Planeta Educação

De Olho na História

 

Os escravos no Brasil realmente foram libertados?
Leonardo Venicius Parreira Proto

“A primeira promessa solene de que a escravidão, a qual se tornou e é ainda um estado perpétuo, seria um estado provisório, encontra-se na legislação portuguesa do século passado” (Joaquim Nabuco)

A data 13 maio de 1888 no Brasil é oficializada pelo Estado brasileiro como “comemoração” da libertação dos escravos e fim da ordem escravista no Brasil. A Lei Áurea, assinada pela princesa Isabel, representou em termos legais o decreto de abolição da escravidão das populações negras no país.

Isso é muito presente hoje, passados 123 anos da promulgação da Lei Áurea, nos termos inclusos da historiografia brasileira estudada e recepcionada nos livros didáticos.

Os procedimentos pedagógicos e a revisão dos conteúdos nos livros de história ainda não conseguiram elaborar outra perspectiva de enfrentamento da leitura oficialista (diga-se, do Estado) quanto a uma revisão profunda e séria quanto à mensagem divulgada: os/as escravos/as no Brasil foram libertados...

Algumas informações são necessárias para se compreender historicamente as razões da política do Estado brasileiro naquele período, final do II Reinado e transição para República, instituindo a abolição como nova formulação política e econômica do país frente à conjuntura internacional da época, com a pressão inglesa de coibição do tráfico internacional de escravos.

Existe na trajetória do escravismo brasileiro no séc. XIX a construção de um movimento e discurso abolicionista na linha de frente, combatendo o sistema escravocrata e sua dinâmica de estruturação política na corte brasileira.

Um dos expoentes mais veemente na sua propositura abolicionista é Joaquim Nabuco que, formado em direito, exerceu jornalismo, atuou como deputado, correspondente de jornais fora do país e diplomata, tendo trabalhado em Washington e depois em Londres.

Tem um papel preponderante na formulação teórico-política que inspirará os agentes liberais a instituírem uma luta no parlamento brasileiro em prol da libertação dos escravos.

Joaquim Nabuco, como intelectual, militante do partido liberal no II Império e início da República, produz a obra “O Abolicionismo”, publicada em 1883, aos 34 anos quando morava na Inglaterra (NOGUEIRA, 1988).

Nessa obra, Nabuco apresenta em poucos anos antes do decreto imperial de abolição, alguns argumentos explicativos formuladores do discurso abolicionista. Para esse teórico liberal do abolicionismo, as motivações políticas das liberdades foram conferidas aos indivíduos modernos num apanágio às noções da crença iluminista e apologia ao direito e constituição da cidadania destes mesmos indivíduos (escravos) pertencentes à nação brasileira (NABUCO, 1988).

A defesa de um Estado construtor de uma nacionalidade e referendado por sua Constituição, segundo Nabuco (1988), não pode negligenciar o conjunto de indivíduos pertencentes à nação, os quais são afrontados por sua condição de cativos da pátria e, desse modo, não conseguiriam gozar da posição de cidadania, à qual está vinculado, sobretudo, o reconhecimento do direito internacional que naquele contexto condenava o tráfico.

Para Nabuco (1988), três eram os fundamentos da propositura abolicionista. O primeiro explicitava o atraso na ordem do desenvolvimento material e do progresso da ordem civilizacional.

O segundo fundamento defende o fim da escravidão por entender que essa formatação político-econômica atrasa o desenvolvimento do país e a liberdade fica condicionada ao privilégio de classe. O terceiro e última exposição discursiva dá-se em relação à luta pela emancipação total com objetivo de constituir uma nação forte, patriótica e soberana.

A obviedade expressa na elaboração discursiva dessa obra ampara-se nas ideias de um liberalismo de matriz europeia com o qual os intelectuais contrários à monarquia se dispuseram a combater todas as práticas da tradição escravocrata no país, influenciados pelas concepções políticas e econômicas liberais do velho mundo.

A liberdade política, como elemento forjador das liberdades individuais e da formação do cidadão enquanto ente político, estava associada à livre-concorrência econômica, portanto, a formação do denominado livre-mercado, incluindo aqui o mercado de trabalho.

O interesse de uma fração elitista e de concepção liberal contrapunha a velha ordem aristocrática e escravista diante das barbas do império. Era pungente aos liberais a formação de um novo bloco dominante no país, cujas necessidades atrelavam-se às novas demandas do capitalismo liderado hegemonicamente pela Inglaterra e o papel de cada nacionalidade na divisão internacional do trabalho, cabendo ao Brasil a responsabilidade de extinguir de forma legalista e oficial o trabalho escravo.

Para o sociólogo e militante Florestan Fernandes (1978) em sua análise histórica quanto aos desfechos do regime monárquico no Brasil e a constituição de uma nova ordem social, a derrocada do sistema por ele denominado de castas e o desenvolvimento de uma nova forma de organização social, chamada de ordem social competitiva, foram as bases da estrutura socioeconômica capitalista no país para formação da burguesia brasileira.

Para Florestan, a “empresa fundiária” no país participou ativamente do processo de reorganização do Estado e das formas de regulação no âmbito político e econômico.

“As inovações institucionais e a eficácia da liberalização jurídico-política republicana foram circunscritas, na prática, às necessidades da adaptação da “grande-empresa agrária” ao regime de trabalho livre e às relações de troca no mercado de trabalho” (FERNANDES, 1978, p. 44).

Essa leitura histórica de Florestan Fernandes aponta para uma de suas importantes contribuições, as quais foram bastante elucidadas e incorporadas pelos grupos e movimentos sociais de resistência afro-brasileiros, a de que no embate da luta de classes no Brasil os ditos espoliados e marginalizados ficaram em situações ainda mais degradantes no período pós-abolição, pois se viram alijados da dita inclusão social, mesmo essa estando condicionada ao processo de consolidação da nova ordem.

Diferente das posições do abolicionismo liberal de Nabuco em que pesa o discurso em favor das liberdades individuais como opção para o mercado da força de trabalho livre, as ponderações críticas de Florestan apontam para a integração dos/as negros/as na denominada sociedade de classes, sendo socializado de maneira a continuar subjugado pelas forças que compõem a dominação no novo bloco histórico.

Talvez tenhamos com todo o esforço analítico de Florestan um papel a cumprir junto à interpretação histórica e reconstrução da historiografia do período abolicionista, o de elaborarmos uma crítica contundente e rigorosa quanto à recomposição das forças ou frações dominantes que de variadas maneiras se recompuseram com a presença colonizadora e missão civilizadora há mais de quinhentos anos.

Daí, nossa pergunta que intitula nossa reflexão no presente texto ainda é bastante válida: os escravos realmente foram libertados? A resposta tem sido construída em algumas perspectivas históricas, mas podemos continuar debatendo no sentido de recolocarmos a questão étnico-racial no Brasil sempre em debate.

Referências Bibliográficas

FERNANDES, Florestan. A integração do negro na sociedade de classes. 3 ed. vol. 1. São Paulo: Ática, 1978.

NABUCO, Joaquim. O abolicionismo. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1988.

NOGUEIRA, Marco Aurélio. Introdução. In: O abolicionismo. 5 ed. Petrópolis: Vozes, 1988.

Leonardo Venicius Parreira Proto – Bacharel e licenciado em História pela PUC-GO, especialista em adolescência e juventude no mundo contemporâneo pela Faculdade Jesuíta (FAJE-MG), mestrando em História pela UFG e bolsista da CAPES.

Avaliação deste Artigo: 2 estrelas