao malogro de uma proposta democrática
e justa e à ideia de uma escola que não exclui,
que aceita, atende e respeita a todos.
Mudanças no campo da formação docente
para a educação inclusiva podem contribuir de
maneira significativa para que as mudanças nas escolas
aconteçam de fato, além de que
experiências bem-sucedidas não sejam mais
exceções no nosso cenário educacional,
mas sim a norma de uma educação
democrática.
Referências
BRASIL. Ministério da Educação. Lei
9394, de 23 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da
Educação Nacional. Brasília, 1996.
BRASIL. Conselho Nacional de Educação.
Resolução nº2, de 11 de setembro de
2001. Institui as Diretrizes Nacionais para a
Educação Especial na
Educação Básica.
MANTOAN, Maria Teresa Eglér. Pensando e Fazendo
Educação de Qualidade. São Paulo:
Moderna, 2001.
Sonia
Maria Rodrigues é
professora do Curso de Pedagogia da Universidade do Estado de Minas
Gerais – UEMG/CBH.
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