Planeta Educação

Cinema na Educação

João Luís de Almeida Machado é consultor em Educação e Inovação, Doutor e Mestre em Educação, historiador, pesquisador e escritor.

O Auto da Compadecida
A benção divina ao cinema brasileiro

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Povo religioso, simples, de pé no chão, acuado pela seca, atormentado pelo fantasma da fome e em constante luta contra a miséria. Um breve perfil dos sertanejos nordestinos poderia apresentar todas essas informações. Acrescentaria-se, sem dúvida, a opressão a que foram (e ainda hoje são) submetidos por famílias de poderosos coronéis, que possuem terras e almas por vastas áreas de todo aquele Brasil.

Durante um longo período, e através de várias obras literárias e suas adaptações para o cinema, pudemos perceber a figura desses sertanejos como a de homens de baixa estatura, mirrados pela alimentação irregular (permeada por ciclos de escassez alimentar), de pele queimada pelo forte sol que assola a região diariamente, de mão marcada pela labuta diária no plantio da cana ou do algodão (do cacau, do tabaco,...), de roupas simples e de pés no chão.

Povo constantemente cerceado em sua liberdade pelas restrições impostas pelos caciques políticos, que comandavam do alto de sua autoridade os seus currais eleitorais; marcado em seu comportamento pelas imposições morais da Igreja Católica; castrado em seus posicionamentos pelo analfabetismo e pela falta de informação.

Apesar de tudo isso, o "sertanejo é um forte" (como nos disse Euclides da Cunha). Homens de muita perseverança, de fibra, de grande disposição, sempre dispostos a vencer as adversidades que se impõem ao longo de seus tortuosos caminhos. Criadores de formas marcantes de expressão cultural como a literatura de cordel; que possuem a música em sua corrente sanguínea, como parte integrante de sua natureza; realizadores de obras de estética original e própria através de seu artesanato.

João Grilo e Chicó, personagens de uma das obras-primas da literatura nacional, "O Auto da Compadecida", de Ariano Suassuna, representam a transposição de todas as características apresentadas anteriormente acrescidas a uma grande esperteza. Dá enorme gosto ler o livro. Igualmente vale a pena assistir ao filme de Guel Arraes. Retratos de uma brasilidade que às vezes parece distante dos habitantes do centro-sul e que, no entanto, também fazem parte de cada um de nós.

O Filme

Cenas-do-filme

A doença do cachorro de Dora (protagonizada pela engraçadíssima Denise Fraga) e de Eurico (Diogo Vilela), donos da padaria de uma pequena cidade do interior do Nordeste brasileiro, faz com que os espertos João Grilo (vivido pelo ótimo Matheus Nachtergaele) e Chicó (personagem do competentíssimo Selton Melo) tenham que importunar padre João (Rogério Cardoso). Em nome de seus patrões, João Grilo e Chicó pedem ao pároco local que abençoe o pobre animal, para que o mesmo possa se recuperar de sua enfermidade.

Como enfrentam forte resistência do padre, resignado ante a possibilidade de rezar em favor de um animal de estimação, inventam uma história dizendo que o cão pertenceria a um poderoso coronel (Paulo Goulart) da região (e não simplesmente a mulher do padeiro). Contavam com o fato de que o coronel raramente aparecia na cidade para poderem levar adiante seu plano. Para seu desespero, o coronel aparece na cidade e tem como destino principal a igreja, onde pretende falar com padre João...

O diálogo travado entre o padre e o coronel coloca João Grilo e Chicó em sérios apuros, entre os quais, voltar a convencer o padre a rezar em favor da alma do cachorro da padeira, que a essa altura já falecera. Novas mentiras e o surgimento de um falso testamento do cachorro resolvem o problema. Para complicar a situação, surgem na história um bando de cangaceiros (liderados pelo Cangaceiro Severino, personagem de Marco Nanini), um bispo (Lima Duarte) e um romance inesperado entre a filha do coronel e Chicó.

Permeado por histórias engraçadas, inventadas por Chicó, e recheado de situações hilárias protagonizadas por João Grilo, um verdadeiro mestre na arte de contar histórias e mentiras, o filme surpreende no final, quando vários personagens centrais se encontram com Deus (Maurício Gonçalves), com o Diabo (Luís Melo) e com Nossa Senhora, a Compadecida (Fernanda Montenegro, numa ponta). Uma verdadeira preciosidade de nossa televisão (era originalmente uma minissérie) transposta para o cinema (onde foi grande sucesso de público e crítica). Imperdível.

Aos Professores

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1- Indicar a leitura de Ariano Suassuna é chover no molhado, mas não custa nada lembrar que a literatura brasileira é riquíssima e que serve de referência fundamental para que possamos entender um pouco mais de nosso povo e de nosso país. Ler "O Auto da Compadecida" devia ser a regra, não como alguma coisa imposta, mas como uma forma de nos encontrarmos com nossas raízes, com nossa brasilidade, com o melhor de nosso senso de humor fino e qualificado. Proponha a seus alunos a leitura do livro e, posteriormente, deixe que eles vejam o filme!

2- Realizar entrevistas e pesquisas de campo a respeito da vida do sertanejo nordestino atualmente pode ajudar a complementar (e reafirmar ou reorientar) a visão que temos da vida nessa região. As relações sociais, o trabalho, o modo de se vestir e se alimentar, as tradições religiosas, as dificuldades próprias dessa localidade,... No caso das pessoas que vivem distantes, pesquisas e entrevistas através da internet podem facilitar o trabalho; outra opção seria procurar pessoas que vieram das regiões sertanejas e entrevistá-las.

3- Um dos fatores decisivos para compreender os problemas da região é o sistema político que predominou e ainda domina regiões e cidades do interior nordestino. A "indústria da seca", os "votos de cabresto", os "currais eleitorais", os "eleitores fantasmas" e tantos outros dispositivos utilizados no passado e no presente do Nordeste brasileiro (e também em outras regiões), fazem parte de uma herança das mais desagradáveis, o coronelismo. Estimule seus alunos a buscar mais informações sobre esse fenômeno!

4- Outra notável marca da região é a economia agrária, pautada na exploração de gêneros tropicais como o açúcar, o tabaco, o algodão e o cacau. Como anda a economia nordestina atualmente? O clima foi fator determinante para o predomínio dessas culturas na agricultura local? De que forma variaram as técnicas agrícolas entre o passado colonial e o presente da região? Que outras atividades desenvolveram-se ao longo da história local? Que tal preparar atividades com gráficos e painéis demonstrativos da evolução econômica da região sertaneja? É outro viés a ser explorado para a plena compreensão do mundo retratado por Ariano Suassuna.

Ficha Técnica

O Auto da Compadecida

País/Ano de produção:- Brasil, 1999
Duração/Gênero:- 107 min., Comédia
Disponível em VHS e DVD
Direção de Guel Arraes
Roteiro de Guel Arraes, Adriana Falcão e João Falcão.
Elenco:- Selton Melo, Matheus Nachtergaele, Denise Fraga, Marco Nanini,
Fernanda Montenegro, Lima Duarte, Paulo Goulart, Diogo Vilela, Rogério Cardoso,
Luís Melo, Maurício Gonçalves, Bruno Garcia, Virginia Cavendish.

Links

www.adorocinemabrasileiro.com.br/filmes/auto-da-compadecida/auto-da-compadecida.asp

http://epipoca.uol.com.br/filmes_detalhes.php?idf=1165

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Avaliação deste Artigo: 4 estrelas