Planeta Educação

Diário de Classe

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

Pichações sobre a Liberdade e a Escravidão
Coluna Diário de Classe

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Slavery (Escravidão). Obra do designer gráfico Paul J. Grzymkowsky.
Disponível na página: www.paulspageofpain.com/cg.html

O que é liberdade? O que é escravidão?

Tínhamos pela frente a árdua tarefa de responder perguntas que alguns pensadores e filósofos tentam esclarecer a algumas centenas de anos. Perguntas essas que foram alvo da divagação de homens notáveis como Aristóteles, Nietzsche, Kant, Marx ou Sartre.

Para começar nosso trabalho batemos de frente com uma afirmação de Karl Marx, em que ele dizia que a vida dos homens dependia não apenas de sua própria vontade, mas do contexto histórico em que viviam. Como conseqüência disso, concluímos em discussão na qual participaram todos os alunos, que a influência do período histórico em que vivemos pode ser percebida de várias formas, como por exemplo:

- No modo como as pessoas se vestem.
- Nas formas de lazer comuns durante aquele período.
- Nos hábitos alimentares.
- Nas relações familiares.
- Nos modelos políticos adotados.
- Nas receitas econômicas adotadas pelos países.
- Na saúde, educação e habitação.
- No modo de pensar das pessoas.

Algumas outras respostas vieram à tona, entretanto, para os fins que motivavam nossa discussão, aquelas que são citadas anteriormente foram claras o suficiente para que os alunos percebessem o que Marx queria dizer com sua afirmação. Nosso primeiro objetivo havia sido alcançado. Próximo passo, verificar o conceito de liberdade e escravidão vigentes nos dias de hoje.

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A leitura constante de jornais e revistas permite aos estudantes uma melhor
compreensão do mundo em que vivemos.

Para tanto, trabalhamos com um artigo de jornal que abordava o assunto “escravidão” falando sobre a fiscalização do governo federal em regiões distantes e remotas (como os estados do Norte e Centro-Oeste do nosso país) que haviam resultado na descoberta de novas fazendas onde se utilizava o trabalho escravo. Até esse momento nenhuma grande novidade para eles, todos estavam cientes da existência, em pleno século XXI, da escravidão no Brasil e em outras partes do mundo.

O que foi bastante interessante para eles foi à utilização do termo “situação análoga à escravidão” como denominação da condição dos escravos do século XXI. Passamos então a um novo debate, dessa vez motivado pela utilização dessa terminologia. Agindo de forma muito didática, propus que essa análise fosse feita pensando-se no sentido das palavras que compunham aquela expressão. A idéia foi bem recebida pelos estudantes (do 3º ano do Ensino Médio).

Ao pensarmos, coletivamente a respeito de “situação análoga”, percebemos que a idéia principal contida nessa expressão refere-se ao fato de que há pontos comuns entre a escravidão identificada historicamente a partir de modelos estabelecidos na Antiguidade Clássica (Grécia e Roma) e no mundo colonial que se estruturou na América dos séculos XVI a XIX e a escravidão dos dias atuais.

Apesar disso, os estudantes ressaltaram que, diferentemente daqueles momentos históricos, a escravidão atual se iniciava com o aliciamento de trabalhadores de baixo nível de instrução com a promessa de trabalho e salários em regiões distantes daquelas em que esses homens e mulheres moravam. Destacaram ainda que, a partir do momento em que chegavam ao seu novo local de trabalho, já chegavam endividados pelos custos do transporte até as áreas em que iriam labutar.

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“Escravidão por dívida e trabalho forçado não são resquícios do passado em fazendas remotas e atrasadas. Encontra-se nos desmatamentos, na produção de carvão, nos seringais e garimpos, em projetos com incentivos fiscais de bancos e multinacionais.
São consequências de uma receita de modernização e da limitada democracia brasileira.”

(Alison Sutton, Trabalho Escravo, 1994)

Todos os custos relativos à manutenção desses empregados eram repassados pelos patrões aos próprios trabalhadores, da alimentação ao local em que dormiriam. Ressaltaram os estudantes que as condições de moradia e alimentação eram as piores possíveis, conforme haviam visto em noticiários da televisão ou artigos publicados pela imprensa. Lembraram ainda que, contrariando a CLT (Consolidação das Leis Trabalhistas), os patrões jamais registravam qualquer um desses trabalhadores.

Como fatores de aproximação com a escravidão em seus moldes históricos tradicionais, destacaram que o trabalho era compulsório (ou seja, que os trabalhadores tinham que trabalhar para não serem castigados ou mortos); que não recebiam qualquer pagamento pela execução dos serviços; que existiam capatazes fiscalizando e ameaçando os empregados; e que as condições gerais de sobrevivência eram as piores possíveis.

Relembramos o vídeo “Ilha das Flores” para falar rapidamente sobre “liberdade”. Nem todos haviam assistido, por isso, destacamos que ao final do documentário, de aproximadamente 12 minutos, o narrador Paulo José tentava esclarecer o conceito de liberdade vigente no mundo atual, onde todos são livres perante a lei, mas que apesar disso, muitos ainda vivem como escravos; condenados pela pobreza, pela falta de instrução e pela inexistência de oportunidades (infelizmente não pudemos apresentar o vídeo).

Procuramos consolidar os conceitos utilizando o dicionário escolar de alguns deles.

Terminadas essas etapas iniciais, propusemos aos alunos que trouxessem na próxima semana, músicas que expressassem, em suas opiniões a idéia de liberdade ou de escravidão.

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Quando a pichação se torna grafitismo, preserva a capacidade de comunicar idéias de forma artística,
espontânea e totalmente contemporânea. Além disso, supera a visão
dominante de que é um ato de vandalismo.

Vários cumpriram a tarefa. Trouxeram seus CDs. Não sabiam ainda o que iríamos fazer. Levei o CD player para a sala de aula. Expliquei a eles que escutaríamos as músicas selecionadas e que, na medida em que a música de cada um deles tocasse, o aluno deveria se direcionar a lousa (totalmente limpa) e fazer uma “pichação” com giz expressando a relação entre a música escolhida e os conceitos em discussão (liberdade e escravidão).

A criatividade imperou nas escolhas musicais. Tivemos de música sertaneja (expressando o amor a liberdade e a natureza), passamos por referências fortes entre os jovens dessa geração (Legião Urbana) e chegamos mesmo a “monstros” do rock internacional (como Supertramp e Pink Floyd). Alguns, mais tímidos, não conseguiram expressar as idéias com muita criatividade, faltou-lhes o ímpeto dos autênticos pichadores/grafiteiros. Outros procuraram inventar para passar suas idéias.

Também participei da atividade. Levei um CD do grupo Supertramp e trabalhei com a música “Logical Song”.

Ao final, fizemos considerações sobre as relações traçadas pelos alunos. Percebemos que os conceitos ficaram bem definidos entre eles. Notamos também que, as músicas escolhidas, em sua grande maioria, acabaram trabalhando o tema “escravidão”.

O que eles não puderam perceber é que, trabalhando suas respostas na forma de “pichações”, queríamos que eles quebrassem conceitos vigentes que definem essas ações como vandalismo e percebessem que o “grafite” também pode ser uma arte. Será que eles se libertaram de seus preconceitos?

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