Planeta Educação

Aprender com as Diferenças

 

O Tradutor-Intérprete de Libras entre o Domínio da Língua e da Cultura Surda
Leandra Costa Ferreira

Leandra Costa Ferreira: Cáceres/ MT Graduada em Letras. Especialista em Educação Especial com Ênfase em LIBRAS e Surdocegueira pelo Instituto Panamericano de Educação de Cuiabá/ MT. Tradutora-Intérprete Educacional em Escola Estadual de ensino médio. Tradutora-Intérprete no Curso de Licenciatura em Computação na Universidade do Estado de Mato Grosso (UNEMAT), Cáceres/ MT.

Resumo: O presente artigo científico trata da definição do Profissional Tradutor-Intérprete de LIBRAS, sendo apresentado como detentor do Conhecimento da Língua e da Cultura Surda, pois esta é a base para a sua formação, principalmente daquele profissional que atua no contexto educacional. Portanto, objetivamos discutir a importância da língua de sinais; refletir sobre as questões culturais que envolvem a comunicação entre pessoas surdas e seu mediador de comunicação; apresentar uma experiência vivenciada em uma escola de Cáceres por um tradutor-intérprete. A metodologia utilizada é a de pesquisa bibliográfica com fundamentação em Jakobson (1959), Strobel (2008), Marioroney (2010), Quadros (2004), Brasil (2010).

Palavras-Chave: Língua. Cultura. Tradução.

1. Introdução

Neste texto apresentaremos o trabalho do Profissional Tradutor-Intérprete de LIBRAS, voltado para o Conhecimento desta Língua e da Cultura Surda que é base de um profissional que atua no contexto educacional e a identidade da pessoa surda usuária desta língua. Neste sentido, compreendemos que o tradutor-intérprete de LIBRAS deva ter o domínio da Língua Portuguesa e da Língua Brasileira de Sinais, bem como, ter conhecimento da cultura ouvinte e da Cultura Surda. Assim, objetivamos discutir a importância da língua de sinais; refletir sobre as questões culturais que envolvem a comunicação entre pessoas surdas e seu mediador de comunicação; apresentar uma experiência vivenciada em uma escola de Cáceres por um tradutor-intérprete, reafirmando a importância do trabalho deste profissional na educação. A metodologia utilizada é a de pesquisa bibliográfica com fundamentação em Jakobson (1959), Strobel (2008), Marioroney (2010), Quadros (2004), Brasil (2010).

2. Sistema da Língua de Sinais

Segundo Ronice Muller Quadros (2004), “língua é um sistema de signos compartilhado por uma comunidade lingüística comum”, ou seja, por meio da qual é possível interagir com a pessoa surda no território brasileiro com a LIBRAS, que todos conhecem os sinalizantes-visuais desta língua. A palavra Cultura vem do latim que significa “cultivo agrícola”, e para a nossa vida o sentido pode ser traduzido o cultivo da linguagem, da identidade. Há muitas discussões para o conceito de cultura, e escolhemos uma definição simples definido por Strobel (2008), que diz:

[...] da mesma forma, um ser humano, em contato com o seu espaço cultural, reage, cresce e desenvolve sua identidade, isto significa que os cultivos que fazemos são coletivos e não isolados. A cultura não vem pronta, daí porque ela sempre se modifica e se atualiza, expressando claramente que não surge com o homem sozinho e sim das produções coletivas que decorrem do desenvolvimento cultural experimentado por suas gerações passadas (STROBEL, 2008, p.19)

Podemos observar pela definição acima que, língua e cultura são termos complementares um ao outro, que pela língua e pela cultura é que se pode formar uma identidade, e mesmo assim, não sendo isolada, mas sempre gerando a interação entre locutor e interlocutor. Em se tratando da Língua de Sinais, podemos refletir que a Cultura Surda é caracterizada primeiramente por uma língua, a LIBRAS e a identidade da pessoa surda se forma pelo uso desta língua, além de outras características pertinentes à Cultura Surda, como a vida social, esportiva, artística, entre outras. Podemos citar um exemplo de Cultura Surda, a nossa Cultura Surda de Cáceres/MT, que desde 2002 vem lutando por um reconhecimento social na comunidade através da Associação dos Surdos de Cáceres – ASCÁ, formada por muitos surdos que passaram alguns anos na APAE, e logo depois, com os projetos de inclusão dos anos 90, estão no Ensino Regular, alguns com a presença do profissional intérprete em sala, que desde 2005 vem realizando este trabalho em escolas estaduais da cidade. Pela associação de Surdos, os surdos cacerenses estão sendo reconhecidos como uma Cultura Surda, pois compartilham objetivos comuns de toda a comunidade surda de Cáceres.

A Língua de Brasileira de Sinais é uma característica primordial para definir uma Cultura Surda no país, assim, comunidades surdas como a comunidade surda de Cáceres que tem usuários da LIBRAS, que são pertencentes a Cultura Surda do Brasil e ao povo Surdo brasileiro. Conforme os estudos lingüísticos de Ronice Muller Quadros (2004),  a Língua Brasileira de Sinais é de modalidade visual-espacial e a Língua Portuguesa e de modalidade oral-auditiva, sendo assim, são línguas diferentes, de modalidades diferentes de comunicação,  que tem marcas culturais em que o povo surdo são visuais e sinalizantes e o povo ouvinte são falantes e auditivos, que constrói de forma diferente a identidade de cada um, conforme a língua que utiliza desde a fase de aquisição da linguagem.

Deste modo, para aprender uma língua, é necessário entender sobre a cultura do povo falante desta língua. No caso do tradutor-intérprete de LIBRAS, se faz necessário ter o domínio da Língua Portuguesa e da Língua Brasileira de Sinais, e ter conhecimento da cultura ouvinte e da Cultura Surda. Segundo Ronice Müller Quadros (2004), tradutor é aquele que traduz uma língua para outra. A tradução técnica refere-se ao processo que envolve uma língua, pelo menos escrita. E para a mesma autora, define-se tradutor-intérprete da língua de sinais, aquele faz a tradução e interpretação da língua de sinais para língua portuguesa e vice-versa, sendo em qualquer modalidade: oral, escrita, sinalizada. Assim já pensamos que o perfil de um tradutor parte do princípio de dominar duas línguas no mínimo, além de saber sobre a cultura dessas línguas. Hoje já se tem o reconhecimento do profissional tradutor-intérprete de LIBRAS pela LEI Nº 12.319 oficializada em 1º  de  setembro  de 2010. 

Podemos destacar o segundo artigo que diz: Art. 2o  “o tradutor e intérprete terá competência para realizar interpretação das 2 (duas) línguas de maneira simultânea ou consecutiva e proficiência em tradução e interpretação da Libras e da Língua Portuguesa.” Sendo assim, se faz necessário não somente conhecer a língua, mas ter a proficiência em tradução-interpretação desta língua. Neste caso, podemos exemplificar com uma experiência pessoal que já temos nesta área, que se iniciou no ano de 2005, numa sala de 2ª série do Ensino Médio, com quatro surdos, sendo uma sala com trinta e oito alunos nesta sala. Logo de início, a experiência não foi muito agradável por ser uma sala numerosa e não ter nenhum trabalho nesta área na cidade de Cáceres, tudo parecia estranho e impossível de se realizar. A partir do momento de aceitação do trabalho de tradução-interpretação a educação daqueles surdos começou a ser diferente, a partir do momento que buscamos fazer o trabalho de tradução-interpretação no Ensino Médio. Assim, o intermédio do conhecimento para aqueles quatro alunos surdos teve uma grande diferença no convívio escolar, pois se objetivou: acessar o conhecimento advindo de aulas orais, saber o que o colega ouvinte perguntava ao professor, chamar a diretora para conversar sobre algo, entre outras situações, que para os ouvintes são rotineiras ao fazerem o uso da língua oral-auditiva e serem ouvidos e compreendidos em qualquer situação de comunicação.

Para se realizar um trabalho com tradução-interpretação em Língua de Sinais, é de suma importância conhecer os dois tipos de tradução que existem, e que podem ser alternativas de um trabalho feito com eficácia com o objetivo de que a mensagem do interlocutor sendo o professor ao passar pelo mediador que é o tradutor-intérprete possa ser compreendida pelo receptor que é o aluno surdo. Os dois tipos de tradução definidos pela lingüista Ronice Muller Quadros, como tradução-interpretação simultânea e tradução-interpretação consecutiva que fazem parte da Tradução interlíngüística ou tradução propriamente dita, definida por Jakobson no artigo “Sobre os aspectos lingüísticos da tradução” (1959) como interpretação lingüísticos verbais por meio de outra língua, sendo, neste caso, da LIBRAS para a língua portuguesa e/ou vice-versa.

A tradução-interpretação simultânea é aquela que é processada pelo tradutor de uma língua fonte para o uma língua alvo, ao mesmo tempo da enunciação, ou seja, podemos exemplificar neste caso uma tradução da LIBRAS num julgamento em que o depoimento de um réu surdo precisa ser traduzido simultaneamente pelo tradutor de LIBRAS ao juiz. Já a tradução-interpretação consecutiva é aquela que não acontece ao mesmo tempo em que o enunciante usa a língua; acontece a enunciação numa língua e posteriormente essa enunciação será traduzida e interpretada em outra língua. Neste tipo de tradução, podemos citar várias situações como: a tradução-interpretação de um texto escrito em português para a tradução visual em LIBRAS para um candidato num concurso de vestibular.

Consideravelmente, é importante destacar que o tradutor-intérprete precisa saber muito sobre as línguas envolvidas, entender  e conhecer bem as culturas dos povos que utilizam essas línguas, ter familiaridade com cada tipo de interpretação e se informar antes sobre o assunto que será abordado no momento de tradução-interpretação. Podem existir muitos problemas de equivalência durante uma tradução-interpretação de uma língua para outra, como da LIBRAS para a Língua Portuguesa, que são línguas de modalidades diferentes, de estruturas lingüísticas bem diferentes, a exemplo, o sinal “MÃE” é formado por dois morfemas na LIBRAS, “MÃE-BENÇÃO”, logo na tradução do sinal em LIBRAS para Língua Portuguesa será somente a palavra MÃE. Pode-se exemplificar com uma experiência vivenciada por uma surda que sinalizou a frase “CUIABÁ MAMÃE LÁ, LIGAR JÁ MÉDICO, OK!”.

Conforme o conhecimento do momento de enunciação, pode-se traduzir para “ Mamãe está lá em Cuiabá e já ligou para o médico, ok!”. No enunciado em questão, não é apresentado problema de equivalência, pois os interlocutores usam a LIBRAS diariamente e têm domínio da língua e da cultura surda. É possível haver problemas de equivalência de uma língua para outra, dadas às culturas diferentes que as caracterizam. Neste aspecto, podemos lembrar que existem muitos alfabetos manuais diferentes, em acordo com a Língua de Sinais, pois sua construção ocorre conforme a cultura de um determinado povo, usuário de uma língua e de uma cultura específica.

Numa situação comunicativa em que acontece a tradução simultânea pode-se ter perdas, em que o sentido pode variar conforme a tradução feita, assim ter perdas de sentido, o que o interlocutor realmente pretendia dizer e aquilo que o tradutor não alcançou quanto ao sentido desejado pelo locutor. Já na tradução consecutiva, o tradutor-intérprete tem mais vantagens para chegar a um bom resultado, pois pode analisar o enunciado, tirar dúvidas quanto alguma palavra ou expressão desconhecida. Pensemos num tradutor-intérprete que tem um pré-conhecimento sobre o assunto abordado numa palestra, por exemplo, em que o tradutor terá grande eficiência no momento de tradução, se souber o tema da palestra, os assuntos relacionados à palestra, conhecer um pouco sobre o palestrante, suas referências, entre outros aspectos que podem auxiliar na preparação da tradução.

Quanto as estratégias de tradução, é considerável citar, especialmente se tratando da LIBRAS, o uso de classificadores, expressão facial e corporal, citado pelo professor mestre Rimar Romano, em uma oficina de estudos de tradução – a boca de surdo seria uma estratégia da expressão facial que ajuda a enunciar uma afirmação, negação, indignação, dúvida, questionamento, entre outras situações comunicativas. Há várias estratégias que os usuários da LIBRAS hoje utilizam para facilitar a comunicação, conforme a cultura das regiões do Brasil, as estratégias podem modificar, com expressões faciais ou corporais, uso de classificadores. Nesse sentido, podemos citar a contação de estórias em LIBRAS para crianças Surdas, em que o tradutor-intérprete educacional, na fase de aquisição da LIBRAS da criança surda, acaba sendo professor-intérprete, usa muitas estratégias na hora de contar uma estória, pela expressão, gestos, mímicas são estratégias em que, muitas vezes, são mais compreendidas.

O profissional tradutor-intérprete precisa estar entre a língua e a cultura, ter o domínio das duas faces, não apenas conhecer a LIBRAS, mas conhecer o os aspectos culturais que permeiam esta língua, a Cultura Surda. Vale ressaltar que um profissional ético nesta área conhece profundamente a sua língua materna e sua cultura, assim poderá adquirir conhecimento na segunda língua tendo domínio da segunda língua da outra cultura. O desempenho do TIL (Tradutor Intérprete de Língua de Sinais), especificamente o educacional depende de ter o pleno domínio da língua e da Cultura Surda, a sua atuação em sala de aula deve ser uma mediação que possibilitará o acesso ao conhecimento pelo aluno surdo. Como afirma Mário Roney (2010) no artigo “A falta de formação causa conflitos na sala de aula?” que esclarece:

O profissional Tradutor Intérprete de língua de Sinais é um dos recursos que garante ao aluno surdo acesso a comunicação, sendo “mais um instrumento”, quero deixar claro apenas mais um, existem outras possibilidades tais como, mudança metodológica, Adequação curricular, avaliação diferenciada entre outras (Por Mário Roney em Revista Nacional de Reabilitação Reação – nº 76, 2010)

O TIL como um instrumento na sala de aula, garante o acesso à comunicação, possibilitando o conhecimento do aluno surdo à língua e à cultura. As questões de relações pedagógicas entre tradutor-intérprete e professor regente pode também oferecer melhores resultados em se tratando do aprendizado do aluno surdo, mas o que destacamos aqui é que o TIL deve estar sempre se atualizando quanto a língua de sinais, no caso a LIBRAS, e conhecer a Cultura Surda, a comunidade surda em que está atuando.

3. Considerações Finais

A busca de conhecimento da língua e da Cultura Surda devem ser fatores primordiais para todos aqueles que estudam a língua de sinais e que estão a caminho de ser um profissional Tradutor- Intérprete de LIBRAS, pois devem não apenas conhecer a LIBRAS, mas conhecer o os aspectos culturais que permeiam esta Língua e a Cultura Surda. Concluímos nossas proposições, afirmando que, em se tratando do tradutor-intérprete educacional, o uso de estratégias para tradução em sala de aula, poderá auxiliar positivamente tanto professores quanto alunos, no sentido de os conteúdos e conhecimentos advindos da escola chegar até o aluno surdo e, assim, fazer sentido às práticas sociais de interação humana.

4. Referências Bibliográficas

JAKOBSON, Roman. On Linguistic Aspects of Translation. In BROWER, R.A (ed.) – On Translation. Cambridge : Havard University Press, 1959, p. 239 – 9.

BRASIL. Lei nº Nº 12.319 oficializada em 1º  de  setembro  de 2010.

MARIORONEY. A falta de formação causa conflitos na sala de aula? - In Caderno Técnico Científico Vol. 65 na Revista Nacional de Reabilitação Reação nº 76 Setembro/ Outubro – Ano XIV – 2010.

QUADROS, Ronice Müller de. Língua de sinais brasileira: estudos línguisticos/ Ronice Müller Quadros e Lodenir Becker Karnopp. Porto Alegre: Artimed, 2004.

STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a Cultura Surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

Avaliação deste Artigo: 4 estrelas