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A Psicanálise dos Contos de Fadas: O Discurso Inconsciente nos Contos de Fadas
Valéria Cristina Fernandes Melo
Resumo: Vive-se num mundo contemporâneo sob o impacto de um processo de globalização feito sob a hegemonia do capital, porém, ainda assim, a prática de contar histórias permanece viva no cotidiano das crianças, tanto nas escolas como em casa. O tempo pode passar, mas os contos de fadas continuam mostrando de maneira encantadora os valores da vida, os problemas do cotidiano e as suas soluções. Nos contos de fadas as crianças, e por vezes os adultos, encontram um direcionamento inconsciente para agirem corretamente diante das situações do seu dia a dia, assimilando a ideia da existência do bem e do mal, porém sabendo que o bem sempre vence e que as boas obras praticadas sempre trarão boas recompensas.
Unitermos: Contos de fadas, inconsciente, criança.
Abstract: Nowadays, despite the impact of globalization under the rules of capitalism, the practise of telling tales is still alive in children’s daily life, at school and at home. Time goes by, but the fairy tales still show the charming manner of life’s values, daily problems and their solutions. In fairy tales, children or even adults, find an unconscious the notion of good always prevails and our better attitudes will always bring a reward.
Uniterms: fairy tales, unconscious, child.
Introdução: Essencialmente, os contos de fadas são obras maravilhosas capazes de envolver o ser humano em seus enredos e instigar suas mentes. Melhor dizendo, são narrativas que, tendo ou não a presença de fadas, apresentam em seu núcleo a questão da realização essencial do herói ou heroína, geralmente ligada a alguns ritos de passagem de uma idade para outra ou de um estado civil para outro. Daí por que guardam marcas simbólicas da puberdade e do início da atividade sexual. Há sempre provas a serem vencidas para que o herói alcance sua realização pessoal ou existencial; essa realização tanto pode de se revelar no encontro do verdadeiro eu, como na conquista da pessoa amada. Podem-se citar como exemplos: A Bela Adormecida, A Bela e a Fera, Rapunzel, Cinderela, A Pequena Sereia, entre outros.
Em “A Bela Adormecida”, mais que em qualquer outro conto pode-se encontrar uma mensagem muito importante para os jovens sobre a calma necessária para se atingir objetivos. Segundo Bettelheim (1980, p.266), “A Bela Adormecida diz que um período longo de calma [...] pode levar e seguidamente leva às maiores realizações.”
Para a criança e para o adolescente, os contos de fadas exprimem verdades sobre a humanidade e sobre a própria pessoa, pois até mesmo dentro do homem mais sábio existe uma criança. Não fossem assim tão verdadeiros ao simbolizar o caminho do desenvolvimento pessoal, apresentando as situações críticas de escolhas que cada indivíduo enfrenta, não despertariam nem sequer o interesse das crianças que encontram neles, além de diversão, um aprendizado apropriado a sua segurança.
Mas, evidentemente, para se chegar ao final feliz é necessário enfrentar barreiras. As histórias estão repletas de problemas, tais como a presença do bem e do mal e, partindo desse ponto, pretende este artigo desenvolver uma reflexão sobre os contos de fadas, a fantasia existente neles, suas imagens simbólicas e seu discurso inconsciente como recursos fundamentais no desenvolvimento da psicanálise dos contos de fada, o que constitui o conteúdo do presente trabalho.
Os Contos de Fada
“ERA UMA VEZ uma criança que adorava ouvir histórias... ela nada mais esperava que viver cada momento, mas a cada passo dado neste seu mundo de sonhos e fantasia, pouco a pouco, sem o perceber, ia encontrando um sentido para a vida...”(Paulo Urban, Revista Planeta, junho/2001)
As motivações dos contos de fada são de caráter simples. Em sua maioria, tem um número limitado de personagens e causam impacto no psiquismo do ser humano porque tratam de suas experiências do dia a dia e se identificam com as dificuldades ou alegrias de seus heróis, que de uma forma geral, transmitem em seus feitos narrados, a condição do homem diante das tribulações da vida. A respeito dos contos de fadas, diz Jung (apud GIGGLIO,1991, p.15): “através deles toma-se consciência e vivenciam-se arquétipos do inconsciente coletivo”
Os contos de fada mostram os conflitos de cada ser humano, a maneira de sobrepujá-los e como recuperar a harmonia existencial. Numa terapia, a psicanálise utiliza-se da luta entre o bem e o mal presentes nestes contos para uma análise mais decisiva da personalidade, permitindo, assim, que se trabalhe com sentimentos inconscientes capazes de revelar a verdadeira personalidade.
A Fantasia
Existente em todo conto de fada, a fantasia, justamente pelo inverossímil que apresenta, provoca uma reviravolta no mundo psíquico do homem que, ao ser estimulado, empenha-se na tentativa de compreendê-la. Senão, como explicar na história da Chapeuzinho Vermelho, o fato de a Vovó permanecer viva na barriga do lobo até ser salva pelo Lenhador, ou que João encontre no céu o castelo do Gigante após ter subido num pé de feijão ou, ainda, que a Bela Adormecida durma enfeitiçada um sono de cem anos?
Da mesma forma que as obras de arte possuem aspectos que estão além do alcance do raciocínio, uma vez que provocam emoções capazes de comover os que se colocam diante delas, o conto de fada também é por ele mesmo sua melhor explicação. De acordo com Urban (2001, p. 16): “O significado desses contos está guardado na totalidade de seu conjunto, perpassado pelos fios invisíveis de sua trama narrativa”. Na presença de tais mistérios, muitas são as formas de interpretá-los e todas são válidas, uma vez que adicionam lucidez à sua compreensão.
Imagens Simbólicas
Alguns contos de fada possuem figuras representativas dos sentimentos opostos de amor e de rejeição e as crianças assimilam estas figuras para conseguirem externalizar as coisas que para elas são ruins, projetam seus sentimentos de raiva num alguém o comparando, por exemplo, com a Madrasta Malvada da Branca de Neve ou com a vilã de 101 Dálmatas, a Cruela. Numa entrevista, a mãe de uma criança de três anos de idade, ao ser questionada se sua filha alguma vez fizera menção de algum personagem ou fatos de algum conto de fada que já ouvira com um acontecimento real, constatou-se que esta criança certa vez ao se ver “impedida” pela avó de ir à pracinha não questionou ou implorou que ela a deixasse ir, simplesmente disse-lhe com toda sua força: “Vó, você tá parecendo a Cruela!”.
A criança tem a facilidade de ceder ao seu desgosto em relação a uma pessoa querida ou à falta de paciência quando é preciso esperar para que algo se realize. Em muitos contos de fada estão retratados resultados trágicos de desejos inconsequentes quando estes sentimentos não são controlados: o desejo excessivo por algo e a impaciência. Bettelheim (1980, p. 89) afirma que: “Esses dois estados mentais são típicos da criança.”
O Discurso Inconsciente
Os
contos de fada não estão voltados para produzirem
o impossível nas crianças, tal como o fato de as
impedirem de sentir uma raiva que não podem controlar, por
exemplo. Antes, pretendem ensinar por meio dos fatos que se agirem num
momento de raiva ou de impaciência sem pensar podem criar
problemas, porém, estes serão passageiros e que
com boas atitudes e comportamento adequado conseguirão
desfazer todo o dano provocado por um desejo mau.
Admite-se que o sentimento de raiva é comum ao ser humano,
porém espera-se somente dos adultos o autocontrole sobre ela.
Entretanto, os contos de fada enfatizam para as crianças que se elas tiverem bons pensamentos ou desejos positivos elas terão ótimas recompensas. O fracasso e as desilusões nos contos de fada não direcionam a criança a ter desejos de vingança, ao contrário, mesmo tendo todos os motivos para desejar coisas ruins para àqueles que a fazem mal, ela somente deve desejar o bem, como mostra os exemplos de Cinderela, que ao invés de castigar as irmãs pelas maldades que lhe fizeram deseja que elas compareçam ao seu baile ou, até mesmo, a Branca de Neve que apesar de tudo não guardou raiva nem mágoa contra a Rainha Malvada.
Levando a criança a crer em tais possibilidades, ensina-se que se pode aceitar suas decepções sem ser totalmente derrotada. O exemplo dos contos de fada afirma novamente que um sucesso ocasional recompensará seus esforços contínuos, porém, ao mesmo tempo enfatiza que estes fatos oferecem alimentos para a esperança de um mundo melhor, que embora em seus caminhos possam surgir bruxas, nunca se esqueçam de que também surgirão fadas boas, com um poder muito superior ao das bruxas. O bem sempre supera o mal e a esperança sempre deve existir.
Conclusão
O lidar
com afantasia nos contos de fada é um recurso fundamental no
processo do desenvolvimento humano. Por meio dos contos de fada
adentra-se magicamente à penumbra misteriosa do
inconsciente, condição básica para se
conhecer o significado profundo da vida, resgatando e ensinando as
forças de superação do ser humano.
“Esta é exatamente a mensagem que os contos de fada transmitem à criança de forma múltipla: que uma luta contra dificuldades graves na vida é inevitável [...] mas se a pessoa não se intimida, mas se defronta de modo firme com as opressões inesperadas e muitas vezes injustas, ela dominará todos os obstáculos e, ao fim, emergirá vitoriosa.” (Bruno Bettelheim, 1980, p. 14)
Finalmente, constata-se que o discurso inconsciente nos contos de fada permite que a força criadora, a sabedoria profunda e o conteúdo arquétipo existentes neles, ajudando as crianças e os adolescentes a encontrarem o caminho para a realização de seus poderes criativos latentes e que nunca percam a esperança. Sendo assim, os contos de fada afirmam à criança e ao adolescente que eles, às vezes, podem vencer o gigante. Conforme Bettelheim (1980, p.36) afirma: “Estas são as poderosas esperanças que nos tornam homens.”
“E quanto àquela criança que adorava ouvir histórias? O mais importante que resta disso tudo é que nunca esqueçamos a lição... crianças, jovens ou adultos, no mundo das fadas todos seguimos encantados e ... FELIZES PARA SEMPRE!” (Paulo Urban, 1989)
Referência bibliográfica:
BETTELHEIM, Bruno. A Psicanálise nos Contos de Fadas. Trad. Arlene Caetano. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1980.
GIGGLIO, Zula Garcia. Contos Maravilhosos: Expressão do Desenvolvimento Humano. Campinas: NEP/UNICAMP, 1991.
URBAN, Paulo. Revista Planeta. Nº 345/junho,2001.
Valéria Cristina Fernandes Melo: Professora de Língua Portuguesa, Língua Inglesa e respectivas Literaturas pela Universidade Moacyr Bastos, Rio de Janeiro. Pós-graduanda em Língua Portuguesa pela FEUC. Professora de Língua Portuguesa e Literatura de Ensino Médio da rede pública estadual do RJ. Professora de Língua Inglesa da rede particular de Ensino Técnico Pós-Médio.