Planeta Educação

De Olho na História

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Um mundo de Sangue Azul
O Cotidiano da Nobreza Européia nos séculos XVII e XVIII

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O filme “Ligações Perigosas”, do diretor Stephen Frears, estrelado por Michelle Pfeiffer, John Malkovich, Uma Thurman e Glenn Close nos coloca em contato, de forma exemplar, com os hábitos e costumes da nobreza européia dos séculos XVII e XVIII. Contribui para isso o fato de que o filme baseia-se em obra de época escrita por Chordelos de Laclois.

A cena poderia ser facilmente contada por qualquer um dos participantes daquele notável evento:- Homens e mulheres vestidos com roupas extremamente luxuosas, mesas fartamente abastecidas com o que de melhor poderia ser oferecido em qualquer parte do mundo, ornamentos decorando as mesas e todo o ambiente, serviçais se esforçando muito para atender aos pedidos de todos os que participam como alegres convivas dessa elegantérrima festa.

O mestre de cerimônias correndo, alucinadamente, de um lado para o outro verificando se todos os pratos estão prontos e sendo servidos na ordem adequada. Atores e atrizes, músicos, malabaristas e uma grande diversidade de pessoas encarregadas de entreter os convidados se alternam no palco, oferecendo o que de melhor sabem fazer para agradar essa refinada platéia.

As mulheres usam vestidos de seda ou veludo, de acordo com a estação do ano em que essas festas eram organizadas. Por baixo de seus vestidos, armações de metal que sustentam a vestimenta e ainda uma anágua. Roupas de baixo, tão caras e raras entre os populares são comuns no vestuário dessas damas da sociedade. Ornamentos como faixas, colares, braceletes e outras peças em ouro, prata e carregadas de pedras preciosas são também bastante comuns.

Os homens, por sua vez, usam calças que atingem seus joelhos, com os tornozelos sendo cobertos por meias e os pés protegidos por calçados feitos pelos melhores sapateiros das grandes metrópoles européias. Suas camisas, feitas com tecidos nobres, têm cores vistosas e chamativas, além disso, possuem babados e rendas. Por cima de suas camisas, usam casacos leves no verão e pesados no inverno.

Homem-sozinho
Festas e banquetes suntuosos como aquele que é apresentado em “Vatel – Um banquete para o rei”, do diretor Rolland Joffé e estrelado por Gerard Depárdieu e Uma Thurman, eram comuns entre os membros da nobreza e costumavam se prolongar por alguns dias.

Tanto os homens quanto as mulheres utilizam perucas sofisticadas e diferenciadas por penteados e cortes que lhes dêem maior destaque nas festas e jantares para os quais são convidados. As mulheres procuram ainda tirar vantagens de suas medidas corporais para seduzir os homens, por isso, usam corpetes que colocam seus seios em realce e decotes muito ousados.

Algumas das pessoas que participam desse banquete particular não pertencem ao seleto “clube” que organiza e realiza essas grandes festas. Nem mesmo se tivessem ao seu dispor contas bancárias riquíssimas poderiam almejar fazer parte dessa elite. Falta a eles o nome, a tradição familiar, a origem nobre. São apenas cortesãos ou cortesãs em busca de melhores oportunidades junto aos poderosos membros da nobreza européia da Idade Moderna.

Nem mesmo os burgueses, que já haviam conquistado espaço considerável na sociedade graças à prosperidade de seus negócios conseguiam ingressar nesse grupamento social e desfrutar de suas benesses. Alguns, eventualmente, até tentavam fazer isso comprando falsos títulos de nobreza e se tornando nobres de toga. Isso não lhes garantia, entretanto, qualquer consideração ou estima dos verdadeiros membros desse restrito grupo social, a nobreza.

Mesmo entre os nobres autênticos havia diferenciações. Tratavam-se como “primos da cidade” e “primos do campo”, se pudermos utilizar aquela velha fábula dos ratos da cidade e do campo como elemento de comparação. Eram os nobres palacianos, que freqüentavam a corte dos reis de seus países e os nobres provinciais, que continuavam a residir no campo, nas propriedades que vinham sendo passadas de geração para geração dentro de suas próprias famílias.

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A nobreza e o clero eram sustentados pelo 3° Estado (formado pela burguesia e pelo povo), mantinham privilégios e tinham uma vida farta e rica. A ilustração acima satiriza essa situação de exploração ao colocar o camponês como “animal de carga” para nobres e religiosos.

Os nobres se consideravam superiores e desfrutavam de grandes benefícios (como não pagar impostos ou ocupar cargos públicos) em virtude de sua ancestralidade haver conquistado posições de destaque nas cortes dos primeiros reis e rainhas de seus países, auxiliando os monarcas na conquista dos territórios ou na expulsão dos infiéis.

Além disso, os nobres procuravam impor discretamente uma etiqueta que lhes fosse própria e única (através de seus comportamentos, modos de se vestir, entonações de voz, jeito de andar, hábitos regulares,...), sujeita a cópias por parte dos burgueses ou mesmo de outros membros do 3° Estado. Apesar das tentativas (por parte dos demais membros da sociedade) de reproduzir suas práticas e hábitos, a nobreza se considerava inigualável.

A utilização dos modos e maneiras como elemento de diferenciação social era reforçada pelo luxo que caracterizava praticamente todos os momentos da vida desses nobres. Para tanto era essencial que a saúde financeira da família estivesse em ordem, o que, em muitos casos, não era bem o que estava acontecendo em vários países europeus do período moderno. Os casos mais notáveis da decadência econômica dessas grandes e tradicionais famílias de sangue azul estava ocorrendo na França.

Para solucionar os problemas relativos a manutenção de seu status quo perante a comunidade da qual faziam parte, muitos nobres falidos utilizavam-se de seus contatos na corte para conseguir recursos diretamente com o rei, sendo então mantidos ricamente com o auxílio do dinheiro público. Outros, procuravam suporte em familiares que ainda tivessem polpudas rendas provenientes da exploração de seus feudos.

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A construção de grandes palácios, circundados por jardins suntuosos, mantidos por uma grande quantidade de empregados e luxuosamente decorados era importante para manter o prestígio das grandes famílias nobres européias. (Na foto o Palácio de Versalhes).

Como resultado, o rombo nos cofres da França, instados a satisfazer os luxos e toda a sofisticação do modo de vida dessa ociosa nobreza, só aumentava (e muito) a cada novo ano que se encerrava. De tal forma que toda a riqueza e benefícios conquistados nessa época acabaram por promover a bancarrota do estado e a própria falência do mundo que era regido pelos nobres.

Nobres que acabaram, então, cavando sua própria sepultura e definindo a destruição de sua existência em virtude de sua insaciável sede de prazer, riqueza, ostentação e luxo.


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