Planeta Educação

A Semana - Opiniões

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

8/3/2004 - Excessos da Modernidade
Receitas para o stress e a fadiga

Personagem-do-filme-Um-dia-em-furia
No filme "Um dia de Fúria", Michael Douglas interpreta um cidadão comum, consumido pelos excessos da modernidade, alucinado pela correria do dia a dia, que chega a seu limite e explode toda a sua incontida fúria a partir de seu stress.

Aproveito a coluna de ontem, de autoria de Hermano Vianna, intitulada "A sina de ser moderno", publicada pelo caderno Mais, da Folha de São Paulo, para desenvolver algumas reflexões que considero importantes para quem lida com cultura, educação e informação. Para tanto, utilizarei como ponto de apoio outro artigo publicado pela mesma Folha, também no dia 7 de março, de autoria de Gilberto Dimenstein, cujo título é "Você, caro leitor, faz parte do clube dos 20%".

Em sua coluna, Hermano Vianna afirma, ainda no início de sua reflexão que: "...sou cotidianamente bombardeado por tanta coisa boa que não tenho tempo nem de acompanhar uma parcela reduzidíssima do que me interessa". Ao ler essa afirmação me identifiquei imediatamente com ela.

Também tenho muito mais informação ao meu alcance que tempo disponível para lidar com tudo isso. Livros que se acumulam em minha estante. CDs que gostaria de comprar e escutar e não consigo. Filmes em cartaz nos cinemas ou que já estão nas locadoras e que, às vezes, até levo para casa e não dá tempo de assistir...

Compartilho da angústia gerada por esses excessos da modernidade. Sigo tentando acertar a matemática das horas de tal modo que consiga ler, estudar, escutar música, assistir filmes, ir ao cinema,... O que mais me preocupa, no que novamente estou de acordo com Vianna, é que há tão pouco tempo disponível e tantas novas publicações, filmes, sites e CDs sendo colocados no mercado que mal temos tempo para verdadeiramente curti-los, aproveitá-los, degustá-los...

Isso não ocorre somente com os adultos. Também as crianças estão sendo sufocadas pelos excessos da modernidade. Conheço muitas crianças que tem tantos brinquedos que chegam a desconhecer alguns daqueles que estão nas prateleiras de seus armários. Não sabem brincar. Só acumulam. Não aproveitam as possibilidades e recursos dos jogos, das brincadeiras, das bolas e bonecas que tem em suas mãos.

Brinquedos-novos
Não basta apenas ter brinquedos, brincar é fundamental para o desenvolvimento das crianças. Elas precisam criar suas histórias, montar seus quebra-cabeças, aprender a jogar bola, brincar de casinha, pular amarelinha, pintar e desenhar.

É lógico que estamos falando de pessoas que tem um alto poder aquisitivo, pertencendo a uma elite privilegiadíssima que existe em nosso país.

É nesse ponto que se encontram os textos de Vianna e de Dimenstein. O jornalista Gilberto Dimenstein nos fala, em seu artigo, do reduzido grupo de pessoas que possuem escolaridade suficiente para entender as transformações sociais, políticas, econômicas e culturais que acontecem ao seu redor.

Localiza esses indivíduos entre aqueles que conseguiram concluir o Ensino Médio. Define que apenas um em cada cinco brasileiros atingiu esse patamar.

Dimenstein aprofunda a discussão ao nos dizer que, apesar de terem se formado no Ensino Médio, mesmo esses privilegiados possuem algumas dificuldades no que tange a compreender determinados mecanismos sociais, econômicos, políticos e culturais com os quais não tem contato freqüente.

Para ser mais claro em suas afirmações, o colunista da Folha esclarece, por exemplo, que apenas 21% dos brasileiros sabem quem é Waldomiro Diniz. Isso se levando em conta que o personagem citado anteriormente (ex-assessor do ministro José Dirceu) tem sido manchete nos principais jornais brasileiros há aproximadamente três semanas, desde que surgiram as primeiras denúncias de corrupção contra o mesmo...

Jornal-impresso-com-oculos-fechado-em-cima
Os jornais e as revistas de informação atingem públicos reduzidos no Brasil. As vendas de livros têm aumentado nos últimos anos. Apesar disso, os índices nacionais de leitura são ainda ínfimos quando comparados com os europeus.

Se por um lado pecamos gravemente em nosso país pela péssima distribuição de renda, que onera a maior parte de nossa população, mantendo-a verdadeiramente na marginalidade (desprovida, em muitos casos, até mesmo de um mínimo de dignidade), por outro, cometemos o grave erro de "querer abraçar o mundo" quando na verdade temos braços muito curtos para realizar tal intento.

As colocações de Hermano Vianna constituem uma preocupação que aflige muitos e muitos brasileiros que fazem parte dessa parcela da sociedade brasileira que tem acesso a muitas benesses materiais e culturais. São muitas as pessoas que me dizem, regularmente, que não conseguem nem mesmo ler os e-mails que recebem...

Quantas outras pessoas não têm, tampouco, chance de se sentar, ler pacientemente um livro ou um artigo publicado numa revista ou num jornal, tirar suas conclusões a respeito do que foi lido e depois, comentar com seus amigos, familiares, colegas de trabalho ou alunos?

E nesses casos, muitas dessas pessoas tem, até mesmo, o acesso aos jornais, livros, CDs, DVDs e demais recursos em suas casas, trabalhos, escolas, bibliotecas... Isso torna a questão ainda mais preocupante. Estamos vivendo um constante e irritante sufoco, que não nos permite respirar, quanto menos saborear a vida. O ritmo acelerado está nos consumindo, nos cerceando as liberdades, matando nossa criatividade e capacidade de crescimento e aperfeiçoamento.

O que fazer?

Que tal começar a concentrar esforços em uma atividade de cada vez? Se estiver lendo, procure sentir a leitura, "entrar" na história, sintonizar-se plenamente nas palavras e páginas, parágrafos e idéias? Antes de deslocar sua atenção para a tela de seu computador ou dedicar-se a ver um filme, termine sua leitura. Não tenha tanta pressa. Suba um degrau da escada de cada vez...

Cena-do-filme-Cinema-Paradiso-em-que-homem-adulto-olha-da-janela-para-o-alto-com-menino-sorrindo
(Cena do filme "Cinema Paradiso", de Giuseppe Tornatore)
Vá ao cinema e sente-se na primeira fila. Veja o filme com os olhos e com o coração. Saboreie cada momento. Divirta-se aprendendo. Não tenha pressa. Viva cada momento intensamente. A vida é uma oportunidade única e deve ser aproveitada integralmente.

O que acha de parar e dar atenção às pessoas que estão falando com você? Tente escutar o CD que comprou e acompanhar o ritmo gostoso, as vibrações positivas que emanam dos instrumentos e da voz de seu artista preferido.

Vá ao cinema ou alugue um DVD (ou VHS) e assista despreocupadamente, aproveitando o momento, saboreando a trama, curtindo toda a produção.

Depois de se dedicar exclusivamente a uma dessas atividades, converse com seus amigos, alunos ou colegas de trabalho sobre o que viu, leu ou escutou. Você se sentirá melhor. Com certeza irá se lembrar com mais detalhes do recurso que utilizou (filme, livro, música, peça teatral). Utilizará o recurso para aprender, se divertir e, ao mesmo tempo relaxar. Temos que, afinal, utilizar a modernidade a nosso favor, não contra nós...

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