Planeta Educação

Diário de Classe

 

A Polêmica das Cotas nas Universidades
Antonio Carlos Lopes

A presidente Dilma Rousseff sancionou, nos últimos dias de agosto, a lei que institui a reserva de 50% das vagas ofertadas em instituições federais de educação superior para estudantes oriundos de escolas públicas.

A lei passa a valer para os próximos vestibulares das federais e também na futura edição do Sistema de Seleção Unificada (Sisu) do Ministério da Educação.

Está prevista para este mês a regulamentação da lei, assim como a definição de cronograma para a adequação das universidades.

Como cidadão, médico, professor, pai de família e diretor da Escola Paulista de Medicina, não me dou por convencido da necessidade de tal obrigatoriedade.

Sendo assim, venho contribuir com reflexões para o aprofundamento do debate.

O compromisso de cidadania é um dever de todos.

Permeia a democracia e representa a nossa obrigação, enquanto cidadãos, com os menos favorecidos.

Trata-se de uma dívida que precisa ser resgatada com aqueles que foram relegados a um segundo plano.

Porém, é necessário cuidado para não violar os princípios básicos e já consagrados.

Estabelecer cotas para o segmento A ou B da população é louvável, desde que se respeite a autonomia universitária.

Outro problema é que essa medida, imposta de cima para baixo, também deixa de contemplar o mérito de cada um dos concorrentes à vaga.

Compreendo que a universidade pública deve trabalhar dentro de um padrão de cotas definido por sua própria comunidade.

Um curso não é igual a outro, assim como uma escola não é igual às demais.

As particularidades têm que ser respeitadas, inclusive levando em consideração a complexidade da formação e o papel que o recém-formado exercerá na sociedade.

A Escola Paulista de Medicina é um bom exemplo de adesão voluntária às cotas.

Garantimos vagas para afrodescendentes, índios e alunos provenientes de escolas públicas há tempos.

Salvo engano, fomos a primeira instituição médica a aderir às ações afirmativas por compreender sua relevância para o combate à exclusão.

É preciso, contudo, que haja flexibilidade.

Volto a frisar que a autonomia deve ser respeitada, sob o risco de adotarmos nova forma de segregação.

Somos altamente favoráveis ao pensamento da presidente Dilma, mas é importante ampliar o debate sobre a questão das cotas.

A princípio, nossa visão é de que elas devem ser destinadas às camadas menos favorecidas.

O fato de ser afrodescendente, estudar em escola pública, ser homem, mulher, ou seja lá o que for, não significa necessariamente que pertence a esta ou àquela faixa social/financeira.

Hoje, cada universidade federal deve adotar um número de cotas estipulado pelo governo.

O que causa, consequentemente, um prejuízo muito grande no qual o mérito não é contemplado.

Estão isentas da obrigatoriedade as escolas estaduais, municipais e particulares, o que gera outra distorção inadmissível.

Esperamos que a sociedade se posicione apoiando as cotas, mas também garanta que o mérito seja respeitado, permitindo indiretamente às escolas médicas a adoção do número de vagas adequado.

A Escola Paulista de Medicina, inclusive, já enviou oficio à Presidência da República salientando os aspectos que devem ser levados em consideração ao se estabelecer uma política rígida como esta.

Devemos nos atentar para o cerne da questão: a qualidade insuficiente das escolas públicas de ensino fundamental e médio no país.

Os jovens oriundos destas instituições deveriam entrar na faculdade sem precisar de cotas.

Para tanto, é essencial investir em professores, na formação e desenvolvimento profissional continuado deles.

Temos de oferecer alimentação e condições ideais de estudo aos alunos, melhorar os recursos didáticos e a estrutura física.

Assim, investindo no ser humano, não serão mais necessárias as cotas em futuro breve.

Enquanto isso, a oportunidade de justiça talvez venha por intermédio das cotas, mas sem ferir a autonomia universitária e a democracia.

Não será na base da força que pagaremos a enorme dívida que temos com os excluídos do Brasil.

Será com sensibilidade, compromisso e humanismo, sob os nobres preceitos do Estado Democrático de Direito.

Antonio Carlos Lopes é presidente da Sociedade Brasileira de Clínica Médica e diretor da Escola Paulista de Medicina.

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