A Semana - Opiniões
29/3/2004 - 40 anos do Golpe de 1964
Ninguém para soprar as velas...
Caminhando e Cantando e seguindo a canção
Somos todos iguais braços dados ou não
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Caminhando e Cantando e seguindo a canção
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora não espera acontecer
Vem, vamos embora que esperar não é saber
Quem sabe faz a hora não espera acontecer
Pelos campos a fome em grandes plantações
Pelas ruas marchando indecisos cordoes
Ainda fazem da flor seu mais forte refrão
E acreditam nas flores vencendo o canhão
Há soldados armados, amados ou não
Quase todos perdidos de armas na mão
Nos quarteis lhes ensinam uma antiga lição
De morrer pela pátria e viver sem razão
Nas escolas, nas ruas, campos, construções
Somos todos soldados armados ou não...
(Pra não dizer que não falei das flores, Geraldo Vandré)
Não se sabe ao certo a data real do nascimento desse filhote. Aqueles que o geraram falam em 31 de março de 1964. Os que foram vitimados por sua fúria dizem que tudo se iniciou num dia primeiro de abril... Soa como um falsete desde o princípio a partir dessa indefinição quanto a sua real data de “nascimento”.
Até mesmo o nome do rebento tem sido alvo de discussões calorosas desde que o mesmo chegou ao mundo. Seus progenitores insistem em chamá-lo de “Revolução”. Seus detratores sempre o nomearam como um “Golpe”. A tendência numa circunstância normal é que prevaleça a opinião dos “pais”. O tempo sedimentou a nomeação dada pelos inimigos...
Passados 40 anos do ocorrido, poucos se atrevem a posicionar-se favoravelmente ao ocorrido. Quase ninguém quer revelar parentesco mesmo que distante em relação ao tal “Golpe”. Quem de alguma forma é identificado com tudo o que aconteceu a partir dos acontecimentos que marcaram o país a partir da virada do mês de março para abril de 1964 se isolam e silenciam sobre aquele passado.
O que foi motivo de orgulho para muitos e de reconhecimento e promoções para tantos outros hoje é motivo de vergonha e reclusão...
Costa e Silva, segundo presidente da ditadura militar brasileira, governou o país de 1967 a 1969,
época de estabelecimento do AI-5, o maior de todos os golpes dados contra as
liberdades democráticas no país (ao fundo o ministro Delfim Neto).
Motivos para tanta apreensão e discrição dos representantes da ditadura há muitos. A começar pelo fechamento do congresso e a cassação dos direitos políticos de diversos parlamentares e políticos da oposição, mesmo daqueles que tinham um perfil conservador. Todos eram vistos como perigosos e tachados de inimigos da ordem. A foice e o martelo eram símbolos atrelados a oposicionistas como Brizola e Miguel Arraes (reconhecidamente ligados a esquerda) tanto quanto para liberais como JK.
Artistas de vanguarda e estudantes também foram duramente perseguidos e obrigados a se exilar para que não morressem ou fossem isolados numa cela do Dops ou do Doi-Codi, órgãos repressores ilegais mantidos pelo estado e pelas forças armadas. Chico Buarque, Caetano Veloso e Gilberto Gil são exemplos de vozes que foram caladas pelo desterro. A UNE (União Nacional dos Estudantes) e a UBES (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas) foram desmanteladas pela “inteligência” militar. Seus principais líderes foram presos e mandados para fora do país.
A educação passou por reformas que pretendiam adequá-la ao modelo tecnicista imposto pelo capitalismo norte-americano a seus aliados latino-americanos. As universidades passaram a ter seus departamentos monitorados por agentes governamentais. Qualquer professor que se atrevesse a usar material subversivo ou que fizesse comentários depreciativos em relação ao governo nacional era preso para interrogatórios.
Muitas pessoas desapareceram nos porões da ditadura. Vítimas da intolerância política que imperava no Brasil dos militares; foram torturados com requintes de crueldade que fizeram com que seus algozes se tornassem “professores” das técnicas que utilizavam em outros países da América do Sul que também vivenciaram a dura realidade de governos ditatoriais (como o Chile, a Argentina e o Uruguai).
O filme “Pra Frente Brasil” apresentou no início dos anos 1980 as primeiras imagens cinematográficas
representativas do período mais difícil da ditadura brasileira, no período de governo do presidente Médici.
Empréstimos vultosos bancaram um crescimento econômico assustador entre 1964 e 1973/74. A economia brasileira praticamente dobrou de tamanho. Os juros baixos pareciam indicar que os militares conseguiriam fazer do Brasil uma potência em poucos anos. A crise mundial do petróleo ocorrida a partir de 1973 provocou alta dos juros e deu início a um processo de recessão que fez com que a década de 1980 fosse identificada como perdida por economistas e estudiosos do caso brasileiro.
A principal consequência dessa política de crescimento totalmente artificial foi que nos tornamos donos de uma das maiores dívidas externas do mundo. O ônus dessa política econômica foi sentido pelas gerações posteriores, vivendo períodos de carestia, estagnação, desemprego, apagões, violência crescente nos grandes centros urbanos,...
Perdemos na economia, na cultura, na educação, nas finanças (comprometidas pelos empréstimos e pelos gastos excessivos com obras faraônicas como a Transamazônica). Perdemos as liberdades democráticas, sacrificadas em nome de uma tal “segurança nacional” ameaçada pelo crescimento do comunismo internacional que jamais chegou a realmente ameaçar as fronteiras nacionais...
Lamarca liderou o MR-8 contra a ditadura. Muitos outros lutaram na clandestinidade e caíram aniquilados pela repressão.
Os custos e repercussões de tamanha insanidade podem ser sentidos até hoje. O Brasil viveu um processo alienante na educação que desmobilizou algumas gerações. Aqueles que resistiram e lutaram movidos por ideais nacionalistas foram mortos pelo regime.
Lideranças democráticas foram sacrificadas ou envelheceram sem que pudessem ter contribuído significativamente para o crescimento do país.
Passamos quase 30 anos amargando insucessos nas artes, sucateadas pela ausência de nossos maiores expoentes, exilados no exterior. Sofremos com a censura que silenciou Glauber Rocha, Geraldo Vandré e até José Mojica Marins (o Zé do Caixão).A paranóia era tamanha que até Chacrinha e Roberto Carlos eram monitorados pelo governo e tinham ficha no DOPS.
No cômputo final de toda essa arbitrariedade com certeza alguém ganhou alguma coisa. Falta fazer essa contabilidade para mandar a conta para eles...
Obs. Para melhor compreender o período vale a pena rever alguns filmes significativos sobre a ditadura como o mencionado “Pra Frente Brasil” (de Roberto Farias), “Lamarca” (de Sérgio Resende) e “O que é isso, Companheiro” (de Bruno Barreto); Além disso, a leitura dos livros do jornalista Elio Gaspari sobre a ditadura militar é fundamental (a trilogia é composta pelos volumes “A Ditadura Envergonhada”, “A Ditadura Escancarada” e “A Ditadura Derrotada”); Além deles, recomendo as obras “Brasil Nunca Mais”, “Os Carbonários” (de Alfredo Sirkis) e “O que é isso, Companheiro?” (de Fernando Gabeira). A revista Veja em sua edição on-line (http://vejaonline.abril.com.br) disponibiliza importante material sobre o período e é passagem obrigatória para quem quer saber mais sobre o assunto.