Planeta Literatura
Fomos maus alunos
Gilberto Dimenstein e Rubem Alves
"Sinto-me nascido a cada momento para a eterna novidade do mundo. A última coisa que se pode sentir diante da eterna novidade do mundo é tédio. O pensamento é uma criança que explora essa caixa de brinquedos chamada mundo. Pensar é brincar com os pensamentos." (Rubem Alves)
Imagine o que significa reunir dois fenômenos num mesmo time. Quantas tabelinhas e lances magistrais poderiam acontecer? Os gols sairiam em profusão. As jogadas de mestre seriam uma constante. O público iria delirar do começo ao fim...
"Fomos maus alunos", da editora Papirus, realiza esse feito na área da educação ao colocar em campo (mais especificamente nas páginas de um livro), os craques Rubem Alves e Gilberto Dimenstein.
O educador Rubem Alves, nas palavras de Gilberto Dimenstein, "é o educador íntegro", inteiro, de corpo e alma. Transcende o básico da educação ao reunir "o máximo da razão com o máximo da emoção". Gilberto completa a apresentação de Rubem Alves assumindo um posicionamento que muitos de nós, educadores, gostaríamos de assumir ao dizer que "se pudesse escolher o que gostaria de ser quando crescer (se crescer) é Rubem Alves".
O jornalista Gilberto Dimenstein, nos dizeres de Rubem Alves, é um "comunicador", daqueles que acreditam que "comunicar é a arte de fazer com que uma idéia tenha vida". Gilberto é aquele que "liga pontos que ninguém acreditava que pudessem ser ligados" e faz "nascer o potencial de inteligência e vida que mora dentro das pessoas". Um verdadeiro e autêntico educador.
Diante de uma apresentação como essa, em que fica esclarecido um pouco da trajetória e dos propósitos que unem o destino dos dois protagonistas, fica um tanto quanto confuso entender o título do livro que reuniu esses dois talentos, "Fomos maus alunos".
O jornalista Gilberto
Dimenstein e o educador Rubem Alves.
"Quando a escola vinha com isso, dizendo que eu tinha que saber os afluentes do Tocantins, do Amazonas, eu só dizia assim: Eu não consigo. Depois de uma certa idade foi que descobri que quando eu falava não consigo, tinha uma voz dizendo, mas por que deveria conseguir? (...) Fui descobrir que não conseguia por que aquilo não tinha significado." (Gilberto Dimenstein)
Que então fique claro, o mais rapidamente possível, que tanto Dimenstein quanto Rubem Alves falam a respeito de suas trajetórias como estudantes ao longo de todo o livro e, ressaltam que tiveram dificuldades em lidar com a escola, o que lhes causava arrepios ao acordar todos os dias pela manhã e ter que trilhar os caminhos que os levavam a suas escolas.
Em suas falas, nesse diálogo estendido e transformado em livro, fica claro que a escola não foi capaz em momento algum de seduzi-los, conquistá-los, fazê-los se sentir à vontade, produzir e realizar dentro daquilo que poderiam...
A escola lhes parecia apenas mais um compromisso a ser cumprido, como um remédio amargo a ser engolido quando o corpo carrega uma moléstia qualquer. Sabiam que precisavam dela, mas não conseguiam criar um laço de conexão que unisse os "conhecimentos" aprendidos na sala de aula ao mundo exterior.
Não vivenciavam essa experiência como a do homem apaixonado, que a todo instante quer estar com a mulher amada, curtindo intensamente todos os momentos; não percebiam a relação que tinham com as aulas como aquela que permite transcender, viajar para mundos nunca antes visitados por outro ser humano, transpor barreiras e voar, como Ícaro e suas asas de cera, em direção ao infinito...
A escola era chata (e continua sendo, infelizmente, para um grande contingente de alunos). Não importa se os debatedores falavam da escola dos anos 40 e 50 em que Rubem Alves estudou ou a escola dos anos 60 e 70, em que se formou Gilberto Dimenstein. Não importa se falamos da escola dos dias atuais, que mantém ranços de conservadorismo e conteudismo em níveis assustadoramente altos... A chatice continua a existir!
Que diferenças
podemos perceber entre a escola de nossos pais, a de nossos
avós e da nossa? A escola tem que desafiar os alunos, tem
que fazer com eles se sintam vivos, tem que proporcionar prazer...
"Como comunicador trabalhando com educação, me
sobra uma visão: a escola só pode ser uma casa de
gestão de curiosidades. Do contrário ela
não é funcional. Ou a paixão
é o motor da escola, ou ela serve para pouco." (Gilberto
Dimenstein)
Gilberto e Rubem têm a ousadia de confrontar o tacanho e reducionista mundo da educação de moldes tradicionais, que continua propondo "caminhos suaves" para a educação das crianças e jovens. Basta, dizem os dois. A educação tem que surpreender, cativar, conquistar os estudantes a todo o momento. O conhecimento tem que ser construído a partir de constantes desafios.
O trabalho desenvolvido em aula tem que ser significativo para os educandos. Eles têm que entender os motivos que levam os professores, as escolas, as secretarias e delegacias de ensino e órgãos superiores, a lhes imputar um determinado conhecimento. Se as propostas forem entendidas e se vincularem ao movimento que rege a vida deles, então será digerido com enorme prazer. A digestão não será inconveniente. Não surgirão dores de barriga como efeitos colaterais...
Como bem esclarece Rubem Alves na introdução, ele e Gilberto tinham fome. Fome de conhecimento, de informação, de compreensão de mundo. O problema é que as escolas desvinculavam seus programas de curso de tudo aquilo que acontecia fora dos limites estreitos das paredes que separavam a escola do mundo lá fora...
Como não cumpriam com aquilo que as escolas esperavam deles, foram tidos como "maus alunos", eram fracassados, afinal de contas, as escolas tinham os "critérios certos" e eram as instituições mais importantes na vida de qualquer pessoa que sonhasse com o sucesso na vida adulta.
"Assim
é a educação: um toque para provocar o
outro a fazer soar sua música. Essa é a teoria
socrática da educação.
Sócrates dizia que todos nós estamos
grávidos de beleza, e que a tarefa do educador, como na
história da Bela Adormecida, é dar o beijo para
despertar uma inteligência adormecida"
(Rubem Alves)
Felicidade, altivez e criatividade nunca foram consideradas elementos fundamentais nos currículos escolares. Formamos as pessoas e não pensamos em suas emoções, na verdade desprezamos tudo aquilo que se relaciona com o coração. Talvez por isso, tantas pessoas morram todos os anos de problemas do coração. Desde cedo foram desencorajadas a expressar seus sentimentos, a falar abertamente o que pensam, a olhar com coragem para o futuro.
"Fomos maus alunos" nos traz o debate franco de idéias, entre pessoas que cultivam desde cedo o inconformismo com a mesmice e que lutam com todas as suas forças pela renovação. Homens que carregam como cerne de suas idéias a felicidade, a altivez, a criatividade, a ousadia... Verdadeiros fenômenos!
Obs.: Em
mais uma comprovação de seu compromisso e
dignidade, os autores doaram os direitos sobre o livro "Fomos maus
alunos" para a Fundação Síndrome de
Down". Verdadeiro gol de letra!